Projecto de Resolução N.º 318/XIII/1.ª

Passagem da gestão do património do Vale do Côa para o Ministério da Cultura e extinção da Fundação Côa Parque

Passagem da gestão do património do Vale do Côa para o Ministério da Cultura e extinção da Fundação Côa Parque

Exposição de motivos

Em Novembro de 1994 foi divulgado publicamente o achado de um conjunto de arte rupestre no vale do rio Côa, posto em causa pela construção de uma barragem em Vila Nova de Foz Côa. Este património era conhecido já desde 1991, mas não havia sido divulgado e, apesar disso, os trabalhos de construção prosseguiam.

Inicia-se então um debate público, entre 1994 e 1995, sobre a importância deste património e da sua preservação, com amplo eco nos meios de comunicação social nacionais e estrangeiros. Este debate simbolizou, de certo modo, a rejeição das políticas que o governo PSD/Cavaco Silva havia protagonizado.

O Partido Comunista Português envolveu-se também neste debate, sendo aliás reconhecida pelos arqueólogos portugueses a sua postura inquestionável pela preservação deste património único, ao contrário das posições contrárias ou hesitantes de outros partidos políticos.

Com a eleição do XIII Governo Constitucional em Outubro de 1995 e a consequente criação do Ministério da Cultura, a 17 de Janeiro do ano seguinte é decidido suspender-se a construção da barragem e criar-se uma equipa de investigação com o objetivo de certificar a importância dos achados (Resolução do Conselho de Ministros n.º 4/96).

Em Agosto de 1996, é criado o Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC) com o objetivo de gerir, proteger e organizar a visita pública da arte do Côa, enquanto serviço dependente do Instituto do Património Arqueológico e Arquitetónico. Muito por causa da inoperância deste instituto público no caso Côa, as competências do Estado ao nível da arqueologia são, entretanto, atribuídas ao então criado Instituto Português de Arqueologia (IPA), por via do Decreto-Lei n.º 117/97, de 14 de Maio. O PAVC torna-se, assim, um serviço dependente do IPA, sedeado em Vila Nova de Foz Côa, bem como o Centro Nacional de Arte Rupestre (CNART), cujas competências consistiam em estudar a arte rupestre existente em território nacional, com particular incidência na arte do Côa.

A 2 de Julho de 1997, o conjunto dos Sítios Arqueológicos no Vale do Rio Côa foi classificado como Monumento Nacional pelo Decreto n.º 32/97, classificação entretanto alterada e complementada pelo Decreto n.º 6/2013, de 6 de Maio. O reconhecimento internacional viria a 5 de Dezembro, com a inscrição da arte paleolítica do Vale do Côa na Lista do Património Mundial pelo Comité do Património Mundial da UNESCO, na sua 22ª sessão, em Quioto.

A importância da arte rupestre do Vale do Côa que justifica estas classificações radica no facto de se tratar do maior conjunto de arte paleolítica ao ar livre do mundo (conhecem-se hoje mais de 1.200 rochas gravadas de diferentes períodos), exemplificando assim a primeira arte da humanidade no exterior entre os 30.000 e os 12.000 anos antes do presente, quando, até esta descoberta, se julgava que ela havia sobrevivido apenas no interior de grutas (por exemplo, Altamira, Lascaux ou Chauvet).

Entendido desde início como uma das peças fundamentais para a divulgação da arte rupestre, o Museu do Côa começou a ser construído em Janeiro de 2007, após um processo conturbado, que envolveu diferentes projetos e avanços e recuos entre governos do PS e PSD.

No momento da inauguração do museu, o governo PS/Sócrates apresenta um projeto de criação de uma fundação pública de direito privado para a gestão do património do Côa. Esta proposta previa, numa primeira fase, a perda de vínculo à Função Pública de todos os trabalhadores do PAVC, que só a sua luta conseguiu impedir. Ainda assim, a Fundação Côa Parque foi criada em 8 de Março de 2011 por via do Decreto-Lei n.º 35/2011, com o objetivo da salvaguarda, conservação, investigação, divulgação e valorização da arte rupestre e demais património arqueológico, paisagístico e cultural abrangido pela Zona de Especial Proteção da arte do Côa, substituindo o PAVC.

Esta solução institucional mais não foi do que uma fuga para a frente com vista à desorçamentação dos custos de manutenção do novo equipamento. Como fundadores iniciais foram escolhidos o IGESPAR (entretanto substituído pela Direção-Geral do Património Cultural), com uma comparticipação de 55%, a Entidade Regional de Turismo do Douro, (entretanto Turismo do Porto e Norte), com 20%, a ARH do Norte (entretanto Agência Portuguesa do Ambiente), com 20%, o município de Vila Nova de Foz Côa, com 4% e a Associação de Municípios do Vale do Côa, com 1%.

Sendo uma das últimas criações do último governo PS/Sócrates, os problemas deste modelo de gestão e financiamento começaram a perceber-se melhor já com o governo PSD/CDS de Passos e Portas, num contexto de extinção das fundações e de cortes orçamentais cegos no quadro da aplicação das medidas do Pacto de Agressão.
Por um lado, assistiu-se a uma contínua redução do orçamento da fundação, que rondará hoje os 800 mil euros, uma verba inferior ao orçamento do PAVC ainda antes do Museu do Côa e sem todos os custos associados à eletricidade segurança, e manutenção.

Por outro lado, mesmo esse reduzido orçamento não tem sido cumprido, verificando-se que os fundadores, ou não têm capacidade orçamental para o cumprimento das suas obrigações (Câmara Municipal e Associação de Municípios), ou não vêm essa comparticipação como parte das suas obrigações (APA e Turismo do Norte), pelo que o financiamento muitas vezes se resume aos 55% da DGPC.

As consequências desta situação têm sido o acumular de dívidas a fornecedores, Finanças e Segurança Social, mas também a crescente falta de condições de trabalho, traduzidas na falta de aquecimento, de tinteiros e outros materiais consumíveis e na inoperacionalidade da frota automóvel.

Há uma constante incerteza quanto ao pagamento de salários dos trabalhadores, ocorrendo atrasos em várias ocasiões. A denúncia do arrastar desta situação por parte dos trabalhadores levou à demissão do primeiro Presidente do Conselho de Administração, por parte do Secretário de Estado da Cultura da altura.

É de salientar que, com a chegada da Fundação Côa Parque, o número de Vigilantes nos Núcleos de Gravuras e Museu passou de quinze para seis. Já os Guias são, neste momento, apenas nove, número que não é suficiente para assegurar as visitas aos núcleos de gravuras e Museu. Os Serviços Educativos têm apenas dois Técnicos, número insuficiente para o cumprimento da sua missão no acompanhamento das escolas nas visitas ao museu e restantes atividades arqueológicas.

A 7 de Outubro de 2014 foi nomeado um novo Conselho de Administração, por um prazo de 2 meses, presidido por António da Ponte, diretor da Direção Regional de Cultura do Norte, com o objetivo de “fazer um diagnóstico” da situação da fundação e “aperfeiçoar o seu modelo de gestão e o cumprimento da sua missão”, através de uma proposta a apresentar ao Secretário de Estado da Cultura.

Esta proposta de modelo de gestão terá sido entregue ao Secretário de Estado por volta de Março de 2015, mas nada foi decidido desde então. Entretanto, os problemas continuam e agravam-se. Se os salários têm vindo a ser pagos, a falta de financiamento dos fundadores mantém-se, as dívidas a fornecedores aumentam e a missão de estudar, proteger e divulgar a arte do Côa é colocada em causa.

Assiste-se por outro lado à crescente desmotivação dos trabalhadores, que tem levado alguns a rescindirem contrato, outros a pedirem mobilidade para outros serviços e outros ainda a solicitarem licença sem vencimento. Esta realidade tem limitado ainda mais a resposta dos serviços de visitas, uma vez que estes trabalhadores não foram substituídos.

A solução do conselho de administração e do diretor interino tem sido apelar aos trabalhadores para “vestirem a camisola” e “desdobrarem-se”, acentuando-se a polivalência. Por mais empenho e dedicação que estes trabalhadores tenham, e reconhecidamente têm, esta realidade põe em causa as funções de visita pública deste serviço, assistindo-se a um crescente abandono das visitas aos três núcleos de arte rupestre do vale do Côa visitáveis, que são o verdadeiro museu do Côa.

A redução de visitas aos núcleos, motivada pela falta de guias, é ainda agravada por uma frota de viaturas todo-o-terreno em circulação desde Agosto de 1996, que apresentam crescentes problemas mecânicos, algumas delas já paradas e sem perspetiva de arranjo, podendo inclusivamente colocar em risco a segurança de guias e visitantes.

Este abandono é ainda agravado pela redução da segurança aos núcleos, como forma de fazer face às dívidas para com a empresa. Assim, um dos núcleos (Ribeira de Piscos) não tem já qualquer segurança e os outros dois deixaram de ter segurança durante a noite (Canada do Inferno e Penascosa). Esta situação acarreta graves riscos para o património, com possíveis casos de vandalismo e visitas não controladas, nomeadamente por parte de empresas privadas. Desde o início de Dezembro, com vista a reduzir o custo da segurança, foram também extintos dois postos de trabalho no museu, que deixa de ter segurança durante o dia.

Uma outra questão que urge resolver diz respeito à criação do Plano de Ordenamento de Parque Arqueológico (Decreto-Lei n.º 131/2002, de 11 de Maio), um instrumento fundamental para a preservação e gestão, não apenas da arte rupestre, mas de todo o seu território envolvente, integrado na Zona Especial de Proteção do Vale do Côa, e que tem sido esquecido pelos sucessivos responsáveis da tutela.
Os trabalhadores estão unidos na luta contra esta situação, em defesa dos seus postos de trabalho, mas também da sua função pública. Tem sido graças ao seu esforço quotidiano que se continua a investigar e a publicar os resultados científicos, e que o número de visitantes ao museu, em grande parte com visita guiada, inclusivamente aumentou ao longo deste ano. Assim se comprova que, as potencialidades deste património e equipamento para a promoção de uma verdadeira democracia cultural são elevadas, e que as políticas dos governos do PSD/CDS, mas também do PS, têm sido um real entrave à sua realização.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte:

Projeto de Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do art.º 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que:

1 - Extinga a Fundação Côa Parque, passando a gestão do Museu e Parque Arqueológico do Vale do Côa para o Ministério da Cultura.

2 - Proceda à integração com vínculo efetivo em funções públicas dos trabalhadores da Fundação Côa Parque, que exerçam funções na data da extinção da Fundação, garantindo o respeito integral dos seus direitos.

3 - Adote medidas de âmbito orçamental, com carácter progressivo, no sentido do cabal cumprimento das funções do Museu e Parque Arqueológico do Vale do Côa, designadamente no que toca à investigação, gestão, conservação, vigilância e divulgação do património à guarda da instituição.

4 - Promova a contratação do pessoal em número adequado, com o intuito de assegurar um quadro de pessoal adequado às necessidades permanentes da organização da visita pública.

Assembleia da República, em 12 de maio de 2016

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