Está aberto, pela mão do PSD, um novo processo de revisão constitucional. Apesar de estar cumprido o prazo constitucional, desde a última revisão ordinária, que permite que isso aconteça, a abertura deste processo não decorre de qualquer obrigação prevista na Constituição ou de um facto automático; decorre da iniciativa do PSD.
O PSD não abdica do objectivo que persegue, desde que a Constituição foi aprovada e apesar de a ter votado favoravelmente, que é o de destruir princípios básicos do texto fundamental, tentando legitimar a política neoliberal e de direita que tem imposto ou ajudado a impor aos portugueses. Essa é uma primeira razão que leva à abertura deste processo.
Mas na realidade o projecto de revisão constitucional serve também ao PSD para desviar atenções da dramática situação que o país vive, e mais do que isso, para camuflar as suas pesadas responsabilidades nessa situação, incluindo o seu apoio à política do Governo PS.
Pela nossa parte afirmamos que os problemas do país não se encontram na Constituição, mas sim nas políticas de direita sistematicamente aplicadas por sucessivos governos e também pelo actual. Não é devido à Constituição que o país enfrenta a grave crise económica e social em curso; se a Constituição fosse cumprida o país estaria em melhores condições de responder à crise económica, por exemplo com um sector empresarial do Estado com intervenção decisiva nas áreas estratégicas. Não é devido à Constituição que aumenta a desigualdade, a exploração e a pobreza na nossa sociedade; se a Constituição fosse cumprida não avançaria o corte sistemático nos salários e nas prestações sociais, empobrecendo os trabalhadores, enquanto a riqueza se concentra nas mãos de poucos. Não é devido à Constituição que o país enfrenta elevados défices estruturais e que vê definhar a produção nacional; se a Constituição fosse cumprida não seriam destruídos o aparelho produtivo e a produção nacional. Não é devido à Constituição que 700 mil portugueses estão desempregados, sem conseguir criar riqueza para si e para o seu país; se a Constituição fosse cumprida a prioridade à criação de emprego com direitos seria uma realidade. Não é devido à Constituição que a soberania nacional se vê amputada e condicionada; se a Constituição fosse cumprida Portugal pugnaria nas suas relações internacionais, incluindo na União Europeia, por uma política de cooperação visando o desenvolvimento e a paz.
Tudo isto acontece não devido à Constituição, mas devido ao seu incumprimento, por aqueles que juraram cumpri-la e fazê-la cumprir, através de políticas que frontalmente contrariam as suas normas e princípios.
O PSD diz que a Constituição se deve adequar à realidade. Ao contrário: é a realidade que deve ser mudada e adequada à Constituição!
Uma primeira análise do projecto de revisão do PSD permite perceber que os seus intentos estão muito para além das propostas mais publicitadas. E também permite verificar que, em muitas matérias, o que o PSD escreve no projecto, é o que o PS faz no Governo.
- Nos direitos dos trabalhadores o PSD pretende fragilizar drasticamente o direito à segurança no emprego, com a eliminação da proibição de despedimento sem justa causa. Mas propõe-se também eliminar direitos das organizações de trabalhadores, de participação no controle da gestão das empresas públicas, ou no processo de definição das políticas económicas. Mas a verdade é que o Governo PS é responsável pelo agravamento do Código do Trabalho, alargando as causas de despedimento, generalizando a precariedade, o trabalho temporário.
- Nas áreas sociais, o PSD propõe o fim do carácter tendencialmente gratuito da saúde, da progressiva gratuitidade de acesso aos graus mais elevados do ensino, procurando instituir uma liberdade de escolha que mais não é do que uma liberalização com designação mais suave. Avança ainda com a retirada do direito de participação de professores e alunos na gestão democrática das escolas, transforma a criação de rede pública de estabelecimentos de ensino, numa rede em que o Estado passa a suportar também os estabelecimentos privados. Mas a verdade é que o Governo PS aumentou as propinas e os custos com a educação em geral, mesmo na escolaridade obrigatória; transfere cada vez mais custos para a população na área da saúde, como acontece com as comparticipações dos medicamentos; canaliza cada vez mais verbas do orçamento de Estado para estabelecimentos privados de educação, de saúde e na área social, enquanto abdica de desenvolver as redes de serviços públicos, como acontece com a entrega de hospitais ao sector privado ou com a rede de cuidados continuados; que atacou frontalmente a participação dos professores e dos estudantes na gestão das escolas, retirando-lhe o seu carácter democrático.
- Na orientação da política externa o PSD avança com a tentativa de legitimação das guerras falsamente preventivas da Nato e do imperialismo norte-americano, abdica do objectivo do desarmamento e da dissolução dos blocos político militares. Mas a verdade é que o PS mantém contingentes militares nacionais em diversas dessas intervenções de agressão ilegítima e se prepara para receber a cimeira da NATO, que visa avançar ainda mais nesta política. Depois de Durão Barroso é agora José Sócrates que faz o papel de anfitrião da política de guerra e agressão militar.
- No capítulo da política económica o PSD pretende introduzir o primado neo-liberal do mercado, eliminando todas as referências ao desenvolvimento dos sectores produtivos e ao planeamento e querendo até eliminar a coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social na propriedade dos meios de produção, sem dúvida para legitimar a retirada do Estado de todos os sectores da economia, apesar de este ser até um dos limites de revisão constitucional. Mas a verdade é que o PS tem sido no Governo o campeão das privatizações e pretende privatizar ainda mais empresas públicas e participações, bem como vários sectores e serviços públicos; é o PS que está a aplicar as políticas neo-liberais que agora o PSD quer consagrar na Constituição.
Aberto o processo de revisão constitucional o PCP vinca desde já duas questões fundamentais.
A primeira é que, independentemente do processo de revisão constitucional, não deixaremos de pôr na primeira linha da nossa intervenção política e parlamentar a situação económica e social, avançando como temos vindo a fazer, com as propostas de política alternativa que demonstram que há alternativa ao caminho que PS e PSD querem para o país.
A segunda é que não deixaremos de dar combate a esta nova tentativa de descaracterização da Constituição de Abril, cientes das intenções da direita, mas também da historicamente verificada convergência do PS a esses propósitos. As propostas da direita podem ser derrotadas. Basta para isso que os deputados do PS as rejeitem. A responsabilidade sobre a aprovação ou não das propostas da direita está por isso inteiramente nas mãos do PS. Lutaremos pois contra qualquer intenção de tornar letra da Constituição as políticas que a contrariam e que são afinal a razão da crise e das injustiças do nosso país.
Apresentaremos assim o nosso próprio projecto de revisão constitucional, procurando aprofundar e recuperar os princípios fundamentais da Constituição, mas também reflectir novas preocupações e realidades, no sentido do progresso, do melhoramento do regime democrático, do desenvolvimento e da justiça social.