Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República, Debate de urgência sobre saúde

Política de saúde

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:

Sob pretexto da crise e da necessidade de redução de custos nos serviços públicos, o Governo do Partido Socialista e o PSD, de mãos dadas, dão mais uma machadada no Serviço Nacional de Saúde.
Membros do Governo não se cansam de afirmar a defesa do Serviço Nacional de Saúde, mas não basta dizê-lo muitas vezes para corresponder à realidade. Na verdade, o Governo aprofunda uma estratégia política de destruição do Serviço Nacional de Saúde, consubstanciada no desinvestimento público, no encerramento de serviços públicos de saúde, na carência de profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde de diversas especialidades, administrativos e auxiliares e na privatização.

Sob o desígnio da reestruturação da rede de urgências ou da reorganização dos cuidados de saúde primários, o actual Governo mantém uma orientação política de encerramento de serviços públicos de saúde, por motivos unicamente economicistas.

Só nesta Legislatura o Governo já encerrou os serviços de atendimento permanente em Valença, em Vale de Cambra, em Santa Comba Dão; está previsto o encerramento, a partir de 1 de Julho, do serviço de atendimento permanente (SAP) na Póvoa de Lanhoso, redução do horário do SAP de Terras de Bouro e há o risco de fechar também em Armamar, em Tábua e em Oliveira do Hospital, deixando as populações com maiores dificuldades no acesso aos cuidados de saúde. Muitas destas localidades encontram-se isoladas e com poucas acessibilidades.

A recente intenção do Governo em encerrar as urgências pediátricas do Centro Hospitalar de Setúbal e do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo durante o Verão, no período nocturno, obrigaria as crianças e suas famílias a deslocarem-se dezenas de quilómetros para lhes ser prestada assistência médica urgente no Hospital Garcia de Horta — um hospital sobrelotado e com dificuldades em responder à população que abrange dos concelhos de Almada, Seixal e Sesimbra.

A concretizar-se esta medida, seriam prejudicadas as crianças da península de Setúbal e dos concelhos do litoral alentejano. No entanto, o Governo foi obrigado a recuar na sua pretensão face à contestação das populações e dos profissionais de saúde. Afinal, foi possível encontrar uma solução e comprovou-se que o encerramento destes serviços não era uma inevitabilidade.

Agora, o Governo «lava as mãos», como se não tivesse responsabilidades, atribuindo-as a terceiros.

O objectivo de encerrar as urgências pediátricas era o resultado das medidas do Governo para reduzir os custos com a saúde, como a redução em 5% das horas extraordinárias nos hospitais públicos ou a restrição na contratação de profissionais de saúde onde a sua carência é uma evidência. Estas medidas configuram cortes cegos nos serviços de saúde, sem ter sido feita uma avaliação das especificidades e das necessidades de cada serviço ou sem ter em consideração as necessidades de prestação de cuidados de saúde às populações. Mais uma vez, confirma-se que o PCP tinha razão: a aplicação destas medidas irá reduzir e limitar o Serviço Nacional de Saúde.

Já foi ultrapassado o prazo dado aos hospitais públicos para apresentarem os planos de redução de despesa. Importa saber quais os seus impactos concretos, hospital a hospital, serviço a serviço, e o que significam na qualidade dos cuidados de saúde prestados às populações.

A obsessão de redução de custos na saúde também atingiu o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). Para cumprir este objectivo, o INEM prepara um plano de redução de meios de socorro, sem critérios e sem avaliação da resposta necessária, que consiste na desactivação de dois helicópteros e de ambulâncias de suporte básico de vida (SBV) e de suporte imediato de vida (SIV), no encerramento de serviços de apoio psicológico prestado a familiares vítimas de acidentes e na não renovação dos contratos dos médicos do Uruguai. Já foi desactivada uma viatura médica de emergência e reanimação em Faro e duas ambulâncias SIV no Alentejo.

A confirmar-se este plano, terá consequências gravosas na prestação de meios de socorro às populações.

Há muito que o INEM tem vindo a assegurar os meios de socorro de forma muito precária, com recurso a horas extraordinárias, onde os profissionais por vezes trabalham muitas horas seguidas, sem o descanso obrigatório, devido à carência de pessoal.

Mas muitas são as situações por resolver e integrar na carreira com vínculo público, de falta de condições de trabalho, de instabilidade e precariedade, nomeadamente em relação aos enfermeiros, que estão hoje em luta pelos seus direitos e que o PCP saúda.

Devido à política de desvalorização dos profissionais da saúde, mais recentemente a imposição de uma carreira aos enfermeiros sem responder às suas justas reivindicações, o agravamento das penalizações na reforma, que levou mais de 600 médicos a pedirem a reforma, dos quais mais de 400 são médicos de família, e a falta de condições de trabalho, levou ao abandono de muitos profissionais dos serviços públicos para o sector privado. O número de utentes sem médico de família aumenta todos os dias e o Governo não toma medidas eficazes que resolvam o problema da falta de profissionais da saúde.

Os meios humanos são um elemento essencial para garantir o futuro do Serviço Nacional de Saúde.

Ao mesmo tempo que o Governo impõe restrições no Serviço Nacional de Saúde, continua a transferir verbas directamente do Orçamento do Estado para os hospitais privados de grandes grupos económicos, ao abrigo da ADSE. É este o sentido de defesa do Serviço Nacional de Saúde do Governo: corta nos serviços públicos e mantém o financiamento dos privados.

As opções do Governo do Partido Socialista e do PSD são claras: atacar o direito à saúde, atacar as funções sociais do Estado e abrir caminho ao privado para lucrar com a saúde.

A saúde não é uma benesse das populações mas, sim, um direito de todos os portugueses.

O PCP continuará a defender o cumprimento deste direito constitucional e que seja garantido a todos os portugueses o acesso aos cuidados de saúde de qualidade.

(…)

Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde,

Referiu que as medidas que vão ser tomadas, neste plano de austeridade, de redução de despesa nos hospitais, não são cortes cegos, vão ser avaliadas e a sua aplicação vai ser tida em conta em cada um dos hospitais. Então, diga-nos, Sr.ª Ministra, o que seria o encerramento das urgências pediátricas no hospital de Setúbal e no hospital do Barreiro.

Não seria um corte cego?! Não é um exemplo concreto disso mesmo a redução das horas extraordinárias nos serviços de urgência, que, como bem disse a Sr.ª Ministra, iriam afectar, principalmente, este mesmo serviço?! Desde Abril que se conhece a situação de dificuldade que existe ao nível das urgências pediátricas nestes hospitais e a verdade é que o Governo deixou correr toda a situação, não tomou medidas, para se chegar ao estado de ruptura que se verificou no mês de Junho, levando o Governo à decisão de encerrar. Depois, veio dizer que, afinal de contas, há uma solução, e ainda bem que recuou, mas recuou exactamente pela luta das populações, que se manifestaram contra esta medida, a qual iria significar, de facto, uma degradação do acesso aos cuidados de saúde das crianças do distrito de Setúbal.

A Sr.ª Ministra referiu também, na sua intervenção, os grandes investimentos, as melhorias no Serviço Nacional de Saúde, mas, Sr.ª Ministra, temo-nos confrontado com o encerramento de serviços. A verdade é esta: há serviços de atendimento permanente em todo o País que estão a ser encerrados. Qual é a melhoria que estes encerramentos vão significar para as populações? Não terão piores consequências e não significarão mais dificuldades no acesso aos cuidados de saúde das populações?

Terão, certamente! Muitas destas localidades estão em distritos do interior, muitas destas populações estão em localidades isoladas e não têm, sequer, transportes públicos para se
poderem dirigir à unidade de saúde mais próxima.

A Sr.ª Ministra disse também, na sua intervenção, e ainda bem que o disse, que não houve acordo na negociação com os enfermeiros, porque, de um conjunto de notícias na comunicação social, até parecia que estava a tentar transmitir-se a ideia de acordo na negociação das carreiras. Mas ficou claro que não houve acordo e que a posição do Governo, em relação a este grupo profissional, vai no sentido de impor uma carreira que não responde às justas reivindicações dos enfermeiros.

E é importante referir que, hoje, os enfermeiros estão em luta, exactamente por uma carreira digna, por uma carreira com direitos, por uma retribuição salarial adequada, em face do seu desempenho no Serviço Nacional de Saúde. Era importante que o Governo valorizasse os profissionais de saúde, e era importante, como bem refere, para a garantia do Serviço Nacional de Saúde e para que os profissionais estivessem motivados — os enfermeiros, os médicos, todos os profissionais que são essenciais para a garantia desse mesmo Serviço Nacional de Saúde. Não tem sido esta a opção do Governo, a opção tem sido a de retirar direitos e criar mais dificuldades. E assistimos a quê? A um conjunto de profissionais a abandonarem o Serviço Nacional de Saúde e a optarem pelo serviço privado, nomeadamente nos grandes grupos económicos que detêm os hospitais privados.

Sr.ª Ministra, em relação ao Instituto Nacional de Emergência Médica, nada foi referido. Voltamos a colocar as questões relativas ao INEM: vai ou não haver redução dos meios de socorro do INEM e esta redução vai ou não afectar as nossas populações? Temos conhecimento de que, para uma ambulância de suporte imediato de vida, em Moura, poder ser assegurada, há um enfermeiro que se vai deslocar, hoje, da delegação do Norte e percorrer mais de 900 km para realizar um turno de 24 horas, de modo a que a ambulância possa estar em funcionamento. Isto passa-se hoje, Sr.ª Ministra! Como é possível assegurar o funcionamento dos meios de socorro com situações de precariedade nos trabalhadores do INEM, com situações de instabilidade? Quando e como se vai resolver o problema dos contratos dos enfermeiros, e são cerca de 6000, que terminam em 31 de Julho de 2010? Vão estes enfermeiros ser integrados numa carreira com vínculo público ou a política de destruição do Serviço Nacional de Saúde vai continuar, não se valorizando os profissionais de saúde, o que terá, naturalmente, consequências cada vez mais gravosas e irá criar cada vez mais dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, por parte da nossa população?!

Trata-se de um direito constitucional, de um direito que deve ser assegurado pelo Estado. E, Sr.ª Ministra, em tempo de dificuldades, a garantia da saúde e dos serviços sociais é um elemento central para a qualidade de vida dos portugueses.

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