Projecto de Resolução N.º 32/XIII/1.ª

Pelo reconhecimento do valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos das ilhas-barreira da Ria Formosa e pelo fim das demolições de habitações nessas ilhas-barreira

Pelo reconhecimento do valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos das ilhas-barreira da Ria Formosa e pelo fim das demolições de habitações nessas ilhas-barreira

A Ria Formosa é uma das mais importantes zonas húmidas de Portugal, pela sua dimensão, diversidade e complexidade, cobrindo uma superfície de cerca de 18.000 hectares, incluindo a área submersa, que se estende ao longo de 57 km pelos concelhos de Faro, Loulé, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António. A sul é delimitada por um sistema de ilhas-barreira constituído por cinco ilhas e duas penínsulas arenosas (Ancão, Deserta, Culatra, Armona, Tavira, Cabanas e Cacela). Constitui um valioso património natural, encontrando-se inserida no Parque Natural da Ria Formosa, criado pelo Decreto-Lei n.º 373/87, de 9 de dezembro.

Além do seu valor natural, a Ria Formosa reveste-se de grande importância do ponto de vista económico, social e cultural, estando intimamente ligada à vida, cultura e tradições das populações locais, em particular dos concelhos de Faro, Loulé, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António.

No Plano de Ordenamento do Parque Natural da Ria Formosa, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 78/2009, de 30 de abril de 2009, afirma-se que o Parque Natural foi criado com “o objetivo de preservar a fauna e flora específicas da região, com especial relevo para as aves migratórias e os respetivos habitats, e promover um uso ordenado do território e dos seus recursos naturais assegurando a continuidade dos processos evolutivos e promovendo o desenvolvimento económico, social e cultural da população residente de forma compatível com os valores naturais e culturais existentes na área” (sublinhado nosso).

O PCP entende que a proteção dos recursos e valores naturais deve ter em conta os hábitos, práticas e atividades tradicionais das áreas protegidas, não podendo contribuir para afastar as populações das áreas e valores a proteger.

A coberto de uma suposta defesa dos valores naturais, sucessivos governos procuraram expulsar as comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa, assim como limitar ou mesmo eliminar o direito das populações à utilização dessas ilhas-barreira como espaço de residência, de desenvolvimento da sua atividade económica e também como espaço de lazer e fruição, com o objetivo – nunca declarado – de entregar este valioso património natural aos grandes interesses privados para que estes os explorem em seu benefício.

Assim, a renaturalização das ilhas-barreiras não passa de um mero pretexto para entregar uma das mais valiosas parcelas da orla costeira nacional (das poucas que escaparam no Algarve) à avidez dos grandes grupos económicos, sacrificando os direitos das populações, os seus hábitos e meios de subsistência e a própria conservação da natureza a esse objetivo.

Recentemente, por intermédio da Sociedade Polis Litoral Ria Formosa, o anterior Governo PSD/CDS acelerou a ofensiva contra as comunidades locais das ilhas-barreira, dando início ao processo de demolições de habitações. Foram já efetuadas demolições nos ilhotes da Ria Formosa e na península do Ancão (praia de Faro). Nos núcleos da Culatra, do Farol e dos Hangares as demolições foram travadas, temporariamente, por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, na sequência de providências cautelares interpostas contra a Sociedade Polis Litoral Ria Formosa.

Quando se exigiam intervenções no sentido de proteger e salvaguardar os recursos e valores naturais, de proteger a orla costeira de processos de erosão e de melhorar o funcionamento do sistema lagunar por via de dragagens, quando se exigiam investimentos na requalificação das zonas edificadas nas ilhas-barreira, quando se exigia o apoio às atividades económicas e em particular às atividades de pesca e marisqueio de que dependem milhares de famílias, o anterior Governo PSD/CDS optou por direcionar milhões de euros do erário público para demolições de habitações nas ilhas-barreira da Ria Formosa, visando expulsar as comunidades locais para abrir caminho à "renaturalização" destas ilhas e posterior entrega aos grandes interesses privados.

O Grupo Parlamentar do PCP apresentou na Assembleia da República, na anterior legislatura, dois projetos de resolução (n.º 1253/XII/4.ª – “Pela suspensão das demolições nas ilhas-barreira da Ria Formosa” e n.º 1308/XII/4.ª – “Pelo reconhecimento do valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos das ilhas-barreira da Ria Formosa e imediata suspensão das demolições de habitações na Culatra, Hangares, Farol, península do Ancão e ilhotes da Ria Formosa”) em defesa das comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa. Apesar de terem sido rejeitados pelos deputados do PSD e do CDS (incluindo os deputados destes partidos eleitos pelo Algarve), a discussão destes projetos de resolução do PCP deu um importante contributo para a luta das comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa em defesa das suas habitações e pelo reconhecimento do valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos destas ilhas-barreira.

Apesar de as demolições estarem por enquanto suspensas, sobre as comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa continua a pairar a ameaça de as demolições serem retomadas a breve prazo. Tal ameaça só pode ser definitivamente eliminada se for reconhecido o valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos das ilhas-barreira da Ria Formosa e se tal reconhecimento tiver tradução legal, nomeadamente, no Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura-Vila Real de Santo António (cujo processo de alteração se encontra atualmente em curso).

Pelo exposto, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomenda ao Governo que:

1. Reconheça o valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos do sistema das ilhas-barreira da Ria Formosa e traduza esse reconhecimento no Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura-Vila Real de Santo António.

2. Adote as medidas necessárias à preservação das comunidades existentes nas ilhas-barreira da Ria Formosa, abandonando definitivamente a intenção de proceder à demolição das habitações dessas ilhas-barreira.

3. Proceda à requalificação dos núcleos urbanos e dos espaços balneares das ilhas-barreira da Ria Formosa, melhorando as condições de vida das comunidades residentes nessas ilhas-barreira e garantindo o direito de fruição desses espaços por parte das populações locais e dos turistas que visitam a região.

4. Proceda à requalificação do sistema lagunar da Ria Formosa, nomeadamente, através das seguintes medidas:

a. Reforço dos meios financeiros e humanos dos organismos públicos responsáveis pela proteção e conservação da Ria Formosa, assim como dos organismos de Estado responsáveis pela monitorização laboratorial da qualidade da água da Ria Formosa;

b. Levantamento exaustivo das fontes de poluição e de deterioração da qualidade da água na Ria Formosa e adoção de medidas à eliminação dessas fontes de poluição;

c. Realização das dragagens na Ria Formosa, visando a melhoria das condições de escoamento e da qualidade da água, assim como de navegabilidade;

d. Realização de ações de proteção da orla costeira de processos de erosão.

5. Apoie as atividades económicas desenvolvidas na Ria Formosa e implemente uma política de promoção de fileiras produtivas em torno das pescas e da produção e apanha de moluscos bivalves, que potencie a criação de emprego, o desenvolvimento da indústria, o respeito pelo meio ambiente e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e das populações.

Assembleia da República, em 3 de dezembro de 2015