Projecto de Resolução N.º 353/XIII/1.ª

Propõe medidas de combate à pobreza infantil

Propõe medidas de combate à pobreza infantil

Exposição de motivos

I
O dia-a-dia de milhares e milhares de crianças no nosso país é hoje marcado por múltiplas formas de negação de direitos, discriminações e violências.

A situação da pobreza infantil continua a assumir contornos de profunda gravidade.
O último estudo do INE, datado de 18 de dezembro de 2015 e relativo a dados recolhidos em 2014, indicou que o risco de pobreza em Portugal situa-se na mesma ordem de grandeza que em 2013, atingindo 19,5% da população, sinalizando ainda que as crianças foram o grupo no qual “o risco de pobreza foi mais elevado”: 24,8%.

Pese embora ainda não existam dados estatísticos atualizados que permitam medir de forma mais detalhada a realidade da pobreza infantil, os sinais vindos da sociedade são muito preocupantes.

A realidade de milhares de crianças sinalizadas nas escolas com fome, a que se juntam as cantinas escolares que têm estado abertas em períodos de férias letivas (de forma a garantir a muitas crianças uma refeição quente), bem como as dificuldades de muitas famílias em cumprir as necessidades básicas das crianças, designadamente a alimentação, vestuário, habitação, material escolar e cuidados de saúde revelam a dramática situação que vivem milhares de famílias.
No nosso país, muitas são as crianças vítimas da subnutrição e da fome, da degradação dos serviços de saúde materno-infantil, da insuficiência e degradação do sistema escolar, de abandono e insucesso escolar, do trabalho infantil, da promiscuidade habitacional, de violência, de maus tratos, de mendicidade, de abandono e de outras situações de risco.

No nosso país, existem ainda crianças mutiladas pelo trabalho, vítimas da prostituição juvenil, crianças da rua, não obstante as tentativas de ocultação e de silenciamento da realidade, são flagelos sociais que exigem adoção de medidas urgentes e de fundo no plano social.

Já em 2008, especialistas afirmavam que “a situação da infância em Portugal (…) carece de meios de diagnóstico que sejam adequados e eficazes. Não há nenhum espaço institucional de análise permanente e continuada sobre as crianças. Desde a extinção da Comissão Nacional para os Direitos da Criança que em Portugal não se realizam estudos sobre a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança”.

Passados estes anos e considerando o profundo agravamento das condições de vida dos trabalhadores e do Povo, esta exigência é ainda maior.

A pobreza infantil tem especificidades próprias quanto à sua caracterização e aos seus contornos materiais. Expressa-se em dimensões e indicadores que não se reportam a outras camadas etárias, tais como as taxas de abandono e insucesso escolar ou a prevalência de determinado tipo de vulnerabilidades (maus tratos, abusos e situações de exploração).

Sobretudo, a pobreza das crianças tem efeitos e implicações individuais e geracionais que são mais duramente repercussivos e continuados que noutras idades. Um dos traços que melhor caracteriza a pobreza infantil é, sobretudo, a associação entre a escassez de recursos que define a pobreza e a dependência que caracteriza a infância.

A pobreza infantil e a exiguidade dos dados disponíveis para o seu profundo conhecimento é revelador da insuficiente atenção no tratamento e acompanhamento que os diversos organismos, poderes e instituições públicas na análise das causas e respostas a este flagelo.
II

Em Portugal, as causas estruturais da pobreza têm sido profundamente agravadas com as opções políticas levadas a cabo nos últimos anos, especialmente nos últimos 4 anos de governação PSD/CDS que, com a política de direita e de terra queimada, cortaram salários, pensões e prestações sociais, e semearam desemprego e pobreza.

Segundo dados recentes, os principais fatores que afetam a pobreza infantil são a situação laboral dos pais, associada ao seu nível de educação, a composição do agregado no qual a criança vive e a eficácia da intervenção pública através dos apoios sociais e dos serviços públicos.

Dados do INE indicam que as pessoas que vivem em agregados familiares sem crianças dependentes estão menos expostas ao risco de pobreza do que as que se encontram em agregados com crianças dependentes. De facto, a taxa de risco de pobreza das famílias com crianças dependentes registou um aumento de 1.7% sendo de 22.2%.

A redução generalizada das prestações sociais, em especial daquelas com maior incidência nas famílias, como sejam o abono de família e o apoio da ação social escolar, mas também das prestações substitutivas de rendimentos de trabalho perdidos, como as prestações de desemprego, as atribuídas em situação de maior carência, como o rendimento social de inserção, estão a contribuir fortemente para um empobrecimento generalizado da população, e de forma particular das crianças.

O PCP defende que as crianças, independentemente do agregado familiar em que estão inseridas, devem ter garantida uma infância plena de direitos, com saúde, educação, habitação, em condições de igualdade, e sem que o acesso a estes direitos seja restringido às crianças e jovens com base em critérios economicistas, para um integral desenvolvimento das crianças e jovens, mas também para o pleno desenvolvimento social de todo um país – e neste âmbito o abono de família é um instrumento fundamental.

O PCP entende que cabe ao Estado garantir, às famílias, especial proteção e assistência necessárias ao desempenho no seu papel na comunidade, na formação e desenvolvimento das crianças.

Em Portugal, foi a Revolução de Abril de 1974 e a conquista de um sólido corpo de direitos económicos e sociais que abriu o caminho de construção e garantia dos direitos das crianças nas suas múltiplas dimensões.

Conforme consagrado na Constituição da República Portuguesa (Artigo 69.º), cabe ao Estado e à sociedade proteger as crianças “com vista ao seu desenvolvimento integral”, designadamente contra todas “as formas de abandono, de discriminação, e de opressão”.

As crianças e os jovens são o fundamento das prestações familiares. Ao Estado cabe garantir, respeitar e promover o exercício pleno dos seus direitos, com vista ao seu desenvolvimento integral e à efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais.
Para a efetivação dos direitos das crianças é necessário que se cumpra a legislação e se realize uma política de erradicação da pobreza e de uma mais justa distribuição da riqueza.

Neste sentido, para que se garanta a possibilidade de monitorização sistemática e de avaliação da situação da Infância no nosso país, e para que se criem condições mais favoráveis à promoção e à defesa dos direitos das crianças e à erradicação da pobreza, o PCP propõe a obrigatoriedade de elaboração e apresentação à Assembleia da República um Relatório Anual sobre os Direitos da Criança e a situação da Infância em Portugal; a realização de um estudo sobre o trabalho infantil; e a criação de um Programa Extraordinário de Combate à Pobreza Infantil.

Nos termos da alínea b) do artº 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b), do n.º 1 do artº 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, que:

1. Elabore, anualmente, e apresente à Assembleia da República, um Relatório sobre a situação da Infância em Portugal, com destaque para a análise dos indicadores de pobreza infantil;
2. Realize um Estudo sobre a realidade atual e as dimensões do trabalho infantil em Portugal, com vista à plena erradicação deste flagelo;
3. Crie um Programa Extraordinário de Combate à Pobreza Infantil, com vista a:

a) Desenvolver políticas integradas visando a garantia do bem-estar social da Criança;
b) Definir metas, instrumentos, dispositivos e ações específicas direcionadas para a inclusão social das crianças;
c) Intervir nos diversos planos em que se decide a inclusão social das crianças, como seja os contextos familiares, os espaços urbanos, a educação e a promoção da saúde, os espaços-tempos de lazer e no acesso à cultura e à informação;
d) Prevenir as diferentes formas de negligências e de maus-tratos enquanto fatores decisivos nos processos da exclusão social das crianças;
e) Elaborar planos de informação, planeamento, adoção de medidas específicas para a infância e controlo de execução e avaliação de programas de ação prioritária;
f) Perspetivar políticas redistributivas do rendimento e de desenvolvimento humano e social das crianças;
g) Identificar linhas de intervenção sobre as condições estruturais de que resulta a exclusão social e a pobreza das crianças;
h) Apoiar o acesso das crianças a creches, educação pré-escolar e escolaridade obrigatória em condições de qualidade e igualdade;
i) Assegurar às crianças melhores condições habitacionais, possibilidades de mobilidade, integração institucional e programação de atividades que lhes sejam destinadas.
4. Crie as condições, calendarizando as medidas a concretizar, para um amplo alargamento do abono de família.

Assembleia da República, em 1 de junho de 2016

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