Camaradas e amigos,
Gostaria, em nome do PCP, de endereçar um agradecimento especial e uma fraternal saudação aos nossos convidados estrangeiros, representantes de Partidos comunistas e progressistas de vários países Europeus que aceitaram o nosso convite. Estamos certos que o seus contributos irão enriquecer muito a análise e reflexão feita ao longo desta tarde. Um agradecimento que estendemos aos oradores nacionais convidados, profundos conhecedores de matérias que vamos hoje tratar, e aos camaradas e amigos que hoje nos acompanham.
Quando no início deste ano projectámos esta iniciativa, o tema dos refugiados e a gravíssima crise humanitária às portas da Europa, afigurava-se como um assunto incontornável que carecia de aprofundamento na reflexão e denúncia. O êxodo de centenas de milhar de pessoas que fugindo da miséria, da perseguição e da guerra, arriscaram a sua vida procurando na abastada Europa, onde viram negados auxílio e refúgio, configura-se como uma evidência do aprofundamento da crise da UE, que veio confirmar a sua verdadeira face, impondo uma agenda xenófoba e racista.
Do criminoso acordo entre a União Europeia e a Turquia, abrindo o caminho à externalização das fronteiras da União, à militarização da resposta no mar Egeu; Da Frontex à Guarda Costeira e de Fronteiras Europeia; Dos autênticos campos de concentração em que se tornaram os centros de recepção à política de retorno; Do aumento do tráfico humano aos milhares de mortos no Mediterrâneo; De Dublin à política de migrações; dos muros da vergonha aos maus tratos a refugiados, a União Europeia é hoje uma referência sim, mas na violação de direitos humanos no seu próprio território.
Mas a realidade haveria de se impor, obrigando a alargar o âmbito desta iniciativa.
A deriva securitária da União Europeia prossegue em passo rápido. A chamada “crise dos refugiados” e o terrorismo, como aliás a realidade Francesa está a demonstrar, tem sido instrumentalizada para justificar essa deriva. Escondem as verdadeiras causas de ambos fenómenos: as políticas de desestabilização ingerência e agressão no Norte de África e no Médio Oriente, a promoção da guerra - lembremo-nos das invasões do Afeganistão, do Iraque ou da Líbia, os actuais conflitos na Síria ou no Iemen, a promoção e financiamento da radicalização e de regimes totalitários, o apoio às criminosas políticas de Israel de ocupação e terrorismo de Estado na Palestina, políticas que a UE perpetua, em articulação com a NATO e os EUA, como, aliás, a cimeira de Varsóvia demonstrou. Assumindo a sua ambição imperialista, a UE tem dado passos no sentido da militarização e da criação de forças militares europeias, do controle de fronteiras internas e externas, do reforço do conceito da Europa Fortaleza, alicerçado no que chamam de política de vizinhança e na Política Comum de Segurança e Defesa.
À gravíssima crise económica e financeira, que leva já quase uma década, a resposta da União Europeia impôs o caminho da austeridade, do aprofundamento da União Económica e Monetária e dos mecanismos da governação económica, o espartilho do Semestre Europeu e das recomendações específicas por país, o garrote e constrangimentos do Euro e da dívida.
Instrumentos que servem os interesses do capital e que cumprem os verdadeiros objectivos do projecto de integração capitalista: a concentração de poder económico e do poder político, submisso ao primeiro, concretizando o aprofundamento da sua natureza federal.
A chantagem e ameaça de sanções a que países como Portugal estão sujeitos são apenas mais uma das faces do ataque à soberania, do conjunto de mecanismos de imposição e de ingerência que visam condicionar e impedir os Estados de traduzirem na sua política económica e orçamental políticas que respondam aos anseios e aspirações dos povos. Pelo contrário, os constrangimentos impostos pelas políticas macroeconómicas da União Europeia, não só a impedem, como foram e são responsáveis pelo agravamento estrutural do deficit, da dívida, das assimetrias regionais e da capacidade de imprimir medidas económicas de desenvolvimento que sirvam os interesses e vontade dos povos.
É disso exemplo a situação da Banca em Portugal, mas também na Europa, condicionada aos ditames e supervisão impostos pela União Bancária, que serve o propósito de agilizar e acelerar processos de concentração de capital. A ausência de uma banca pública, ao serviço do povo e do país, bem como de instrumentos de soberania económica e monetária, impossibilitam a capacidade de imprimir políticas de desenvolvimento que respondam às necessidades do país.
Em Portugal, 30 anos de integração europeia, a par de 40 anos de governos e políticas de direita, impuseram a progressiva destruição do aparelho produtivo nacional. Os processos de privatizações de sectores estratégicos, a desindustrialização por concentração e deslocalização, a redução substantiva da capacidade de exploração e produção na agricultura e nas pescas, que vivem hoje momentos muito difíceis, ditaram o definhamento da capacidade produtiva nacional, com muito graves consequências para os trabalhadores e, em sentido único, em benefício dos interesses das grandes potências europeias. Os quatro anos do chamado memorando de entendimento a que estivemos sujeitos significou um enorme salto qualitativo na destruição económica e regressão social. Situação aliás que povos como o de Chipre - aqui representado pelo AKEL e a quem expressar a nossa solidariedade para com a luta pela reunificação do seu País, conhecem também bem.
A situação social na UE tem vindo a degradar-se. Assim o demonstram os dados mais recentes. Agravou-se a pobreza, 125 milhões em risco de pobreza ou de exclusão social, 20 milhões de desempregados, aumentaram as desigualdades, sendo cada vez maior a assimetria na distribuição da riqueza. Agravou-se a exploração do trabalho, com o ataque à contratação colectiva, promoveu-se a desregulação laboral e a precariedade, a desvalorização salarial, a desregulação do horário de trabalho, e atacou-se severamente os sistemas de protecção social. Generalizou-se a privatização da prestação de serviços e de funções sociais do estado. A saúde e a educação, são bons exemplos da elitização do acesso.
A União Europeia, como há 30 anos alertámos e a realidade tem vindo a confirmar, constitui-se como um projecto de integração capitalista contrário aos interesses dos trabalhadores, dos povos e dos Estados. A percepção deste sentimento está cada vez mais presente nas massas populares, ainda que, na complexa trama de desinformação e propaganda ideológica, possam não ter a compreensão objectiva e estruturada das razões para que assim seja.
Um profundo descontentamento, generalizado, que motiva e justifica os resultados do referendo no Reino Unido, que haveriam de ditar a expressão soberana de um povo de abandonar a União Europeia. Uma decisão de enorme relevância, porquanto demonstrou que o processo de integração capitalista não é uma inevitabilidade histórica. Pode e deve ser revertido e à saída não se confirma nenhum apocalipse.
Sabendo da manipulação, pressões e chantagens a que o povo britânico foi sujeito, rejeitamos que o voto de 17 milhões de cidadãos, seja reduzido a motivações racistas e xenófobas. Aliás, é uma contradição que os defensores da permanência utilizem este falso argumentário para contestar a legitimidade da decisão e abrir caminho a processos de reversão daquela decisão.
Temos bem presente camaradas, a instrumentalização feita por determinados sectores da extrema-direita. Mas não esquecemos, pelo contrário afirmamos, que são as próprias políticas da União Europeia, que nalgumas vertentes, como a crise humanitária dos refugiados, assumem elas próprias um carácter racista e xenófobo, a alimentar e promover o reaparecimento de forças de extrema-direita, fascistas, que se aproveitam destas contradições, para potenciar o sentimento de insegurança e espalhar o medo. O recrudescimento do fascismo, que se generaliza preocupantemente na Europa, desde a França, à Hungria, da Polónia à Alemanha, é acompanhado de uma profunda ofensiva ideológica, legislativa e persecutória contra os comunistas e sectores progressistas. Razões que estão na origem do processo de ilegalização do Partido Comunista Ucraniano, que queremos saudar de forma especial.
A profunda crise com que a União Europeia está confrontada, é hoje uma verdade que nenhuma força política contesta. A dimensão da crise assume proporções que há dois anos poucos antecipariam. Uma crise geral, na e da União Europeia, que está intrinsecamente ligado com a sua natureza de classe e da evolução do processo de integração capitalista. As oligarquias europeias ensaiam novos rearranjos de forças. Assim se compreende o papel que a Itália, mergulhada ela própria numa profunda crise económica, procura agora assumir, tentando ocupar o espaço vazio que o Reino Unido poderá deixar.
Perante este cenário, a direita e a social-democracia, ensaiam fugas em frente. O aprofundamento do federalismo, o aprofundamento dos mecanismos da governação económica e monetária, associada ao branqueamento das consequências destas políticas, com a tentativa de lavagens sociais do Semestre Europeu e outros instrumentos, nomeadamente através da iniciativa que está em curso como prioritária, o chamado “Pilar Europeu dos Direitos Sociais”. Um instrumento de nivelamento por baixo dos direitos dos trabalhadores, que ajudará a prosseguir as políticas neoliberais que querem aprofundar.
A iniciativa que agora arranca, co-organizada pela delegação do PCP no Parlamento Europeu e pelo GUE/NGL, ajudará a aprofundar a reflexão em torno das diversas vertentes que enformam a crise na e da UE.
E levar-nos-á a uma outra e necessária reflexão. A questão que está posta aos povos, e em particular às forças progressistas da Europa é como levar a cabo as rupturas necessárias que possam libertar povos e países inteiros de políticas, constrangimentos e imposições que estão na origem da profunda crise que se vive na Europa. Estamos determinados em salvar a Europa. Alcançar esse objectivo tem como condição indispensável derrotar a União Europeia e construir uma outra Europa. Uma Europa de solidariedade, de paz e de cooperação entre os Povos.