Confrontado com a forte ofensiva especulativa em torno da dívida pública portuguesa, com o processo de extorsão de recursos nacionais, com uma dramática situação social e económica, com o garrote imposto pelo conjunto de credores e com uma política de submissão do país aos seus interesses, o PCP, a 5 de Abril de 2011 avançou com a proposta de se iniciar um processo de imediata renegociação da dívida pública. Um processo que articulado com um conjunto de outras medidas em defesa dos interesses nacionais, constituí uma resposta patriótica e de esquerda ao rumo de desastre nacional que estava a ser imposto.
Recusando esta saída para os problemas da dívida pública e do financiamento do país, PS, PSD e CDS optaram pela persistência na defesa dos interesses dos grupos económicos e financeiros, abrindo as portas a uma intervenção externa do FMI, do BCE e da UE que, pelo seu processo e conteúdo, constitui um programa ilegítimo de submissão e agressão ao povo e ao país que o novo Governo PSD/CDS se prepara para aplicar.
À medida que o tempo passa a exigência da renegociação imediata da dívida pública portuguesa, que o PCP foi pioneiro a propor, seja pelas condições em que o país se encontra, seja pelas consequências que a aplicação do programa da Troika comporta para o povo e para o país (incluindo na capacidade de Portugal fazer face aos seus compromissos externos e necessidades de financiamento), ganha redobrada actualidade e apoios de diversos quadrantes. Neste sentido, o PCP, dando seguimento ao compromisso assumido com o povo português no decorrer da campanha eleitoral, apresenta formalmente na Assembleia da República uma proposta de renegociação da dívida pública articulada com outras medidas visando o crescimento económico, a criação de emprego, a defesa dos interesses e da soberania nacional.
Um país endividado – consequência inevitável de uma política de abdicação dos interesses nacionais
Como há muito o PCP vem denunciando, o endividamento externo líquido do país é uma das consequências mais visíveis da política de desastre nacional que PS, PSD e CDS impuseram nos últimos 35 anos. Um endividamento líquido público e privado, que assume hoje a colossal dimensão de mais de 107.4% do PIB e que é no fundamental consequência de um processo de desindustrialização, de abandono do aparelho produtivo, de privatizações, de financeirização da economia, de submissão às imposições da UE e ao grande capital nacional e estrangeiro.
Um processo que, tendo estas causas estruturais, que radicam na natureza do capitalismo e do processo de integração na UE, se acentuou de forma exponencial por via da adesão ao euro e mais recentemente, da accão que, no quadro do agravamento da crise do capitalismo, a partir de 2008 transferiu para os Estados e para os povos prejuízos colossais do sector financeiro. Situacao que foi ainda acompanhada por uma criminosa espiral especulativa, com o disparar das taxas de juro cobradas aos Estados, que a par dos programas ditos de austeridade conduziram a um dramático agravamento da situação social e económica do nosso país.
Uma dívida que resultou e se agravou, não por causa de um povo “a viver acima das suas possibilidades”, mas por causa de um processo de aprofundamento da dependência externa e de subordinação aos grupos económicos e financeiros. Com o endividamento do país ganharam aqueles que nos impuseram a liquidação do aparelho produtivo – de que são exemplos a França e a Alemanha - e a quem passámos a comprar aquilo que o país deixou entretanto de produzir; ganharam os banqueiros, a quem o Estado limpou prejuízos (como no BPP e no BPN) e adiantou garantias, transformando dívida privada em dívida pública, distribuindo depois os respectivos sacrifícios pelos trabalhadores e o povo; ganharam e ganham os bancos da Alemanha, da Inglaterra, da Espanha, da França e também de Portugal, que de forma escandalosa se financiaram junto do BCE a taxas de juro pouco superiores a 1%, para depois adquirirem dívida pública cobrando 6%, 7% e até 8% ao Estado Português.
Uma dívida que nas suas diferentes dimensões e responsabilidades, e no processo que lhe esteve na origem – destruição do aparelho produtivo; especulação e agiotagem; transferência de dívida do grande capital para o Estado responsabilizando o povo português por ela; inaceitável aproveitamento das crescentes fragilidades e dependência do país - tem uma componente opaca e ilegítima que necessita de ser apurada, para que se avalie de facto o que é da responsabilidade do Estado português.
Programa de submissão e agressão externa – O caminho para o desastre
O programa de submissão e agressão externa que está em curso e que tem associado um empréstimo de 78 mil milhões de euros, negociado pelo Governo PS e subscrito pelo PSD e CDS/PP (que agora no governo se preparam para o concretizar), não constitui uma solução para os problemas do país, antes um factor do seu dramático agravamento.
Um programa a todos os níveis inaceitável quer pelo conjunto de medidas que pretende impor – agravamento da exploração dos trabalhadores, diminuição dos rendimentos da população, aumento generalizado de impostos e dos preços, cortes nos serviços e investimento público, privatizações, apoios para a banca e grupos económicos - quer porque é insustentável do ponto de vista económico, face às taxas de juro e prazos previstos (que envolverão mais de 30 mil milhões de euros a suportar em apenas 7 anos) e às suas consequências na economia portuguesa, implicando uma prolongada recessão económica, o disparar do desemprego para níveis insustentáveis e a não resolução da própria questão da dívida pública.
Um programa que apenas serve os interesses dos grandes credores da dívida pública – bancos espanhóis, alemães, franceses, holandeses, e o sector financeiro português – com o seu pagamento e recapitalização dos bancos suportado pelos cortes nos rendimentos directos (salários) e indirectos (prestações sociais e serviços públicos) dos trabalhadores e do povo.
Um programa que viola a independência e soberania nacionais, que acentuará a dependência e fragilidades estruturais do País designadamente com as privatizações, o desmantelamento de estruturas e serviços do Estado e com a imposição da perda de importantes instrumentos de política pública económica. Um programa que em confronto com a Constituição da República, colocará em causa a soberania e o regime democrático aí consagrados.
Um programa que PSD, CDS e PS assumiram com a Troika para agora liquidarem direitos e conquistas democráticas e concretizarem velhas aspirações dos grupos económicos nacionais como a alteração da legislação laboral e da própria Constituicão da República. Um programa que é assumido no quadro da União Europeia, ao mesmo tempo que esta, por via do BCE, eleva as taxas de juro e promove uma política de valorização do Euro que é desastrosa para o nosso país.
Um programa em tudo semelhante ao que foi aplicado na Grécia e na Irlanda – na linha de processos de autêntica recolonização - com as consequências que são hoje visíveis na situação de recessão e estrangulamento económico, rapina dos seus recursos, perda de soberania, agravamento vertiginoso da pobreza e do desemprego e que é, já hoje, insuficiente para responder aos interesses do grande capital, estando em curso “novas medidas de austeridade” e processos de reestruturação das próprias dívidas em condições inaceitáveis para os respectivos povos.
Renegociar a dívida pública, defender a produção nacional – no rumo patriótico e de esquerda que o país precisa
O caminho da renegociação da dívida pública e de defesa da produção nacional não é uma solução fácil, livre de dificuldades e constrangimentos, mas é aquela que, em vez de defender os interesses do capital, assume o compromisso com as necessidades dos trabalhadores do povo e do país.
Longe de constituir uma medida isolada, a renegociação da dívida pública nos seus prazos, juros e montantes, é a opção por um caminho que tem na defesa da produção nacional, na diminuição da dependência externa, na elevação dos salários e das pensões, no equilíbrio sustentado das contas públicas, na promoção do emprego, na acção convergente com outros países, na diversificação das fontes de financiamento, uma opção de ruptura e mudança com o actual rumo.
Não sendo um caminho isento de dificuldades, a renegociação da dívida deve ser encetada com urgência e constitui um imperativo nacional a ser concretizado sob controlo do Estado Português e não por iniciativa e conveniências dos credores internacionais. A renegociação da dívida, feita de imediato e por iniciativa nacional, não iludindo constrangimentos afasta, porém, o País, o povo e os trabalhadores das terríveis consequências de novos e ainda mais destruidores programas de austeridade associados a planos de reestruturação da dívida feitos à medida dos interesses da especulação financeira.
Uma decisão, esta sim, inevitável, tanto mais útil quanto se realize – como defendemos - antes do rasto de destruição que as “medidas de austeridade” provocam; uma decisão inevitável que as grandes potencias da União Europeia, o BCE e o FMI querem adiar para dar tempo à banca europeia à alienação das dívidas de países como Portugal. Um processo de renegociação que terá inevitavelmente de envolver custos também para os credores e que não recusa o debate que está em curso em torno das consequências da integração no Euro e na União Económica e Monetária.
Um processo de renegociação que, ao contrário do rumo de desastre que os partidos do pacto de submissão e agressão querem impor, não só assume o pagamento da dívida e o cumprimento dos compromissos legítimos, como o quer compatível com uma estratégia sustentável de estabilização financeira, só possível através da concretização de políticas de crescimento económico, de reforço do investimento produtivo, de criação de emprego e de promoção do equilíbrio das contas públicas.
Assim, a Assembleia da República recomenda ao Governo:
1. Renegociação imediata da dívida pública com os credores do Estado português que deve ser formalmente solicitada pelo Governo no prazo máximo de trinta dias e que deve assegurar as seguintes condições:
(i) A realização prévia de uma avaliação formal, completa e rigorosa da dimensão da dívida, identificando a sua origem e processo, bem como, a natureza e tipo de credores, e a determinação da sua previsível evolução, com e sem renegociação, a levar a efeito, no prazo máximo de quinze dias, pelo Ministério das Finanças em conjunto com o Banco de Portugal, com a apresentação dos resultados à Assembleia da República;
(ii) Um serviço da dívida que, pela renegociação dos seus montantes, prazos e taxas de juro, seja compatível com um crescimento económico pelo menos da ordem dos 3%, admitindo para o efeito a determinação de um período de carência a definir e a indexação do valor dos juros a pagar anualmente com esse serviço da dívida, a uma percentagem das exportações anuais previamente fixada;
(iii) A salvaguarda da parte da dívida dos pequenos aforradores - certificados de aforro e certificados do Tesouro - (dívida dita não transaccionável) e daquela que está na posse do sector público administrativo e empresarial do Estado, que não será assim objecto da renegociação, assegurando-lhes o cumprimento das condições contratadas;
(iv) A garantia da liquidez do Estado português na assumpção dos seus compromissos e obrigações de curto prazo, através de soluções como a transformação de títulos detidos por instituições públicas aplicados no estrangeiro em obrigações e títulos de dívida.
(v) No âmbito do empréstimo do FMI e da UE, recusando qualquer tipo de ingerências ou imposições políticas, a reconsideração dos prazos, das taxas de juro e dos montantes.
2. Ofensiva diplomática e negocial:
Uma forte iniciativa política do Estado português que recuse a submissão do país aos interesses das grandes potências da UE e do grande capital e afirme a defesa intransigente dos interesses e da soberania nacional com:
(i) A intervenção junto de outros países que enfrentam problemas similares da dívida pública – Grécia, Irlanda, Espanha, Itália, Bélgica, etc. – visando uma acção convergente neste processo destinada a barrar a actual espiral especulativa e a construir uma resposta de fundo à situação de estrangulamento económico e social dos seus países
(ii) a revisão dos estatutos e objectivos do BCE e a assumpção de um papel mais activo do BEI no apoio ao investimento público;
(iii) a substituição do Pacto de Estabilidade e Crescimento e da Estratégia 2020 por um programa para o Emprego e o Progresso, com a adopção de medidas que visem o crescimento económico, a criação de emprego e a melhoria dos salários;
(iv) o questionamento do processo e das consequências para os povos que envolvem o Euro e a União Económica e Monetária e a política seguida pelo Banco Central Europeu.
3. Diversificação das fontes de financiamento:
Uma política activa de “renacionalização” e de diversificação externa das fontes de financiamento que inclua:
i) a emissão de dívida pública junto do retalho português, adequadamente remunerada a curto, médio e longo prazo, retomando no prazo máximo de trinta dias uma reforçada política de emissão de Certificados de Aforro e do Tesouro, através da criação de condições mais atractivas à sua aquisição por parte das famílias e que possa incluir a criação de outros instrumentos vocacionados para a captação de poupança nacional;
ii) o desenvolvimento de relações bilaterais internacionais, na procura de formas mais vantajosas de financiamento, associada a uma política de diversificação também das relações comerciais, mutuamente vantajosas, com outros países designadamente de África, Ásia e América Latina.
4. Reequilíbrio das contas públicas:
A consolidação das finanças públicas, liberta dos constrangimentos do PEC, tendo como objectivo a sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazos e a articulação da gestão orçamental com o crescimento económico e o desenvolvimento social deve ser concretizada face aos problemas de liquidez da Tesouraria Pública no curto prazo, através de um conjunto de medidas urgentes, do lado das Despesas e do lado das Receitas, entre as quais:
(i) a reavaliação do conjunto das PPP, a concluir no prazo máximo de trinta dias, envolvendo o Ministério das Finanças, os ministérios de tutela, o Tribunal de Contas e o Banco de Portugal, visando, de acordo com o respectivo apuramento, a renegociação ou a cessação de contratos que se mostrem ruinosos;
(ii) a extinção imediata do conjunto de entidades ditas reguladoras e a inclusão das suas missões como responsabilidade de departamentos da Administração Central;
(iii) a não renovação dos contratos de serviços externos de estudos e consultadorias em curso e a proibição total do seu estabelecimento futuro salvo em casos excepcionais e devidamente fundamentados;
(iv) a cessação das missões das forças armadas portuguesas destacadas no estrangeiro.
(v) a aplicação de uma taxa efectiva de IRC de 25% ao sector financeiro, e a introdução, até final de Julho, de uma mais justa tributação do património, da taxação em IRC das mais valias bolsistas alcançadas pelas SGPS, a criação de um imposto sobre as transacções financeiras registadas em bolsa e a tributação dos capitais colocados em off-shores.
5. Aumento da produção nacional, contendo as importações e fazendo crescer as exportações:
Uma política de defesa e promoção da produção nacional, produzindo cada vez mais para dever cada vez menos, com um vasto programa de substituição de importações por produção em Portugal que implica, entre outras medidas:
(i) o reforço do investimento público virado para o crescimento económico com uma aposta efectiva na agricultura e nas pescas, a par de um programa de industrialização do país;
(ii) a valorização do mercado interno com o aumento dos salários (incluindo do SMN no plano imediato para 500€ e das pensões em 25€) e dos rendimentos da população (repondo prestações sociais entretanto retiradas como o abono de família) a par do combate à precariedade e ao desemprego;
(iii) a adopção de um quadro de emergência de controlo da entrada de mercadorias em Portugal e de apoio às exportações.
(iv) a obrigatoriedade de incorporação de uma percentagem de produção nacional nos produtos vendidos no sector da grande distribuição.
(v) o apoio às micro, pequenas e médias empresas (MPME) com imposição de preços máximos dos factores de produção (crédito, seguros, energia, telecomunicações, portagens, etc) e a disponibilização de financiamento público renegociando o PRODER, o PROMAR e o QREN nos próximos 60 dias;
(vi) a defesa e reforço do sector empresarial do Estado nos sectores básicos e estratégicos da economia e a adopção de uma política onde as empresas e instituições públicas – no plano dos seus investimentos, consumos, parcerias, etc. – privilegiem o aparelho produtivo nacional.