Cometer um ato de vandalismo, cometer um ato violento, xenófobo ou racista é crime.
Apoiar um clube, uma equipa ou até um atleta não é crime, nem pode ser sequer indício.
Por isso, puna-se o crime cometido, previna-se os comportamentos, mas não se sacrifiquem direitos dos cidadãos à boleia de supostas medidas de segurança (que, ainda por cima, não são sequer eficazes)
Isto resumiria aquilo que está em causa nesta discussão em torno do cartão do adepto e das zonas com condições especiais e foi precisamente isto que o PCP disse quando a proposta de lei do governo de regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos foi discutida aqui mesmo a 4 de janeiro de 2019.
Perante problemas complexos e situações de violência que é preciso combater foi adotado o caminho mais fácil, mas nem por isso mais eficaz, que é responder pela via repressiva com medidas de controlo ainda mais apertadas do que as que já existiam.
Dos vários problemas identificados na proposta, que entretanto virou lei, destacamos:
-a aplicação indiscriminada de normas a realidades totalmente diferentes
-o cartão do adepto
-as zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos
-a equiparação de uma manifestação de ideologia política a um acto criminoso de racismo ou xenofobia
E a conjugação destas questões torna a lei 113/2019 uma afronta aos direitos de associação e manifestação e às liberdades de todo nós.
Entretanto seguiu-se um processo de especialidade em que o PCP tentou retirar da lei estas referidas questões e alterações negativas, chamou-se à atenção, mas as propostas que eliminavam a figura do cartão do adepto e das Zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos», entre outras, foram rejeitadas pelos restantes partidos.
Pelas piores razões, com a pandemia e as medidas de confinamento decretadas, os impactos da lei e da respetiva portaria que regulamenta o cartão do adepto e zonas especiais, vieram a sentir-se mais à frente.
Não que não tivesse havido avisos e alertas, porque para além do PCP, desde a primeira hora que as associações e grupos de adeptos fizeram-se imediatamente ouvir, como é o caso da Associação Portuguesa do Adepto.
Mas enfim, hoje estamos aqui e temos oportunidade de corrigir este erro e impedir que tome proporções maiores.
As consequências concretas destas medidas são várias e não resolvem nenhum dos problemas a que se propunham. O que hoje se decide é se devemos insistir numa má solução:
Decide-se se um adepto deve ser discriminado e tratado com suspeição pelo facto de o ser;
Decide-se se queremos dividir os adeptos em bons e maus; se queremos zonas em que não podem entrar jovens com menos de 16 anos, afastando famílias; se queremos limitar ainda mais a utilização de bandeiras ou de outras formas de expressão;
Decide-se se um adepto que o queira ser em toda a plenitude tem de registar-se e fornecer dados pessoais de forma desproporcionada e sem justificação;
Decide-se se só se pode ser adepto mediante o pagamento de 20 euros pelo próprio registo;
Decide-se se fica dificultada a participação dos adeptos em jogos fora de casa;
Se, em última instância, queremos ver bancadas vazias e o desporto cada vez menos ligado à vida.
Estão em causa uma data de coisas, nenhuma delas tem a ver com combate à violência, ao racismo ou xenofobia.
Srs deputados,
A violência e as discriminações são graves problemas que existem na sociedade e que se revelam em vários contextos, dentro e fora dos recintos desportivos, a montante destes.
Por isso, em vez de soluções fáceis e injustas, procure-se resolver os problemas sociais, económicos e culturais que estão na origem destes problemas e do aproveitamento dos mesmos.
E procurem-se sempre soluções, que sejam adequadas e proporcionais, que sejam eficientes.
Este é o compromisso e simultaneamente desafio que o PCP aqui deixa nesta discussão e no dia em que desejavelmente enterramos o cartão: que se desfaça o que está mal feito e que se faça uma verdadeira discussão sobre o problema com todos os agentes desportivos, não contra eles, mas com eles.