Intervenção de

Petição nº 58/VIII, sobre as deficientes condições das estruturas existentes no ensino superior e pela salvaguarda<br />Intervenção da Deputada Luísa Mesquita

Senhor Presidente, Senhoras Deputadas, Senhores Deputados,

A matéria, que é objecto desta petição, evidencia que os diferentes governos, não têm considerado o papel estratégico do Ensino Superior na formação de quadros qualificados necessários ao desenvolvimento do país.

Uma outra questão que esta petição aborda é a legítima aspiração de acesso ao Ensino Superior e a existência de números clausus.

Oficialmente justificado pelas deficientes condições das estruturas existentes e pela salvaguarda da qualidade de ensino prestado.

A petição apresentada pelos estudantes de Ciências Farmacêuticas denuncia essa falaciosa medida.

De facto, o numerus clausus decorre de uma política de sub investimento nalgumas áreas ou de protecção de alguns interesses.

Se assim não fosse, como se justifica que tenhamos um reduzido número de vagas de acesso ao Ensino Superior exactamente em áreas de formação de que o país necessita, que são procuradas pelos estudantes e que não havendo os indispensáveis diplomados o governo decida a sua requisição no estrangeiro.

Como se justifica a proliferação, inúmeras vezes sem qualidade, de formações superiores autorizadas pelos diferentes governos em estabelecimentos de ensino superior privado que constituem verdadeiros atentados à qualificação dos portugueses e ao desenvolvimento do país.

E não é por falta de legislação.

Porque a 1ª medida tomada por cada governo e por cada maioria que o sustenta tem sido, nestes poucos anos de democracia, a produção absurda em quantidade e de forma acelerada de leis, decretos e portarias que chancelem a autoria e determinem quem reina, mesmo quando o rei vai nu.

A situação que se vive em Ciências Farmacêuticas é exactamente a mesma que ocorre em Medicina Dentária e não muito diferente daquela que é vivida pelos estudantes de Cursos de formação de docentes.

É tão só a consequência de um ensino superior que cresceu de forma anárquica e dissonante das necessidades do país.

Um país que possui a mais baixa taxa de diplomados de toda a comunidade europeia e ainda a mais reduzida diplomação nas áreas científicas e tecnológicas.

A situação de Ciências Farmacêuticas denunciada pelos estudantes e pela Ordem dos Farmacêuticos é um exemplo de todo este desordenamento.

Portugal é o país da União Europeia com mais faculdades de farmácia por número de habitantes e aquele que tem uma taxa maior de crescimento do número de farmacêuticos e de estudantes de farmácia.

Nos últimos dez anos duplicou o número de farmacêuticos.

Considera a Ordem dos Farmacêuticos que em 2005 cerca de metade do número de licenciados não têm colocação.

No entanto, estes dados não preocuparam, nem preocupam os vários governos que aprovaram várias licenciaturas em Ciências Farmacêuticas nos últimos anos, sem sequer terem salvaguardado a qualidade das formações.

O maior escândalo, remonta ao ano lectivo de 2000/2001, quando a Universidade privada Fernando Pessoa iniciou o 1º ano de Ciências Farmacêuticas com 5 cadeiras que nada têm que ver com o curriculum de um curso de Ciências Farmacêuticas. Os alunos tinham ao seu dispor uma Língua estrangeira, Língua Inglesa I, Língua Inglesa II, Estudos Europeus e Técnicas de Comunicação.

Diz a ordem dos Farmacêuticos e os estudantes, com toda a razão, que se adaptou “o curriculum às disponibilidades de docentes do ensino superior. Ensina-se o que se pode e não o que é preciso.”

Estamos a falar de uma licenciatura homologada por uma portaria de 22 de Fevereiro de 2001, com efeitos retroactivos ao ano lectivo de 2000/2001, contrariando o diploma legal.

Diz a Ordem em carta endereçada ao Ministro da Educação da altura que esta situação “revela o grau de permissividade a que se chegou, em que cada um faz o que quer e lhe convém, na, expectativa, pelos vistos fundada, de que o Ministério da Educação acabe sempre, mais tarde ou mais cedo, por legislar o funcionamento de qualquer curso que cada um, a seu belo prazer, decida criar”.

Um negócio em que vale tudo particularmente quando for privado.

Hoje a denúncia em nome dos estudantes, é nesta casa.

Gostaria de poder dizer-lhes que fiquem tranquilos, porque num estado de direito democrático, situações destas têm que ser objecto urgente de avaliação e reflexão conjunta de todos os interlocutores, porque constitucionalmente o acesso ao Ensino Superior tem que garantir a igualdade de oportunidades e deve ter em conta as necessidades do país em quadros qualificados; porque constitucionalmente o estado tem que fiscalizar o ensino particular.

Mas o pacote legislativo que o governo se prepara para fazer chegar à Assembleia da República, no terminus desta sessão legislativa, e na maré baixa do 3º período ao que se sabe, aponta no sentido contrário.

Na nossa opinião é possível, é indispensável e é urgente considerar o Ensino Superior como vector crucial para o desenvolvimento e soberania do país e não como espaço de comercialização de saberes, algumas das vezes de duvidosa qualidade. Disse.

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