Projecto de Resolução N.º 27/XIII/1.ª

Pela resolução urgente dos problemas do Hospital de S. João de Deus e em defesa da melhoria dos cuidados de saúde no concelho de Vila Nova de Famalicão

Pela resolução urgente dos problemas do Hospital de S. João de Deus e em defesa da melhoria dos cuidados de saúde no concelho de Vila Nova de Famalicão

Os sucessivos Governos e, com muita incidência o anterior – PSD/CDS, desenvolveram processos de fusão e concentração de unidades hospitalares por todo o país com base em critérios meramente economicistas que colocam em causa a qualidade dos serviços e a acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde. A coberto de uma pretensa utilização mais eficiente dos recursos disponíveis e de uma gestão integrada e racional da rede pública de unidades hospitalares, o real objetivo que norteou os sucessivos Governos foi a redução da despesa pública no setor da saúde. É, pois, neste pressuposto que é instituído o Centro Hospitalar do Médio Ave.

O Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE (CHMA) foi criado pelo Decreto-Lei n.º 50-A/2007, de 28 de fevereiro, e resulta da fusão de dois hospitais: Hospital Conde de São Bento, unidade de Santo Tirso e Hospital S. João de Deus, unidade de Vila Nova de Famalicão.

O CHMA tem uma área de influência de três concelhos: Trofa, Santo Tirso (ambos do distrito do Porto) e Vila Nova de Famalicão (distrito de Braga), tendo uma população residente, segundo os dados constantes no Relatório e Contas 2014, de “cerca de 243.000 habitantes” os quais estão distribuídos da seguinte forma” 70477 em Santo Tirso; 38642 Trofa e 133711 em Vila Nova de Famalicão”, conforme os Censos de 2011.

Em termos de lotação e, socorrendo-nos das informações constantes no Relatório e Contas de 2014, o CHMA tinha, aquando da sua constituição, “309 camas”, porém, essa capacidade tem “vindo a ser reduzida na sequência da concentração de serviços efetuada no âmbito de opções internas e em linha com as opções estratégicas do Ministério da Saúde [leia-se XIX Governo constitucional - PSD/CDS]” estando, presentemente, a capacidade cifrada em 281 camas, as quais estão distribuídas conforme o quadro abaixo

Fonte: Relatório e Contas 2014, página 9

O CHMA, de acordo com a informação do Relatório e Contas 2014, presta cuidados em termos de consultas externas nas especialidades de “Anestesiologia; Cardiologia; Cirurgia Geral; Medicina Interna; Obstetrícia; Ginecologia; Ortopedia; Pediatria; Medicina Física e de Reabilitação; Oftalmologia; Oncologia médica; Neurologia; Imuno-hemoterapia; Pneumologia; Otorrinolaringologia e Saúde Mental.” Presta, ainda, cuidados em especialidades não médicas “Psicologia Clínica e Dietética/Nutrição”.
O CHMA tem também serviço de urgência, o qual existe em ambas as unidades de saúde que compõem o centro hospitalar. Porém, na unidade de Santo Tirso existe um serviço de urgência básica e na unidade de Vila Nova de Famalicão é um serviço de urgência médico-cirúrgico.

Para além dos serviços acima mencionados, o CHMA dispõe de um “bloco de partos e de serviço de neonatologia” a que acresce a “assistência clínica em hospital de dia” que se traduz por prestação de cuidados de saúde ao nível da “quimioterapia e psiquiatria em ambas as unidades hospitalares e imuno-hemoterapia e pediatria na Unidade de Famalicão”

O CHMA disponibiliza, igualmente, os seguintes serviços em termos de meios complementares de diagnóstico e terapêutica “patologia clínica; imagiologia; imuno-hemoterapia; medicina física e de reabilitação; cardiologia; oftalmologia; ORL; ginecologia/obstetrícia; neurologia e gastrenterologia”.

Em 2014, e reportando-nos de novo ao Relatório e Contas, Centro Hospitalar do Médio Ave dispunha de 209 médicos; 347 enfermeiros; 31 técnicos superiores; 76 técnicos de diagnóstico e terapêutica; 112 assistentes técnicos e 261 assistentes operacionais. Com exceção do grupo profissionais médicos todos os outros grupos profissionais diminuíram no número de trabalhadores, sendo no grupo dos enfermeiros que a redução teve maior significado, ou seja, em 2013 havia 380 enfermeiros e em 2014 347, conforme pode ser verificado no quadro abaixo.

Fonte: Relatório e Contas 2014, página 42

Os dados de 2014 estão já desatualizados, conforme a informação prestada pelo Conselho de Administração ao PCP. Assim, segundo os dados fornecidos a situação dos recursos humanos no CHMA é “crítica”, tendo havido a saída recente de vários profissionais de saúde, nomeadamente de médicos, por aposentação, rescisão do contrato a que se soma o registo de vários pedidos de mobilidade de outros profissionais. Recentemente saíram dois dos quatro cardiologistas existentes ficando a equipa reduzida a dois elementos, três anestesistas e um pneumologista. Tendo em conta a elevada carência enfermeiros, a direção do hospital solicitou a autorização da abertura de procedimento concursal mas o mesmo mereceu um parecer negativo da tutela. Nas restantes carreiras da saúde e carreiras gerais há também uma grande carência de profissionais, registando-se, inclusivamente, dificuldades na mera substituição dos profissionais que se aposentam.

A redução do número de profissionais e a elevada obsolescência dos equipamentos, como é afirmado no Relatório do Governo Societário de 2014 foram responsáveis pela “diminuição da atividade cirúrgica programada”. O referido documento diz que “a diminuição de efetivos médicos nas especialidades de cirurgia geral, obstetrícia e ortopedia por motivos de aposentação de clínicos que não foram substituídos”, assim como os “problemas no bloco operatório que implicaram a desmarcação de um número significativo de cirurgias.” Sendo acrescentado que “os equipamentos existentes nos blocos operatórios quer de Santo Tirso, quer de Famalicão têm já vários anos de funcionamento, havendo muitas dificuldades na aquisição de peças que vão avariando, o que prejudica os tempos de resposta às avarias identificadas.”

O Conselho de Administração admitiu que a saída de profissionais, mormente de médicos, e o aumento no número de pedidos de mobilidade efetuados pelos profissionais de saúde (sobretudo enfermeiros) deve-se em grande parte ao período de incerteza e instabilidade que o CHMA está a vivenciar desde o anúncio da “devolução” da unidade de Santo Tirso à Misericórdia a que se junta toda a política e medidas tomadas pelo anterior Governo de desvalorização social e profissional e dos cortes nos salários impostos aos trabalhadores da administração pública.

Esta situação refletiu-se muito negativamente na capacidade de prestação de cuidados de saúde pelo CHMA. Assim, durante o ano de 2014, registou uma quebra significativa em várias especialidades no número de primeiras consultas realizadas, como por exemplo anestesiologia; cardiologia; cirurgia geral; ginecologia; imuno-hemoterapia; medicina física e reabilitação; medicina interna; oncologia médica. Esta informação está detalhada no quadro abaixo:

Especialidade Nº 1ªs consultas 2014 Nº 1ªs consultas 2013 Variação 2013-2014 % Total de Consultas 2014 Total de Consultas 2013 Variação 2013-2014 %
Anestesiologia
2.176 2.341 -7,05 2.489 2.617 -4,89
Cardiologia 1.138 1.821 -37,51 7.523 8.150 -7,69
Cirurgia Geral 9.251 10.582 -12,58 21.251 23.911 -11,12
Dor 123 115 6,96 481 444 8,33
Ginecologia 4.585 4.789 -4,26 13.711 13.404 2,29
Imuno-hemoterapia 2.278 2.453 -7,13 24.288 24.835 -2,20
Medicina Física e Reabilitação 1.908 2.086 -8,53 5.076 5.308 -4,37
Medicina Interna 2.576 2.877 -10,46 14.541 14.820 -1,88
Neurologia 738 797 -7,40 2.799 2.528 10,72
Obstetrícia 2.508 2.187 14,68 5.451 4.905 11,13
Oftalmologia 4.866 2.883 68,78 8.446 6.668 26,66
Oncologia Médica 625 689 -9,29 5.445 5.234 4,03
Ortopedia 7.449 7.499 -0,67 19.133 19.865 -3,68
Otorrinolaringologia 3.427 3.754 -8,71 8.248 9.765 -15,54
Pediatria 2.464 2.444 0,82 11.083 10.850 2,15
Pneumologia 890 849 4,83 3.297 3.382 -2,51
Psiquiatria 1.379 1.361 1,32 12.811 12.508 2,42
Psiquiatria da Infância e Adolescência 197 211 -6,64 1.631 1.674 -2,57
Consultas a pessoal (Medicina do Trabalho) 221 349 -36,68 335 717 -53,28
Outras 76 402
Total de Consultas Médicas 48.875 50.087 -2,42 168.441 171.585 -1,83
Psicologia 632 617 2,43 3.404 3.526 -3,46
Apoio Nutricional e Dietética 750 583 28,64 2.730 2.181 25,17
Outras consultas por pessoal não médico 1.269 1.521 -16,57 3.275 9.280 -64,71
Total de Consultas não Médicas 2.651 2.721 -2,57 9.409 14.987 -37,22
Total de Consultas 51.526 52.808 -2,43 177.850 186.572 -4,67
Fonte: Relatório anual sobre o acesso a cuidados de saúde 2014, página15

No que respeita à atividade cirúrgica programada diz respeito, os dados do relatório de acesso a cuidados de saúde de 2014 confirmam a diminuição desta atividade comparativamente com o ano de 2013. Assim, na especialidade de cirurgia geral realizaram-se menos 22,63% cirurgias em 2014 do que em 2013, ou seja, em 2013 realizaram-se 4119 cirurgias enquanto em 2014 apenas se fizeram 3187 cirurgias. Na especialidade de oftalmologia fizeram-se menos 33,51% de cirurgias em 2014 em comparação com 2013, assim como menos 11,95% cirurgias de ginecologia.

O Governo anterior na senda da dita reforma hospitalar em Abril de 2014 publicou a Portaria nº 82/2014,de 10 de abril que procedeu à classificação dos hospitais em quatro grupos. Na prática o que esta Portaria impõe é a desclassificação e desqualificação da esmagadora maioria dos hospitais, através da redução de serviços, de valências e especialidades e de profissionais de saúde, conduzindo ao despedimento de milhares de trabalhadores.
A ser concretizada, a aplicação da Portaria nº82/2014, de 10 de abril e a perda da área de influência decorrente da entrega da unidade de Santo Tirso à Misericórdia significaria a destruição de uma parte importante dos serviços do Hospital São João de Deus, em Vila Nova de Famalicão
Como acima foi mencionado, o XIX Governo Constitucional (PSD/CDS) através do Decreto-Lei nº 138/2013, de 9 de outubro, que “estabelece o regime de devolução dos hospitais das misericórdias (…) que foram integrados em 1974 no setor público e que atualmente estão geridos por estabelecimentos ou serviços do Serviço Nacional de Saúde” deu um passo gigantesco na materialização do desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e, no caso em apreço do Centro Hospitalar do Médio Ave. Desmantelamento que está a criar instabilidade, incerteza nos profissionais e nos utentes quanto ao futuro de ambas as unidades de saúde que compõem o centro hospitalar e à prestação de cuidados de saúde.

Entende o PCP que, na prática, o processo de devolução dos hospitais para as misericórdias constituiu um processo de privatização encapotado, na medida em que deixam de ser geridos por uma entidade exclusivamente pública, para serem geridos por entidades privadas, pese embora, sejam de solidariedade social.
No nosso entendimento só a gestão pública dos hospitais integrados no SNS cumpre os princípios constitucionais, nomeadamente, a universalidade e a qualidade dos cuidados de saúde, independentemente das condições sociais e económicas dos utentes. Neste sentido o PCP defende que estes hospitais se mantenham sob gestão pública, integrados no SNS, para assegurar o direito à saúde para todos os utentes.
O PCP defende também a revogação da Portaria nº 82/2014, de 10 de abril, e pugna pelo reforço das valências e serviços disponibilizados, contratação dos profissionais de saúde em falta, a garantia das condições materiais adequadas a uma resposta de qualidade para todos, assim como exige a concretização de investimentos em equipamentos e instalações do Hospital São João de Deus em Vila Nova de Famalicão.
Assim, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:

Resolução

A Assembleia da República nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, considera urgente a adoção das seguintes medidas:

1. Reforço dos serviços e valências adequados às necessidades da população abrangida pelo Centro Hospitalar Médio Ave;

2. Dotação do Centro Hospitalar do Médio Ave com os meios financeiros e técnicos adequados ao cumprimento das suas missões;

3. Concretização das obras de remodelação do Hospital São João de Deus, Vila Nova de Famalicão;

4. Contratação dos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde, técnicos de diagnóstico e terapêutica, assistentes operacionais e técnicos) em falta;
5. Eliminação da precariedade e restabelecimento do vínculo público a todos os profissionais de saúde que estão a exercer funções no Hospital de S. João de Deus;

6. Reposição das camas que foram suprimidas e que são necessárias para a prestação de cuidados de saúde de qualidade e com dignidade.

Assembleia da República, em 26 de novembro de 2015

  • Saúde
  • Enfermeiros
  • Hospital de S. João de Deus