Projecto de Lei N.º 58/XVI/1.ª

Valorização profissional e remuneratória dos enfermeiros no SNS

Exposição de motivos

A política que tem sido anunciada pelo Governo em matéria de saúde confirma a sua orientação no sentido de não resolver os principais problemas do Serviço Nacional de Saúde (SNS), revelando um grave caminho de transferência de cuidados e meios para os grupos privados à revelia da Lei de Bases da Saúde aprovada em 2019, com o contributo determinante do PCP, designadamente em matérias da primazia dos serviços públicos de saúde.

A desvalorização dos trabalhadores da saúde, nomeadamente dos enfermeiros, das suas carreiras, das condições de trabalho, da falta de perspetivas de progressão e desenvolvimento profissional tem constituído um fator de desmobilização e abandono do SNS, traduzindo-se em dificuldades na contratação e fixação destes profissionais, situação que urge dar resposta e inverter.

Para garantir os cuidados de saúde a tempo e horas e no Serviço Nacional de Saúde, é preciso assegurar a contratação e a fixação de enfermeiros no SNS.

A opção do anterior Governo por incluir no Estatuto do SNS, um indefinido regime de dedicação plena que se traduz na manutenção da acumulação de funções com o sector privado, não responde de forma alguma aos problemas que estão colocados aos enfermeiros, apenas contribuindo para o mal-estar entre profissionais e equipas.

A implementação de um regime de dedicação exclusiva, opcional, é fundamental para atrair enfermeiros para o SNS, e valorizar o desempenho de funções em exclusivo no serviço público.

A aplicação do consagrado no Decreto-Lei n.º 80-B/2022, decorrente da luta e reivindicação dos enfermeiros para a justa contabilização de pontos para efeitos de progressão, manteve um conjunto de injustiças, desde logo a recusa do pagamento dos devidos retroativos à data do direito à progressão de muitos milhares de enfermeiros. A pressão das estruturas representativas dos enfermeiros tem resultado em posteriores orientações às instituições, algumas no sentido mais favorável aos trabalhadores, mas mantêm-se obstáculos e tentativas de eliminação de tempo trabalhado.

Por outro lado, o processo de avaliação de desempenho tem constituído mais um fator de tensão nos serviços, de desmotivação e de frustração face aos problemas e entraves à progressão que acarreta. É fundamental a negociação com as estruturas representativas dos enfermeiros de um sistema de avaliação específico e promotor do desenvolvimento profissional.

A publicação do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de maio, que “altera o regime da carreira especial de enfermagem, bem como o regime da carreira de enfermagem nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde”, decorrente da rutura unilateral das negociações pelo Governo, fica muito aquém da necessária valorização dos enfermeiros. É fundamental a negociação da revisão da carreira de enfermagem e a eliminação de constrangimentos originados durante o processo de transição, nomeadamente a criação de posições remuneratórias automaticamente criadas por falta de identidade resultante do somatório da remuneração base mensal a que na altura o trabalhador tinha direito e do suplemento remuneratório de função, consoante o caso, de enfermeiro especialista e de chefia, respetivamente, de € 150 e de € 200.

A negociação com as estruturas representativas dos trabalhadores é também importante para a valorização da grelha salarial, a inclusão de medidas de compensação do risco e penosidade da profissão, a definição de condições mais favoráveis para aposentação e o aumento dos tempos de descanso, determinante para o reconhecimento do trabalho dos enfermeiros, para a compatibilização do seu trabalho com a vida pessoal e para o acesso e qualidade e aos cuidados de saúde a que a população tem direito.

Neste sentido, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece instrumentos para a valorização profissional e remuneratória dos enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde.

Artigo 2.º

Contagem de pontos para efeitos de descongelamento das carreiras de enfermagem

  1. As valorizações remuneratórias resultantes da contabilização de pontos no processo de descongelamento da carreira produzem efeitos a partir de 1 de janeiro de 2018, sendo reconhecidos todos os direitos que o trabalhador detenha, nos termos das regras próprias da sua carreira, que retoma o seu desenvolvimento.
  2. Para efeitos de contabilização de pontos na sucessão de empregadores públicos, mesmo com alteração de vínculo jurídico, e nos anos de exercício com contratos de trabalho a termo resolutivo só serão consideradas interrupções as que tenham superado os 60 dias.
  3. São contabilizados pontos no ano de início de funções, independentemente da data desse início.
  4. Os enfermeiros que tenham sido alvo de alteração do posicionamento remuneratório mantêm os pontos detidos no momento do reposicionamento, assim como as correspondentes menções qualitativas de avaliação do desempenho, que relevam para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório.

Artigo 3.º

Regime especial de avaliação de desempenho

  1. São atribuídos 4 pontos relativos ao biénio de avaliação 2019/2020.
  2. Se tiverem sido atribuídos 6 pontos no biénio referido no ponto anterior são esses que relevam.
  3. Até negociação com as estruturas de representação dos trabalhadores de sistema de avaliação de desempenho específico à carreira de enfermagem e sempre que a mesma não seja implementada por motivos alheios ao trabalhador, são atribuídos três pontos por ano, correspondentes a uma menção qualitativa máxima prevista no SIADAP.

Artigo 4.º

Negociação da carreira de enfermagem com os sindicatos

  1. No prazo de 30 dias a contar da data de publicação da presente Lei o Governo inicia negociações com as estruturas representativas dos trabalhadores, com vista à revisão da carreira de enfermagem.
  2. A criação de um regime laboral e de valorização, proteção social e aposentação específico sem penalização para os enfermeiros, tendo em conta o elevado grau de complexidade, risco e/ou penosidade da sua profissão, independentemente da modalidade contratual;
  3. No processo de transição, para efeitos de reposicionamento em caso de falta de identidade, os trabalhadores são reposicionados em posição remuneratória imediatamente superior.

Artigo 5.º

Entrada em vigor e produção de efeitos

  1. A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do Estado subsequente, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
  2. A produção de efeitos financeiros da presente lei no ano económico de 2024 é determinada pelo Governo tendo em conta as disponibilidades financeiras constantes do Orçamento do Estado em vigor.
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