No âmbito da preparação das eleições para o Parlamento Europeu e perante o processo de transição energética ao serviço do grande capital que está em curso na UE, o Partido Comunista Português, o Partido Comunista de Espanha, o Partido Comunista Francês e o Partido do Trabalho da Bélgica, apresentam a visão que partilham sobre as questões da energia defendendo uma transição energética justa ao serviço dos povos e do planeta.
Análise
A energia é uma necessidade básica. Iluminação, cozinha, aquecimento e duches quentes não são luxos. A energia também é vital para a economia. Nos últimos dois anos, a importância estratégica do sector energético tornou-se dolorosamente evidente, influenciando as temperaturas das nossas casas, os custos de transporte e o acesso a bens essenciais como os alimentos.
Estamos com dificuldades devido às escolhas políticas feitas ao longo dos últimos vinte anos. Sucessivos governos entregaram a energia ao sector privado e às leis de mercado, tornando-nos totalmente dependentes de um punhado de multinacionais e das suas administrações. A crise energética mostra quão desastrosa foi esta decisão: os preços da energia dispararam enquanto as multinacionais do sector obtiveram lucros históricos. O modo de produção capitalista é incapaz de enfrentar os desafios das alterações climáticas e da crise ecológica mais alargada.
A acumulação de capital e os mecanismos de mercado, enraizados em axiomas neoliberais, têm promovido a exploração dos Povos, e agora estamos a sofrer as consequências da predacção da natureza. A capacidade do mercado para regular preços e lucros elevados no sector da electricidade provou ser falsa. Com os fracassos das suas políticas actuais a tornarem-se cada vez mais evidentes, a UE foi obrigada a arranjar à pressa uma solução, anunciando uma reforma do mercado da electricidade. Apesar disso, as propostas da UE persistem em colocar o “preço” como o principal factor que influencia os investimentos e, consequentemente, o planeamento a longo prazo do sector eléctrico, salvaguardando os lucros das principais empresas. Aspecto que não constitui surpresa tendo em conta que os fundamentos da própria UE e a forma como esta concebe as políticas assentam neste mesmo axioma neoliberal.
Síntese
Enraizados no neoliberalismo, os mecanismos de mercado prevalecentes servem como ferramentas de exploração, sujeitando tanto a natureza como o trabalho aos caprichos do capital, enquanto o custo de vida aumenta. As directivas europeias existentes delegam o planeamento e o controlo no “mercado livre”, gerando lucros exorbitantes para as grandes empresas e ineficiências claras. É inaceitável que um sector tão crítico dê prioridade aos lucros das empresas privadas em detrimento das necessidades dos povos.
A energia necessária para garantir o bem-estar dos povos deve ser acessível; a transição energética não pode resultar num aumento geral dos preços da energia, aumentando o preço do resto dos bens produzidos para que o capital mantenha os seus benefícios intactos enquanto a classe trabalhadora fica cada vez mais pobre.
A crise ecológica não pode ser usada como desculpa para castigar a classe trabalhadora. Vivemos num sistema de desperdício, onde os produtos são concebidos para serem descartáveis, mas a culpa é colocada nos indivíduos e não no próprio sistema. Um terço dos alimentos produzidos (e da energia utilizada para a sua produção) é desperdiçado e são concebidos produtos que incluem um fim de vida programado sem possibilidade de reparação. No entanto, dizem-nos que a fonte do aquecimento global é a nossa recusa em adaptar o nosso consumo de electricidade a horários variáveis dependendo do vento e do sol E ou de adquirir veículos híbridos, enquanto mais de 20% da população da UE corre o risco de pobreza ou exclusão social.
Propostas
Tendo em conta o impacto negativo dos elevados preços da energia sobre a classe trabalhadora e a necessidade urgente de enfrentar as crises energética e ecológica, a intervenção pública directa dos Estados torna-se fundamental. O nosso objectivo é que todo o sector energético, incluindo a propriedade, as operações e o planeamento, pertença ao povo facilitando uma transição energética justa e democrática baseada nas necessidades das pessoas e não nos interesses do capital.
1. Controlo Democrático e Soberania Popular
É preciso recuperar o controlo público do sector energético para o povo. A nossa ambição é uma sociedade capaz de exercer o controlo democrático sobre a economia. O debate em torno do sector energético deve passar de uma discussão tecnológica, cheia de conceitos técnicos complexos, para a propriedade pública dos activos e a soberania do Estado para decidir sobre o seu combinado de fontes de energia e como traduzir os custos da energia em preços de energia compatíveis com as necessidades dos Povos. O planeamento e o controlo público são essenciais: cada Estado deve poder decidir qual o seu combinado de fontes de energia.
2. Cooperação, Solidariedade e Internacionalismo
Reconhecendo a natureza global da luta contra a exploração capitalista, defendemos alianças baseadas na cooperação e não na concorrência. As directivas da UE sobre a liberalização do sector devem ser objecto de uma avaliação minuciosa para garantir que o sistema eléctrico serve adequadamente as necessidades da população e funciona com base no princípio da cooperação e não da concorrência. Além disso, é fundamental abordar as práticas neocoloniais das políticas da UE. Designadamente, a utilização dos recursos do Sul global deve depender do respeito pela soberania dos povos dessas regiões. Isto inclui ter presente o conceito de dívida climática, que reconhece a responsabilidade histórica dos países mais desenvolvidos pelas emissões desproporcionais de carbono que contribuíram para as alterações climáticas.
3. Uma Transição Energética Justa
Para combater a crise ecológica é imperativo assegurar que a definição da utilização dos recursos deve dar prioridade às necessidades das pessoas em detrimento da reprodução do capital. O reconhecimento da natureza finita dos combustíveis fósseis e das matérias-primas, bem como das emissões de dióxido de carbono emitidas na sua ext6ração, são fundamentais para enfrentar a emergência climática. Qualquer proposta de transição energética que ignore a insustentabilidade da anarquia do mercado capitalista, que depende fortemente do consumo destes recursos finitos, nega a realidade material que enfrentamos. A mera electrificação do consumo de energia, sem abordar os modelos subjacentes de consumo e produção, ou sem dar prioridade a soluções colectivas em detrimento das individuais, é insuficiente. Embora o aumento dos esforços e da cooperação em I&D seja crucial, devemos ir além do pressuposto de que tecnologias imaturas resolverão a crise energética.
Em conclusão, como partidos da classe trabalhadora, reconhecemos o papel da comunidade científica na denúncia da ameaça existencial das alterações climáticas. Cabe-nos mobilizar as massas e recuperar o controlo popular sobre a energia na busca de uma transição energética justa e democrática. Através da acção colectiva e da cooperação, podemos superar os interesses capitalistas e abrir caminho para um mundo mais equitativo e sustentável. Vamos unir forças para construir um futuro energético que dê prioridade aos povos e ao planeta em detrimento dos lucros.
Marc Botenga - Parti du Travail de Belgique (PTB) / Partij van de Arbeid van België (PVDA)
Sandra Pereira - Partido Comunista Português (PCP)
Valérie Gonçalvès - Parti Communiste Français (PCF)
Grupo de Energía y medio ambiente - Partido Comunista de España (PCE)