Mais de um mês depois do primeiro caso detectado em Portugal de contágio com o coronavírus a questão central que o PCP colocou desde a primeira hora mantém toda a actualidade: adoptar um conjunto de procedimentos de prevenção adequados em que os serviços de saúde pública desempenham papel crucial e reforçar a capacidade do Serviço Nacional de Saúde em todos os seus planos, indispensável para a capacitação da resposta clínica.
Num quadro em que o número de doentes com a COVID-19 continua a aumentar, mais de 11 700 e apesar dos sinais positivos dos últimos dias com uma estabilização do crescimento percentual do número de casos abaixo dos 10%, é fundamental dar ao SNS todos os meios necessários no plano financeiro, técnico e de profissionais, imprescindíveis para combater com êxito o surto epidémico.
Hoje é possível, apesar de estarmos longe do fim do surto, constatar de forma rigorosa que se não tivéssemos em Portugal um SNS universal, geral e de qualidade e a luta contra o vírus seria muito mais difícil de travar.
É óbvio que os condicionalismos sentidos diariamente nas unidades do SNS, não são apenas devido à dimensão do surto e das suas consequências. Elas são igualmente o resultado de durante mais de 30 anos se ter desenvolvido uma estratégia de redução do serviço público de saúde, com o encerramento de milhares de camas, de redução do número de profissionais, da não renovação de equipamentos. Os que hoje fazem críticas públicas e exigências que sabem difíceis de resolver, são os mesmos que durante anos submeteram o direito constitucional à saúde às imposições do Euro e da União Europeia, e que diabolizaram e enfraqueceram os serviços públicos sustentados na ardilosa tese de que «os privados fazem melhor e mais barato».
Os portugueses sabem que é no SNS que encontram no plano da saúde pública e da resposta clínica a garantia para enfrentar a actual situação.
Como o PCP tem sublinhado, a situação em vários países, para além de revelar um significativo potencial epidemiológico da COVID-19, o que se destaca é a gravidade da insuficiência da capacidade clínica instalada para dar uma resposta eficaz às exigências que o momento reclama.
É grande a exigência colocada ao SNS. Por um lado, responder ao crescimento do número de vítimas de contágio e das necessidades de internamento, centenas das quais a exigirem cuidados intensivos. Cumulativamente, assegurar a actividade normal de atendimento a milhares de utentes do SNS com outras patologias que não pode ser interrompido sob pena de amanhã se perderem vidas humanas por não terem tido o acesso aos cuidados de saúde que necessitam. Exigências que inscrevem como prioridade o aumento do número de camas de internamento hospitalar e particularmente de cuidados intensivos, devidamente equipadas. Para isso, é fundamental reabrir muitas das mais de 4 000 camas encerradas nos últimos 15 anos (mais de 2000 entre 2011 e 2015), adquirir os equipamentos necessários, e também recrutar os milhares de profissionais que se mostraram disponíveis para voltar ao trabalho. Não se trata de um exercício teórico, mas uma possibilidade real que apenas depende de vontade política para concretizar o investimento necessário.
O êxito do combate à epidemia passa por garantir condições de segurança aos profissionais de saúde. Persistem situações de falta de equipamentos adequados em algumas unidades de saúde que precisam de ser ultrapassadas.
O elevado número de profissionais de saúde, mais de 1300, com doença profissional por COVID-19 no exercício da sua actividade, revela da pior forma o tempo perdido que é urgente recuperar.
As aquisições no exterior, em grande medida devido à cooperação no plano das relações bilaterais entre Portugal e a China, cooperação tão mais necessária quanto a postura da União Europeia evidencia mais uma vez, a sua inércia, mesmo hipocrisia e falta de solidariedade, como se verifica na retenção de equipamentos adquiridos entre países da própria UE, têm permitido superar no imediato parte da carência de material.
Mas a aquisição ao exterior, indispensável como se constata, testemunha a crescente dependência nacional associada ao abandono da produção e da falta de incentivo à investigação. O facto de várias universidades e empresas terem decidido dar o seu contributo, criando e produzindo este tipo de equipamentos, dão razão ao PCP de que é fundamental investir numa estratégia de substituição das importações pela produção nacional. No caso da saúde, a aposta na produção nacional é mais do que uma questão económica, é sobretudo uma afirmação de soberania nacional num sector essencial à vida das pessoas.
O actual surto epidémico e os seus desenvolvimentos tornam urgente ultrapassar atrasos e algumas hesitações que se mantêm. A expectável situação que se está a viver nos lares para idosos que justificou o alerta do PCP na Assembleia da República no passado dia 3 de Março, exige a adopção pronta de medidas, para evitar mais perda de vidas, garantindo que ninguém é deixado para trás.
A densidade e diversidade das medidas que a situação exige, requerem planeamento, investimento e capacidade de concretização.
A defesa de uma reserva estratégica de medicamentos assume particular acuidade face a interesses económicos contrários ao interesse nacional que procuram interferir e condicionar as decisões em proveito próprio, gerir stocks de acordo com os seus interesses e instalar um regime de especulação dos preços praticados.
O PCP aponta como elementos da resposta política que a situação do País coloca, seja as que correspondem aos problemas estruturais, seja as que se resultam do surto epidémico e das suas repercussões:
- Contratar todos os profissionais disponíveis para voltarem ao trabalho nas unidades do SNS;
- Reabrir o máximo possível de camas encerradas no Hospital Pulido Valente, hospital que teve um papel importantíssimo na valência de pneumologia;
- Afectar o Hospital Militar em Belém (no passado dedicado ao combate às doenças infectocontagiosas), cuja reabertura está decidida, ao surto de COVID-19;
- Alargar a outras unidades industriais existentes no País com o objectivo de reconverter a produção industrial para passarem a produzir material clínico, reagentes, medicamentos, equipamentos fundamentais para responder ao surto epidémico;
- Alargar o número de testes aos profissionais de saúde, a todos aqueles que contactam com potenciais portadores do vírus, aos idosos (a todos os idosos mesmo sem registo de casos detectados) e aos profissionais que têm a responsabilidade de lhes dar o apoio devido;
- Tomar medidas urgentes para a concretização da criação do Laboratório Nacional do Medicamento, tal como decisão da Assembleia da República.
O PCP reafirma que num quadro marcado por uma redução muito significativa da actividade económica, a redução de salários e rendimentos acrescentará, com a perda de poder de compra, uma retracção do mercado interno indutora de uma dinâmica recessiva que é preciso prevenir.
Sem desvalorizar os impactos económicos que o surto epidémico está a provocar, o PCP alerta para a instrumentalização da situação no sentido do aprofundamento de políticas neoliberais, ao serviço do capital monopolista e de ataque a direitos, bem como para a promoção de concepções reaccionárias e anti-democráticas que visam o ataque a liberdades e a garantias fundamentais à democracia.
Hoje, o que se impõe é assumir o investimento público e o apoio à produção, bem como a garantia do rendimento integral dos trabalhadores, como elementos estratégicos de curto e médio prazo.
Uma comunicação de verdade e transparência, contra os alarmismos que favorecem o pânico e a não imposição de restrições à intervenção das organizações dos trabalhadores e das populações no desenhar e executar medidas de combate à epidemia, são em si mesmos um factor promotor de confiança, da saúde e de bem estar.
Para este ano de 2020 a Organização Mundial de Saúde propõe-nos como tema que celebremos o trabalho dos profissionais de enfermagem sublinhando o papel crítico que desempenham para manter o mundo saudável.
Nesta ocasião o PCP associa-se à homenagem, atenção e apoio que a OMS nos exorta a todos a fazer dos profissionais de enfermagem e alarga-a a todos os profissionais – enfermeiros, médicos, técnicos de diagnóstico, outros técnicos superiores de saúde, assistentes operacionais.
Uma iniciativa que mais uma vez dá razão à luta que desde sempre temos vindo a conduzir para que aos seus profissionais do Serviço Nacional de Saúde sejam reconhecidas as condições contratuais, as carreiras, as remunerações e as condições de trabalho conformes com a sua exigente formação, os elevados riscos que correm e as altas responsabilidades que têm para assegurar funções essenciais dos cidadãos e da sociedade, como acontece neste momento ao estarem na linha da frente da resposta ao COVID-19.
Uma última palavra de esperança dirigida aos trabalhadores e ao povo português. Vamos certamente ultrapassar a fase difícil que o País está a viver. O caminho que vamos percorrer encontrará muitos obstáculos. Vencê-lo-emos com determinação e com a certeza de que o PCP estará sempre presente, como aconteceu ao longo dos seus 99 anos de vida, na defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores e do povo.