Intervenção de

Politica de Saúde

Interpelação ao Governo n.º 29/X sobre Politica de Saúde
 
 
Sr. Presidente
Srs. Deputados

Estes quatro anos de política de saúde do Governo PS não inverteram nem alteraram no fundamental a política de direita que vinha a ser seguida pelos governos anteriores. O Serviço Nacional de Saúde continua a degradar-se nos seus aspectos essenciais e as populações a ver o seu direito à saúde, constitucionalmente garantido, cada vez mais ameaçado.
Uma coisa é certa. No Ministério da Saúde houve uma mudança de estilo. O que não houve foi uma mudança de política. Melhor dito: a mudança de estilo serviu para disfarçar a manutenção da política.
A população sentiu bem o agravamento da situação na saúde. Entre 2003 e 2007 os gastos privados em saúde aumentaram 33%, de cerca de 3500 para 4600 milhões de euros. Ela corresponde já em 2007 a 2,8% do PIB e significa uma despesa média por família de cerca de 1200 euros por ano.

Uma parte significativa do aumento da despesa dos últimos anos deveu-se às medidas do Governo na área do medicamento. Ao contrário do que o Ministro Correia de Campos disse até sair do Governo, a despesa dos utentes com medicamentos aumentou de 671 para 766 milhões de euros entre 2005 e 2007.

O Governo decidiu poupar dinheiro à custa dos utentes em vez de o ir buscar aos lucros do sector do medicamento.
Em apenas três anos a despesa dos utentes aumentou 95 milhões de euros, o que significa um aumento de 14%.
Mas os portugueses sentiram também que a saúde ficou mais distante. Em primeiro lugar devido à gritante falta de profissionais de saúde, ou em consequência dos erros na formação, ou por não serem contratados para o SNS.
 
Um dos casos mais graves é o da falta de médicos de família. Como se pode verificar, uma parte fundamental dos médicos de família aproxima-se rapidamente da idade de aposentação o que terá consequências devastadoras nos cuidados de saúde primários e por arrastamento em todos os serviços de saúde.

Veja-se que em 2001 havia ainda 81% de médicos de família com menos de 50 anos.

Apenas seis anos depois, em 2007, essa percentagem era já de apenas 23%, sendo 77% os médicos de família com mais de 50 anos. A evolução é a previsível. E é previsível há muitos anos, perante a passividade e a irresponsabilidade de sucessivos governos, a que se junta o actual, cujas tímidas e tardias medidas não serão suficientes para inverter a situação. É por isso que há centenas de milhares de pessoas sem médico de família.
 
Nos enfermeiros a carência deriva apenas da política de restrição de trabalhadores na administração pública, que para além de ajudar ao desemprego, deixa os serviços de saúde em difíceis condições para dar resposta à população.
Considerando dados de produção da Administração Central dos Serviços de Saúde, podemos concluir que faltam nos hospitais portugueses, pelo menos 15 mil enfermeiros. Já nos centros de saúde e aplicando as regras da OMS, para que todos os portugueses tenham enfermeiro de família, serão precisos mais 5 mil enfermeiros. Faltam por isso no total 20 mil enfermeiros.
 
Os enfermeiros em falta em relação aos necessários são 35% em todo o SNS, 42% nos centros de saúde e 33% nos hospitais. E isto enquanto milhares de enfermeiros estão no desemprego e o Governo aposta na sua precariedade e na negação dos direitos mais elementares na sua carreira.

Outra das razões para a degradação do serviço às populações foi a política de concentração de serviços, com encerramentos baseados em razões economicistas e em falsos critérios técnicos, para favorecer a política da obsessão do défice. Assim aconteceu com inúmeras extensões de saúde, com serviços de atendimento permanente, com urgências hospitalares, com maternidades e blocos de partos.
Em muitos sítios o serviço público foi substituído pelo privado, que passou a ser a única solução para as populações.

Um caso particular foi o das maternidades. As públicas foram encerrando tendo como um dos critérios fundamentais a não realização de 1500 partos, poucas restando hoje abaixo desse valor. A justificação era a segurança das parturientes. Só que o governo não explicou porque estava a segurança em causa nas maternidades públicas e não nas privadas.
Em 2007, segundo a ERS, dos 25 centros de nascimento privados, apenas dois faziam mais de 1500 partos por ano e apenas seis faziam mais de um parto por dia. A taxa de cesarianas oscilava entre 43% e 100% consoante as unidades. Para além disso foram detectadas outras graves carências patentes no relatório da ERS. Nenhuma maternidade privada foi encerrada pelo Governo. E agora a ERS já moderou as exigências num segundo relatório, definindo apenas como essencial a realização de pelo menos três partos por semana, isto é 157 por ano, isto é, 10 vezes menos do que o Governo considerou necessário no sector público.

Este Governo aliás continuou a beneficiar o sector privado em vários aspectos.
Manteve o programa de parcerias público privadas, que impõe obrigações para o Estado durante mais de 30 anos. Aliás o PSD, autor originário desta política não está preocupado com estas concessões. Estas parcerias para hospitais são afinal rosa, mas também laranja.
O Governo desenvolve uma política do medicamento completamente refém dos interesses privados do sector. Já assinou um acordo com a APIFARMA e outro com a ANF, sempre introduzindo graves medidas que prejudicam o interesse público. Criou algumas farmácias hospitalares, mas para as privatizar, abdicando de um instrumento fundamental de que o Estado carece para desenvolver uma eficaz política do medicamento.
O Governo até define como prioritários investimentos privados que concorrem directamente com investimentos públicos projectados, como adiante demonstraremos.
 
 
Mas enquanto abundam as benesses para o privado, escasseiam os recursos para o serviço público. De 2005 até 2009 as transferências do Orçamento do Estado para o SNS, em percentagem do PIB, diminuíram de 5,1% para 4,8%, num claro desinvestimento nos serviços públicos de saúde. É por isso que se restringe a capacidade dos serviços, o atendimento aos utentes, o acesso a consultas, a cirurgias e a tratamentos.

Este enorme desinvestimento reflecte-se também no investimento público em saúde. Desde o início da legislatura o investimento público em saúde diminuiu cerca de 40%, de 100 milhões de euros para menos de 40 milhões. Se o PS não quiser comparar os seus orçamentos com o último orçamento do Governo PSD/CDS-PP, podemos então compará-lo com o último orçamento dos governos de António Guterres, o de 2002, em que este investimento era de quase 200 milhões de euros, cinco vezes mais do que é agora.

Mas se o orçamento do investimento público em saúde é de menos de 40 milhões de euros, o que o Estado paga, já em 2009, às parcerias público privadas é cerca de 140 milhões de euros, 3,5 vezes o que é atribuído ao investimento no SNS.
Este mandato fica também marcado pelo gravíssimo ataque aos profissionais da saúde, no quadro do ataque à administração pública, precarizando os seus vínculos, atacando as suas carreiras e degradando as suas condições de trabalho. Com este Governo generalizou-se o recurso ao trabalho temporário para fornecimento de mão-de-obra, pondo em causa a estabilidade dos serviços e até a segurança dos cuidados prestados.

A situação criada pelo Governo levou à saída de muitos médicos altamente diferenciados e preciosos para os serviços públicos. Esse era o objectivo do Governo. É que só assim os vários hospitais privados que entretanto floresceram puderam ter a possibilidade de contratar os profissionais de que necessitavam.
O Governo continua a não respeitar os enfermeiros, a quem quer impor uma carreira em que para se atingir o topo é preciso ter 45 anos de exercício profissional e a quem quer nivelar por baixo o salário em relação a outros técnicos superiores de saúde.

Finalmente o Governo falhou na tão propagandeada reforma dos cuidados primários de saúde. Apesar de princípios positivos, a criação de USF fez-se em muitos casos à custa de outras unidades de saúde a quem foram retirados profissionais, continua a não ter o objectivo da generalização a todos os utentes e continua a ter na lei a possibilidade da sua privatização.
A juntar a isto o processo dos agrupamentos de centros de saúde está marcado por uma concentração de decisão, ainda por cima sujeita a uma clara partidarização, e por uma tendencial ingeribilidade, como demonstra a generalizada confusão entre USF, Unidades Locais de Saúde, Agrupamentos, etc. etc..
Uma coisa é certa. Já não é possível esconder que esta reforma dos cuidados primários de saúde falhou e deixou por resolver os principais problemas.

A política deste Governo beneficia o sector privado e degrada o Serviço Nacional de Saúde. E sem Serviço Nacional de Saúde, sem a estabilidade dos seus profissionais, sem o seu financiamento adequado e o aumento do investimento, não se garante o direito à saúde das populações. Essa é a mudança que os portugueses exigem e que este Governo já provou não querer fazer.
Mas outra política é possível e é por essa que o PCP continuará a lutar!

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