Na intervenção durante o debate sobre a alteração à Lei das Finanças Locais, Paula Santos afirmou que "sucessivas alterações à lei das finanças locais reduziram a participação das autarquias nas receitas do Estado. O projecto que o PCP traz à discussão rompe com esse caminho e vai ao encontro dos princípios da justa repartição dos recursos públicos entre a administração central e as autarquias e autonomia administrativa, financeira e patrimonial"
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sras. e Srs. Deputados,
O regime financeiro das Autarquias Locais é o instrumento fundamental para assegurar a autonomia e o financiamento do Poder Local Democrático.
Na evolução dos regimes de finanças locais há dois aspectos a sublinhar, o primeiro é que um novo regime de finanças locais resultou do incumprimento do que o antecedeu (com excepção de 1998), e o segundo é que as sucessivas alterações à lei de finanças locais reduziram a participação das Autarquias nas receitas do Estado.
O Projecto de Lei de Finanças Locais que o PCP traz à discussão rompe com esse caminho e vai ao encontro do princípio da justa repartição dos recursos públicos entre a Administração Central e as Autarquias e o princípio da autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
A Lei de Finanças Locais que apresentamos responde a três objectivos:
1º - o reforço efectivo da capacidade financeira das Autarquias, repondo o que foi perdido nos últimos anos;
2º - a garantia da estabilidade e aplicabilidade da lei, definido com clareza os montantes, fontes de receita, mecanismos de evolução e formas de distribuição, eliminando alterações conjunturais em cada Orçamento do Estado;
3º - é um instrumento de reforço de coesão social e territorial, através da conjugação do cálculo dos montantes e dos critérios de distribuição.
Neste sentido, propomos:
- O reforço da capacidade financeira das Autarquias através do aumento da sua participação nas receitas do Estado, no valor de 31,5% da média aritmética do IRS, IRC e IVA para os municípios e de 3,5% para as freguesias, atendendo ao actual nível de competências e pondo fim à iniquidade da participação variável no IRS e a receitas consignadas, como o Fundo Social Municipal, incluindo estas componentes na participação dos referidos impostos;
- A introdução de critérios de distribuição mais justos, que permitam assegurar uma função redistributiva, contribuindo assim para a coesão social e territorial e o desenvolvimento da economia local;
- A definição de normas relativamente à relação entre a Administração Central e Local, assente em pressupostos de transparência na delimitação dos recursos ao dispor de cada um dos níveis de poder para o exercício das suas competências próprias, não sendo permitidas comparticipações mútuas entre as partes;
- Admitimos em situações muito excepcionais previstas na lei de enquadramento orçamental a transferência de montantes inferiores ao previsto na lei de finanças locais, com a obrigação de o Governo repor nos três anos seguintes, como se de um empréstimo se tratasse, acompanhada da publicação em anexo ao Orçamento do Estado dos mapas com os montantes das transferências a concretizar e os montantes das transferências de acordo com a aplicação da lei de finanças locais;
- A existência de mecanismos de recuperação financeira que sirva para apoiar os municípios e não para lhes criar dificuldades acrescidas, nem maiores encargos para as populações;
- E expurgamos da lei um conjunto de reportes à Administração Central, que ultrapassam em muito a tutela de legalidade, configurando uma ingerência na autonomia local.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,
A Proposta de Lei que o Governo traz a debate diverge bastante do modelo de finanças locais por nós proposto.
Desde logo, associar a lei de finanças locais ao dito processo de “descentralização” não augura nada de bom, servindo somente o propósito de procurar esconder o subfinanciamento a que as autarquias têm sido sujeitas.
Só entre 2007 e 2018, por incumprimento da lei de finanças locais foram retirados às Autarquias cerca de 3,5 mil milhões de euros.
Neste debate o que é prioritário é assegurar o quadro financeiro para a execução das actuais responsabilidades das autarquias. Primeiro consolida-se a recuperação financeira das autarquias, depois discuta-se novas matérias.
Na verdade, a proposta do Governo, apesar de incorporar normas de sentido positivo que já constam do Orçamento do Estado e a revogação do FAM, no essencial não dá resposta aos principais problemas de financiamento das Autarquias, ao não pretender recuperar a capacidade financeira perdida e ao dar força de lei ao incumprimento da lei de finanças locais, assumindo que não é para ser cumprida nos próximos três anos.
É inaceitável que o Governo adie o cumprimento da lei de finanças locais. Designa o incumprimento pomposamente e passo a citar de“mecanismo de convergência para assegurar o cumprimento da lei de finanças locais”.
Na sua proposta refere como excepção ao cumprimento a existência de procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos ou procedimento por défices excessivos, prevendo de seguida normas para prolongar estes efeitos, iniciando a aplicação da lei não a aplicando, num contexto em que o país não se encontra em nenhuma dessas situações. Não há nenhuma justificação para o incumprimento a não ser por opção política do Governo.
Acresce a isto o facto de o Governo manter a participação dos Municípios nos impostos do Estado em 19,5%, ao mesmo tempo que reduz a sua base de incidência ao retirar as verbas correspondentes à nova participação do IVA e ao fundo de estabilização financeira da Segurança Social.
Em relação às Freguesias propõe aumentar de 2% para 2,5% o que só por si é insuficiente, mas ainda é agravado com o adiamento da sua integral aplicação.
Introduz mecanismos que em vez de contribuírem para uma justa redistribuição territorial, agrava as assimetrias existentes, como é a nova participação no IVA.
Aprofunda um modelo de financiamento assente numa lógica de fiscalidade local e de competitividade territorial, que em nada contribui para a coesão social e territorial.
Insere também normas que têm como objectivo transformar as autarquias em instrumentos de execução das competências do Governo, contribuindo para a confusão instalada de quem tem competência do quê.
Há ainda outros aspectos negativos na proposta de lei como a consignação de receitas provenientes de preços, a possibilidade das CIM procederem à cobrança de impostos e do Governo proceder à cobrança de taxas e tarifas municipais, a persistência da prestação de reportes e informações à Administração Central e a reposição de normas de acompanhamento e controlo das despesas com pessoal em desrespeito pela autonomia local.
Em suma, a proposta de lei do Governo não passa de um remendo, quando o que a situação exige é uma novo modelo de financiamento das Autarquias Locais, como o PCP propõe.
As transferências de verbas para as Autarquias não são um encargo para o Estado, nem resultam da sua boa vontade, são antes um desígnio constitucional que incumbe ao Governo dar cumprimento, respeitando os princípios constitucionais.
Disse!