Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

"O país sofre lá fora e o governo deita foguetes aqui dentro"

No debate do Estado da Nação, António Filipe afirmou que com tantas proclamações sobre o fim da crise, as medidas que o governo tem em cima da mesa são mais do mesmo, cortes nos salários, pensões e reformas, cortes na saúde, educação e prestações sociais e congelamento do aumento do salário mínimo nacional. O país não pode estar melhor se os portuguese estiverem pior, concluiu.
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Sr. Presidente,
Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo:
Uma imagem muito impressiva que nos vai ficar deste debate é a imagem do Sr. Primeiro-Ministro a rir à gargalhada, quando o Secretário-Geral do PCP, na tribuna, falava dos desmandos da banca, que tão caro têm custado aos portugueses.
Aconselhava o Sr. Primeiro-Ministro a não se rir na cara dos portugueses, porque os portugueses, que, com os cortes nos salários, com os cortes nas reformas, com os cortes nas funções sociais do Estado, têm pago do seu bolso os desmandos da banca, não acham certamente piada a que tenham de pagar essa fatura para que os banqueiros se possam rir com o Sr. Primeiro-Ministro.
Portanto, já que tanto se fala dos sacrifícios dos portugueses, é bom que se tenha respeito pelos portugueses e pelos sacrifícios que eles têm sido obrigados a fazer.
O Governo e a maioria vêm aqui hoje proclamar o fim da crise. O País, lá fora, sofre, o Governo, aqui dentro, deita foguetes. Mas os portugueses, com tantas proclamações do fim da crise, de que a crise já passou, de que foram três anos de sacrifícios mas que agora vem o Eldorado, perguntar-se-ão: «Bom, então, que medidas é que estão ensejadas para que possa ser aliviada a carga de sacrifícios que foi imposta aos portugueses? Será que o Governo desistiu dos cortes salariais e vai repor os salários de que os trabalhadores se viram privados nos últimos anos?» Não, pelo contrário, o que está em cima da mesa é o Governo fazer tudo quanto pode para manter intocados os cortes salariais que quis impor aos portugueses.
E os reformados, uma vez que terminou a crise, poderão aspirar a que os cortes que lhes foram impostos nas reformas terminem? Não, pelo contrário, o Governo não tem qualquer intenção de recuar naquela medida iníqua que foi a imposição da contribuição extraordinária de solidariedade aos reformados.
E os portugueses podem aspirar a que haja melhores condições de financiamento da educação, do Serviço Nacional de Saúde? Não, pelo contrário, o que se anuncia é a continuação de cortes na saúde, nas prestações sociais, na educação, em tudo o que é responsabilidade social do Estado.
É tempo de acabar essa ofensiva contra os direitos dos trabalhadores? Não! Aquilo que está em cima da mesa é o enfraquecimento da contratação coletiva e a fragilização ainda maior da situação dos trabalhadores perante o patronato.
Vai, finalmente, aumentar o salário mínimo nacional? Nem uma palavra da parte do Governo sobre essa matéria. Provavelmente, à medida que as eleições se aproximam, continuarão a dizer que, sim, senhor, é necessário aumentar o salário mínimo nacional, mas um dia mais tarde veremos se há condições para isso.
Foi anunciada, finalmente, a baixa do IVA da restauração? Não, nem uma palavra sobre isso!
O que aqui foi dito pelo Sr. Primeiro-Ministro foi que os portugueses têm de escolher entre a pobreza ou a crise. É com o empobrecimento que o País pode sair da crise para que se cumpram as palavras de há uns dias do Sr. Deputado Luís Montenegro, de que o País está melhor e os portugueses estão pior.
Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, o País não pode estar melhor se os portugueses estiverem pior.
Mas também fica claro neste debate, apesar dos esforços que o Governo faz para ocultar a realidade, que não houve nenhuma saída limpa do programa da troica. Seja com a troica a mandar cá dentro, seja com a troica a mandar lá de fora, o que é evidente é que, a manter-se este Governo, a manter-se esta política, o País estará amarrado à pulseira eletrónica das medidas que tanto têm lesado o nosso País e os portugueses.
O garrote da dívida, que aumentou galopantemente nos últimos três anos, ao contrário daquilo que o Governo pretende insinuar, o garrote do empobrecimento, o garrote do retrocesso, do profundo retrocesso social que o nosso País tem sofrido — a troica poderá já não estar aqui, fisicamente, mas a verdade é que o País continua sequestrado às políticas da troica que este Governo pretende continuar a impor, enquanto se mantiver no poder —, são um imperativo nacional para que este Governo seja afastado da governação, para que esta política seja mudada o mais rapidamente possível, a bem de Portugal e a bem da qualidade de vida dos portugueses.

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