Exposição de motivos
Em 2011, através do Decreto-Lei nº. 30/2011, de 2 de março, foi criado o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. (CHUC, EPE). O núcleo hospitalar de Coimbra, até há poucos anos, era formado por três grupos hospitalares: Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) e Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra (CHPC). Estes grupos envolviam oito hospitais, onde se incluíam dois Hospitais Centrais (Hospital da Universidade de Coimbra e o Hospital Geral dos Covões), um Hospital Pediátrico, as Maternidades Bissaya Barreto e Daniel de Matos e os Hospitais psiquiátricos de Sobral Cid, do Lorvão e o Centro Psiquiátrico de Recuperação de Arnes.
A fusão do Centro Hospitalar de Coimbra nos Hospitais da Universidade de Coimbra, dando origem ao CHUC, decidida em 2010 durante o governo PS e implementada no terreno a partir de 2011 pelo Governo do PSD/CDS, passou a ser uma estrutura de anormal dimensão e de difícil e complexa gestão, com uma área de influência que ultrapassa os dois milhões de habitantes. Não serve os interesses da cidade, do concelho, do distrito, da região e nem do país. Esta situação conduziu à redução de serviços e valências hospitalares e apenas beneficia as entidades privadas prestadoras de cuidados de saúde. É extremamente revelador o facto de a multiplicação de oferta de serviços privados na região promovidos por grandes grupos económicos ocorrer em paralelo e em consequência da degradação dos cuidados de saúde prestados nos hospitais públicos.
A estratégia levada a cabo por sucessivos governos passou pelo crónico subfinanciamento do Serviço Nacional de Saúde, pela despudorada e intencional governamentalização ou partidarização das administrações e chefias clínicas, pela transferência massiva de doentes do SNS para os cuidados privados e pela desestruturação das carreiras dos profissionais de saúde. Passa ainda pela introdução no serviço público da lógica desviante dos serviços privados, centrada na “corrida ao lucro", sacrificando as prioridades clínicas e assistenciais, assentando também no encerramento e fusões de serviços e unidades hospitalares, amputando a capacidade de resposta do SNS às necessidades das populações.
Esta fusão não obedeceu a qualquer estudo técnico prévio ou à auscultação dos seus profissionais e serviços envolvidos, nem passou pela constituição de qualquer Comissão Instaladora com representação das diversas instituições, serviços ou valências, que pudesse avaliar tecnicamente o processo, ultrapassando meras enunciações de fachada sem verdadeiro conteúdo.
Foram retirados do Hospital dos Covões, que abrangia cerca de 800.000 utentes, serviços tão nucleares como os de Gastroenterologia, Neurologia, Neurocirurgia, Urologia, Otorrinolaringologia, Oftalmologia, Oncologia, Hematologia, Pneumologia, Imuno-hemoterapia, Anatomia Patológica, Infecciologia, Nefrologia (parcialmente), Imagiologia (parcialmente) e Cardiologia. Os sucessivos encerramentos desarticulam equipas com grande experiência clínica acumulada, desaproveitam a capacidade instalada (nomeadamente do moderno bloco operatório central que passou a ser utilizado quase exclusivamente para cirurgia ambulatória, mais “leve” e menos exigente), tendo originado também o fecho das urgências à noite e aos fins-de-semana.
Os exemplos de perda são muitos, como sucede com o Serviço de Cirurgia Cardiotorácica dos HUC - mais prestigiado pela assistência prestada na patologia cardíaca do que na área torácica - que não aproveitou a enorme experiência em cirurgia toracoscópica vídeo-assistida acumulada no Hospital dos Covões (a maior a nível nacional) para colmatar o défice que tinha nesse campo. Preferiu-se anulá-la e ficar sem a capacidade técnica que o estado da arte há muitos anos exige em patologias pulmonares não raras, até há pouco eficazmente prestada a toda a região centro pelo Hospital Geral dos Covões. Também o Serviço de Hemodinâmica, mais diferenciado em algumas técnicas que o dos HUC, deixou de as poder assegurar por se ter desmembrado a sua equipa, com o abandono definitivo do seu diretor.
Em abril de 2019, o serviço de Pneumologia foi formalmente extinto, deixando de ter direção própria e passando para a alçada da Pneumologia dos HUC. Em julho de 2019, foi confirmada “a diminuição de lotação do internamento de Pneumologia no Hospital Geral (Covões)”, resultando na concentração de camas de internamento nos já sobrelotados HUC. Tal como já sucedeu no passado e ainda sucede, a razão invocada foi a necessidade de dispor de “apoios multidisciplinares e diferenciados para doentes mais complexos” – que existiam no Hospital dos Covões até terem sido fragmentados ou mesmo eliminados pela Administração do CHUC. A esta perda importante acresce o plano de concentrar a urgência de Pneumologia num único serviço polivalente nos HUC, de que resulta a perda desta importante valência no serviço de urgência do Hospital dos Covões.
Em 2020, o Hospital dos Covões foi designado hospital de referência para a Covid-19, com todas as valências (Urgência, Medicina Interna, Pneumologia, Reanimação, Cardiologia, TAC, RMN, Nefrologia, Hemodiálise, Laboratório) para o tratamento dessa doença, complexa e longe de ser apenas uma simples infeção respiratória. Este Hospital é fundamental para Coimbra e para a região centro e, com o surto epidémico as enfermarias desativadas e camas fechadas foram reativadas e mostraram-se fundamentais.
Com o encerramento do serviço de Cardiologia, em maio de 2020, deu-se mais um passo num longo processo de esvaziamento e a desvalorização das diversas valências médicas e cirúrgicas do Hospital dos Covões - levadas a cabo pela Administração do CHUC.
Em 2021 deu-se o encerramento da Unidade da Cuidados Intensivos, e a deslocação do material e das equipas médicas novamente para os sobrecarregados HUC, constituindo mais um pesado ataque ao Hospital dos Covões.
O encerramento das urgências, apesar de não ter sido total, fruto da luta de utentes e profissionais, foi apenas o início de um grave processo de descaracterização do Hospital do Covões. A tentativa de desvalorização das urgências insere-se nesse plano de descaracterização e tem de ser travada. O serviço de urgência, que tinha voltado a abrir no período noturno em virtude da pandemia, voltou a encerrar a partir de abril de 2021 entre as 22h e as 9h, estando os utentes desprovidos deste serviço numa parte considerável do dia. O que está em causa é o Hospital Geral dos Covões em si mesmo e não apenas este ou aquele serviço ou valência. Um Hospital sem urgências é um hospital fragilizado.
Se, por um lado, o Hospital Geral dos Covões foi esvaziado, por outro, os HUC ficaram sobrecarregados. Situação que teve como consequências as longas filas da urgência ou as listas de espera insufladas, e as sucessivas soluções improvisadas para responder a esta sobrecarga, como sejam os contentores que vêm sendo instalados no seu perímetro.
Toda esta trajetória de concentração de recursos logísticos e humanos no CHUC acabou por traduzir-se numa miríade de cortes, de medidas irracionais e burocratizadas, falhas de material clínico, racionamento de implantes e medicamentos, ruturas na reposição de consumíveis (falta de hipoclorito, luvas, detergente, sacos de lixo para resíduos de risco biológico), bloqueios informáticos e perda de recursos humanos, com acentuada desorganização e diminuição da capacidade de resposta assistencial apenas disfarçadas por uma criativa engenharia de números e enviesadas distorções estatísticas.
Na sequência da decisão da fusão dos hospitais no CHUC, sucederam-se diversas posições públicas de personalidades de reconhecido mérito na área da saúde, manifestações, vigílias, marchas, abaixo-assinados, idas à Assembleia da República, iniciativas organizadas por comissões de utentes contra a fusão, denunciando o encerramento das urgências durante a noite e nos fins-de-semana do Hospital dos Covões, protestando contra a degradação dos cuidados de saúde.
Em janeiro de 2013, deu entrada na Assembleia da República a Petição n.º 186/XII/1.ª – “Contra o encerramento do Serviço de Urgências do Hospital dos Covões - Coimbra”, que teve por base um abaixo-assinado promovido pelo Movimento dos Utentes dos Serviços Públicos, que recolheu 5.360 assinaturas.
Desde o primeiro momento, o PCP soube ouvir e acompanhar a vontade das populações, na sua clara oposição ao processo de fusão dos HUC, do CHC, e do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra, no CHUC, e nas preocupações que este processo levantava e que, ao longo dos anos da sua implementação, se vêm confirmando.
Em 2020, tendo presente a petição apresentada na Assembleia da República, requerendo a devolução da autonomia do Hospital Geral dos Covões e as ações e manifestações que se têm sucedido envolvendo utentes e profissionais no sentido de defender este Hospital, o PCP apresentou o Projeto de Resolução n.º 776/XIV/2 - Em defesa da melhoria dos cuidados de saúde no distrito de Coimbra e pela reversão do processo de fusão dos hospitais do CHUC, E.P.E..
O PCP, tendo em conta o processo de acelerada degradação dos cuidados de saúde prestados nos hospitais de Coimbra na sequência do contestado processo de fusão e interpretando o sentir profundo das populações e dos profissionais de saúde, vem novamente propor a reversão desta perversa fusão no CHUC e defender que, em simultâneo, se desencadeie uma ação de planeamento e organização dos serviços públicos de saúde, articulando os cuidados de saúde primários, hospitalares e continuados, envolvendo a comunidade local, os utentes, os profissionais de saúde e as autarquias no processo de definição das soluções, face às necessidades da população, e dotando as unidades de saúde públicas dos meios e recursos humanos adequados para garantir uma resposta de qualidade e eficaz do Serviço Nacional de Saúde aos utentes da região abrangida.
O PCP defende um Serviço Nacional de Saúde público, universal, geral e gratuito, aumentando a sua eficácia, cobertura e facilidade de acesso em todas as regiões do país.
O PCP considera que o SNS se deve manter fiel à sua matriz fundadora, que fez dele uma das maiores conquistas da Revolução de Abril. A sua destruição constituiria um dos mais graves atentados aos direitos alcançados pelos portugueses.
Assim, tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, resolve recomendar ao Governo:
- A reversão do processo de fusão dos oito Hospitais de Coimbra integrados no CHUC, mantendo os atuais serviços e valências, recuperando os existentes à data da fusão nos oito hospitais e acrescendo um serviço de urgência polivalente no Hospital dos Covões digno de um hospital central, capaz de combater a sobrecarga de outras unidades hospitalares e dar resposta às necessidades da região centro e do país, em regime de funcionamento permanente.
- A urgente intervenção nas maternidades de Coimbra e a construção de um serviço de obstetrícia e neonatologia, com capacidade para acolher os partos realizados pelas duas maternidades, no âmbito do Hospital Geral dos Covões, munido de todas as valências e meios necessários.
- A dotação das unidades hospitalares de Coimbra de trabalhadores, meios materiais e financeiros adequados à prestação de cuidados de saúde de qualidade aos utentes da região.