A comemoração do 25 de Abril com a revisão constitucional é um insulto à Revolução dos Cravos. Este é mais um processo de desrespeito pelos valores da Constituição de Abril.
Em primeiro lugar pelo inaceitável processo desta revisão. Mais uma vez ela foi negociada à margem do Parlamento e da Comissão Eventual de Revisão Constitucional. Mais uma vez a CERC teve a função de tabelião dos acordos do PSD, PS e desta vez do CDS.
Desta vez algumas propostas entraram até poucas horas antes do debate em Plenário, num inaceitável desrespeito pelo Parlamento, pelos Deputados e pela própria Constituição.
O PS fez o papel o papel do costume. Foi o PS que desencadeou este processo de revisão constitucional. Foi o PS que afirmou e reafirmou a sua indisponibilidade para outras alterações recusando liminarmente outras alterações para além das três matérias sobre as quais inicialmente propôs alterações. Mas como de costume o PS acabou por ceder à direita e abrir caminho a mais alterações à Constituição.
Acabou por aceitar e subscrever convictamente aquela que é a alteração que vai marcar esta revisão constitucional: a matéria relativa ao futuro tratado europeu.
O que os contratantes do acordo constitucional fazem é introduzir uma inaceitável submissão constitucional ao direito comunitário. Trata-se de uma machadada na soberania nacional em vésperas da celebração do 30º Aniversário da Revolução que devolveu a soberania ao povo português. Esta é a questão central desta Revisão Constitucional e o ponto essencial que motiva o nosso voto contra.
PS, PSD e CDS aceitam a pretendida supremacia da dita Constituição Europeia mesmo sem o Tratado estar aprovado e o tão prometido referendo não se ter realizado.
Invocam a teoria de que sempre foi assim mas não explicam porque nunca o disseram ao povo português. Vital Moreira classificou aliás hoje mesmo esta alteração como uma cláusula da auto-derrogação.
A alteração aprovada constitui igualmente uma enorme hipocrisia designadamente face à questão do referendo.
PS, PSD e CDS dizem querer o referendo, mas aceitam desde já a dita “constituição europeia”.
PS, PSD e CDS dizem querer o referendo e salientaram até aqui, neste debate, a importância do acto de ratificação pelo Estado Português, mas rejeitaram a proposta do PCP que permite o referendo da vinculação do Estado a um tratado europeu.
PS, PSD e CDS querem manter uma norma constitucional que foi produzida para dificultar a realização de um referendo com eficácia, em que o sim, mas também o não condicionem as opções do Estado português.
PS, PSD e CDS aceitam já aqui a dita Constituição Europeia, independentemente do seu conteúdo e não querem um referendo, pelo menos um referendo em que o povo português possa efectivamente decidir e não apenas participar numa farsa referendária.
Há apesar disto alguns pontos positivos nesta revisão.
O mais importante é sem dúvida o aperfeiçoamento das regras das autonomias regionais. Empenhámo-nos desde o início neste aperfeiçoamento que mantém os traços fundamentais do modelo autonómico.
Foram acolhidas algumas das nossas propostas, como por exemplo:
- A criação do Representante da República e a sua nomeação pelo Presidente da República;
- A atribuição do poder de dissolução das Assembleias Legislativas Regionais ao Presidente da República
Foi também importante a clarificação das competências legislativas. Embora não sendo a solução por nós proposta (teríamos preferido por exemplo também manter as leis de valor reforçado reservadas aos órgãos de soberania), o resultado obtido é positivo.
Ficou por aprovar a equiparação do regime de incompatibilidades e impedimentos das Assembleias Legislativas Regionais ao da Assembleia da República, pondo fim à situação que continua a existir na Região Autónoma da Madeira.
Exige-se a revisão das leis eleitorais das Regiões Autónomas. Nos Açores para resolver a perversidade que pode resultar do actual regime eleitoral, para aumentar a proporcionalidade, respeitando a representação das ilhas.
Quanto ao que está proposto para a Madeira, estamos em desacordo com um aumento da proporcionalidade à custa da redução do número de Deputados e da representatividade plural e democrática.
Outro ponto positivo é a derrota do revanchismo da direita contra a constituição e as conquistas de Abril. Trata-se de revanchismo procurar eliminar o preâmbulo e inúmeras normas dos direitos dos trabalhadores e dos direitos socais. É a concepção de quem entende a Constituição como obstáculo à sua política (e ainda bem que o é).
A direita queria eliminar entre outras a referência à segurança no emprego, à intervenção democrática na vida das empresas, menorizar o direito à greve, desproteger os trabalhadores face aos empregadores, diminuir a universalidade de direitos sociais.
Segundo o dicionário o significado de revanchismo é:
- Desejo obstinado de vingança;
- Espírito de desforra de modo especial no campo político, após uma derrota
- Atitude agressiva provocada pelo desejo de desforra política.
Era exactamente isso que a direita queria com o seu projecto de revisão constitucional.
No 25 de Abril e na sua Constituição ganhou o povo português na conquista da liberdade e da democracia, mas também de direitos sociais e dos direitos dos trabalhadores.
É contra estes direitos que a direita quer a desforra.
Os patéticos cumprimentos e elogiou mútuos que se ouviram entre PS, PSD e CDS, os contratantes deste acordo de revisão, escondem uma alteração negativa, designadamente nas questões europeias.
Votamos contra a menorização da Constituição Portuguesa. Votamos contra a mutilação da soberania nacional.