É reveladora a pressa de PS e PSD em aprovar a regulamentação do lobbying.
Estamos a 3 de janeiro, com uma Assembleia que vai ser dissolvida a 15 de Janeiro, e mais uma vez o PS e o PSD procuram fazer aquilo que por diversas vezes tentaram, e não conseguiram: entender-se sobre uma lei que regulamente o lobbying.
Mas mais uma vez aí temos PS e PSD; IL e PAN; assim como o Chega, que apresentou iniciativa no mesmo sentido em finais de Dezembro, a querer tornar legal o tráfico de influências.
Sim, porque com mais ou menos regulamentação, a natureza do “lobbying” não muda: traduz uma influência do poder económico sobre o poder político, com a finalidade de o condicionar na sua ação.
O lobbying deve ser combatido, e não fomentado ou normalizado. Deve ser denunciado, e não transformado num grande negócio para as agências de comunicação.
Se esta legislação for aprovada, passa a haver um negócio de representação de interesses.
Um negócio em que quem vende os seus serviços… o que é que vai publicitar? O que é que vai vender? Vai publicitar e tentar vender a sua capacidade de influência sobre o poder político.
“Contratem a minha agência, porque temos as pessoas certas para influenciar as decisões políticas”. Os “amigos de amigos”, os facilitadores, os contactos privilegiados para favorecer interesses económicos, numa palavra: a venda de influências, deixa de ser algo condenável, e passa a ser algo perfeitamente legal e até um lucrativo negócio.
E, tal como o Chega em Dezembro, aquilo que o PS, o PSD, a IL e o PAN fazem com estas iniciativas é um enorme favor ao sistema de interesses que vivem à custa da promiscuidade, porque querem, à boleia dos casos que vieram a público, passar uma esponja sobre as reais causas desses fenómenos.
Reais causas essas que estão na entrega de sectores estratégicos ao grande capital. Sectores que, precisamente por serem estratégicos, estão altamente dependentes de decisões políticas, como é o caso da energia ou dos recursos minerais como o lítio. São por isso os sectores que já fazem lobbying – até para que esta lei seja aprovada – e que querem que aquilo que hoje fazem contra a lei, continue a ser feito, mas ao abrigo da lei.
Há ainda nestas iniciativas algo de pernicioso: querem os proponentes que a representação de interesses económicos de grandes empresas (como as grandes petrolíferas e energéticas, a indústria tabaqueira, a banca privada, e por aí a fora), estejam na mesma categoria, com as mesmas obrigações, do que, por exemplo, uma ONG de defesa do ambiente, ou um movimento de cidadãos que queira defender o seu património natural, ou mesmo uma associação de estudantes!
É como se não houvesse diferença entre as organizações que defendem interesses coletivos não associados ao lucro, e a representação de interesses privados que querem lucrar com decisões políticas.
Note-se que, hoje, no processo legislativo, todas as consultas, pareceres escritos, audiências, até as reuniões dos grupos parlamentares com as mais variadas entidades, estão publicadas com total transparência no site da Assembleia da República.
Não se trata portanto de transparência. O que querem é obrigar as entidades que hoje são ouvidas de forma absolutamente transparente a recorrer a intermediários, pagos a peso de ouro. Para se criar um negócio, o que se está a fazer é também criar barreiras que limitam os direitos de participação democrática na vida pública.
Diz o projeto do PS que “há que construir um modelo em linha com as soluções das instituições europeias”. Ora, o que se passa nas instituições da União Europeia é de facto um belíssimo exemplo, mas pela negativa. A Comissão Europeia, o Parlamento Europeu, onde milhares de entidades lobistas estão representados e exercem diariamente a sua ação, são o exemplo acabado de quão longe pode ir a intervenção do poder económico na tentativa – quase sempre bem sucedida – de conformar a produção legislativa aos seus interesses particulares.
São numerosos os casos de funcionamento de “portas giratórias” na continuidade da ação lobista. Um dos mais conhecidos é o de Durão Barroso que, depois de ter proposto todo um novo quadro regulatório do setor bancário, saiu da Comissão Europeia para a Goldman Sachs, de onde tinha saído o consultor nomeado pelo próprio Durão Barroso para o “grupo de alto nível”, mais uma expressão do lobbying institucionalizado, que determinou as bases para essa regulação do sector bancário.
Senhoras e senhores deputados,
Para combater a corrupção e a promiscuidade, não faz falta atirar areia para os olhos das pessoas e legalizar os facilitadores de negócios privados na sombra de decisões políticas.
O que é preciso é inverter o rumo neoliberal de privatização de sectores estratégicos; é tomar medidas que fechem as portas giratórias entre cargos públicos e grandes empresas; é cumprir com a subordinação do poder económico ao poder político democrático.
E para isso é preciso uma política e um Governo patrióticos e de esquerda, não ao serviço dos grupos económicos e das imposições da União Europeia, mas sim ao serviço dos trabalhadores, do povo e do desenvolvimento soberano do país.