Exposição de motivos
A escola pública, gratuita e de qualidade para todos só pode existir com professores qualificados e valorizados, em número adequado e com condições de trabalho que assegurem o cumprimento da Lei de Bases do Sistema Educativo e da Constituição da República Portuguesa.
O PCP defende que é possível construir uma Escola Pública cada vez mais capacitada para o cumprimento do seu papel, cada vez mais adequada à realidade económica, social e cultural do país desde que exista uma política laboral deste setor voltada para o reconhecimento e valorização dos direitos dos professores.
Por isso mesmo, é urgente a romper com políticas promotoras de precariedade e desestabilização do corpo docente em todas as vertentes da sua vida profissional e familiar que tem sido protagonizada por sucessivos governos.
A falta de professores, educadores e técnicos especializados na Escola Pública tem vindo a ser sinalizada e vivida de uma forma particularmente preocupante em determinados grupos de recrutamento de docentes. Neste momento, face aos custos de vida, à permanente instabilidade e aos baixos salários, muitos destes trabalhadores acabam por não aceitar a colocação em horários incompletos de escolas que ficam longe das suas residências.
É de assinalar que, face a 2019 e de acordo com declarações do Ministério da Educação, foi registado até esta altura um aumento de 70% de recusas da parte de professores dos horários que lhes foram atribuídos nos concursos e que, à semelhança dos últimos anos, as regiões de Lisboa e Algarve são as mais afetadas pela escassez de docentes.
O problema coloca-se sobretudo nos horários incompletos que seriam preenchidos por professores contratados. Neste caso, o vencimento é proporcional às horas trabalhadas (na maior parte dos casos, horários entre as 6 e as 14 horas letivas), a contagem de tempo de serviço é prejudicada e o prazo de garantia para acesso a prestações sociais está a ser atacado porque o Ministério da Educação passou a considerar erradamente que se tratam de trabalhadores a tempo parcial, ao arrepio da definição legal que caracteriza a docência em horário incompleto. Por outro lado, o ingresso na carreira acontece, por norma, em idade tardia, o que também não contribui para a estabilização progressiva e sistemática da colocação docente.
Este é um problema para o qual contribuem múltiplos fatores, relacionados, designadamente, com formação inicial, acesso à profissão e valorização da carreira, num quadro de necessidade de criação de condições de atratividade para a profissão docente. Hoje em dia, é de enorme necessidade o rejuvenescimento desta profissão e a supressão das carências que serão geradas pela aposentação de milhares de professores e educadores a breve trecho.
Recorde-se que um estudo do Conselho Nacional de Educação apontava já para alguns dados preocupantes. É referido que “dos 89 925 docentes, do QA/QE e QZP, que em 1 de setembro de 2019 terão 45 anos ou mais, 51 983 (57,8%) poderão aposentar-se num prazo de 11 anos, ou seja até 2030. Na previsão anual de aposentações observa-se um crescimento progressivo de possíveis aposentações até 2028: 17 830, nos primeiros cinco anos, 24 343 nos cinco anos seguintes e 9810 entre 2029 e 2030. A previsão anual de aposentações por grupo de recrutamento evidencia a possibilidade de a maioria dos grupos considerados perder mais de 50% dos docentes no prazo de 11 anos.”
Há questões de fundo que apenas serão superadas por via da alteração do Regime de Seleção e Recrutamento do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário. No entanto, há medidas urgentes que podem e devem ser tomadas para combater a realidade que persiste de alunos sem professores a várias disciplinas. É necessário garantir que os professores que estão na Escola Pública não desistem da profissão e é urgente criar medidas que incentivem a resolução do problema que se vive agora.
Assim, o PCP propõe, entre outras medidas, o reforço do crédito horário de acordo com as necessidades sinalizadas pelas escolas, a possibilidade de as escolas completarem os horários incompletos e a atribuição de complemento de alojamento e deslocação.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei prevê a criação de um conjunto de medidas de combate à carência de professores, educadores e técnicos especializados nos estabelecimentos públicos de ensino e educação.
Artigo 2.º
Âmbito subjetivo
A presente lei aplica-se a todos os professores, educadores e técnicos especializados, com contrato a termo resolutivo, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de julho, na sua redação atual, que aprovou o novo regime de recrutamento e mobilidade pessoal docente do ensino básico e secundário e de formadores e técnicos especializados.
Artigo 3.º
Reforço do crédito horário
É autorizado o reforço do crédito horário, de acordo com as necessidades sinalizadas pelas escolas, de acordo com as suas reais necessidades, com vista entre outros, ao apoio educativo, à coadjuvação de aulas, a tutorias e a atividade a desenvolver no âmbito do EMAEI, a considerar na componente letiva.
Artigo 4.º
Preenchimento dos horários incompletos
As escolas podem, sem necessidade de autorização superior, completar todos os horários incompletos que não foram preenchidos, com a atribuição de atividade letiva, designadamente a prevista no artigo anterior.
Artigo 5.º
Fusão das horas decorrentes da aplicação do n.º 2 do artigo 79.º do Estatuto da Carreira Docente
- As escolas podem, sem necessidade de autorização superior, fundir num só horário, até ao limite das 25h semanais, os horários de 5 horas decorrentes da aplicação do n.º 2 do artigo 79.º do Estatuto da Carreira Docente.
- O previsto no presente artigo aplica-se aos horários correspondes à educação pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico.
Artigo 6.º
Limites mínimos para a vigência dos horários temporários
Os horários temporários passam a ser celebrados com uma vigência mínima de 3 meses ou 90 dias, sem necessidade de autorização superior para o efeito.
Artigo 7.º
Complemento de alojamento
A todos os docentes contratados e técnicos especializados cuja escola de provimento esteja localizada a uma distância igual ou superior a 50 km da residência habitual é atribuído um complemento mensal de alojamento, correspondente a 50% do encargo efetivamente pago pelo alojamento e comprovado por recibo ou, em alternativa, o disposto no artigo seguinte.
Artigo 8.º
Complemento de deslocação
A todos os docentes contratados e técnicos especializados cuja escola de provimento esteja localizada a uma distância igual ou superior a 50 km da residência habitual é atribuído um complemento de deslocação, efetuado com recurso ao reembolso, de acordo com o previsto na Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro:
- Do valor das passagens, no caso da utilização de transportes coletivos, ou
- Do valor do número de quilómetros percorridos, no caso da utilização de viatura própria.
Artigo 9.º
Entrada em vigor e produção de efeitos
- A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do Estado subsequente, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
- Compete ao Governo a criação de condições para que a presente lei produza efeitos em 2021, considerando a disponibilidade orçamental para o ano económico de 2021, incluindo a possibilidade de recurso a financiamento comunitário.