Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Chegou ao fim, no plano formal, o programa de intervenção das troicas nacional e estrangeira, mas não o pesadelo de uma nação que vê o seu presente e o seu futuro hipotecados por uma política que apenas sabe somar medidas de austeridade, de saque e de confisco, semeando dramas no seio do nosso povo.
Chegou ao fim um programa imposto ao País, mas o que ficou foi um País economicamente destroçado, dilacerado no plano social e politicamente fragilizado por uma política que alimentou a descrença, a desilusão e a resignação.
O estado da Nação é hoje a situação de um País que está mais pobre, em retrocesso, mais distante dos níveis médios do desenvolvimento de outros países da União Europeia.
Um País mais dependente e sujeito ao arbítrio do estrangeiro, condenado a viver hoje e por longos anos em regime de liberdade condicional por um Governo, por uma política nacional e europeia e pelas organizações internacionais dominadas pelos senhores do mundo.
É este o resultado das opções dos partidos da troica nacional e dos seus compromissos.
O estado de uma Nação exigia mais brio patriótico, mais coragem e outra política de afirmação dos interesses nacionais a quem tem estado, nos últimos anos, ao comando da governação do País e não resignação, abdicação e colaboração submissa.
A situação do País é, hoje, por isso, a de um País amarrado num colete-de-forças que o manieta, porque lhe alienaram os seus instrumentos de gestão política, económica, financeira e orçamental, que urge recuperar, mas também as suas empresas e sectores estratégicos, hoje maioritariamente em mãos estrangeiras para servir os interesses do grande capital nacional e internacional, e não o País.
É o estado de uma Nação que viu aprofundar as suas graves e persistentes desigualdades sociais e territoriais, com uma parte substancial do País a caminhar para a desertificação, à medida que tudo se tira ao interior do País — escolas, serviços de saúde, tribunais, juntas de freguesia.
Nós levantamos o véu da fantasia propagandística das preocupações sociais e do assistencialismo oficial — hipócrita e falsamente humano — e o que vemos é um País a sangrar, para lá da frieza de todos os grandes números e das grandes estatísticas, para lá de 1,4 milhões de desempregados, se incluirmos todos os desencorajados, de 1,6 milhões trabalhadores precários, a maioria com uma vida também ela precária, de milhões de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza.
São as vidas sem esperança que se percebem na longa fila da «sopa do mosteiro», outra vez vulgarizada.
São as vidas arruinadas que se enxergam por trás das 150 000 casas devolvidas aos bancos, num processo que ainda não parou, nem se prevê que pare.
São as vidas das centenas de milhares de portugueses emigrantes — nos últimos dois anos emigraram 250 000 — que levam consigo angústias e dramas e muitos problemas de um desemprego de longa duração, das dívidas que se acumularam, dos desencantos de quem estudou e não vê no seu País saída para a sua vida.
Há uma saída massiva de gente de que o País precisa e de que não devia prescindir, em geral, para países que, sem investimento e a custo zero, nos levam o melhor recurso que temos e nos deixam ainda mais pobres.
Dizem-nos que o desemprego está a recuperar; nós dizemos que, assim, com esta política de esvaziamento demográfico, a saírem do País 350 portugueses por dia, como está a acontecer, até a taxa zero de desemprego é possível.
Sob o enganador manto da propaganda da equidade, temos uma política apostada na concentração da riqueza e em naturalizar as relações de exploração do trabalho sem limites, como forma suprema de organização social.
Uma política apostada na construção de um modelo de subdesenvolvimento económico e social assente em baixos salários e com ausência de direitos, como comprova o facto de, em três anos, ter duplicado o número de trabalhadores a ganhar o salário mínimo nacional, cada vez mais desvalorizado, tal como o salário médio, devido à sistemática alteração das leis e condições de trabalho e como o evidencia a proposta do Governo que visa golpear a contratação coletiva por via da aceleração da sua caducidade, num processo que retirou milhões de euros aos salários para entregar uma parte substancial ao capital.
Não me respondeu o Sr. Primeiro-Ministro, mas eu digo-lhe: foi com cerca de 3000 milhões que os trabalhadores contribuíram para engordar e safar o capital que se tinha metido em alhadas.
Esta é a real situação de um País governado por uma coligação que se rege por uma «Constituição sombra» e em confronto com a única constituição legítima que devia ser respeitada e não é, a Constituição da República Portuguesa.
Também no plano económico e financeiro o País segue o caminho oposto ao da tão proclamada recuperação. É assim com a dívida. O País continua a afundar-se sob o peso de uma dívida insustentável, que impede o desenvolvimento e o crescimento económico, com um novo máximo histórico acima dos 130% do PIB. É assim com a economia e com o regresso a níveis negativos neste primeiro trimestre de 2014.
O que o pacto de agressão era suposto resolver e tanto serviu para o justificar, o défice e a dívida, permanecem para continuar a fundamentar novas investidas contra o povo e o País. Esta política, além de injusta, no plano social, tem pés de barro.
Afundaram o mercado interno e com ele arruinaram a vida de milhares de pequenos e médios empresários e agricultores, em nome do porta-aviões das exportações que não levanta ferro porque o País está sem rumo e atolado nas águas estagnadas de uma economia rastejante, submetido ao domínio dos grandes interesses económicos e financeiros.
Esta é outra realidade que define a situação do País: a existência de um Estado dito regulador e independente na aparência mas, efetivamente, capturado pelo polvo dos grandes interesses, cujos tentáculos se estendem pelos principais centros da decisão política.
O que se passa com o Banco Espírito Santo e o que a sua crise revela, como já o havia mostrado os casos do BPN, do BPP, do Banif, do BCP, não são apenas práticas obscuras de manipulação de contas e do mercado ou de fuga e evasão fiscal, com a passividade do Banco de Portugal nas ligações tentaculares de domínio económico e político, numa inadmissível promiscuidade para obter apoios públicos, perdões fiscais e toda uma panóplia de benesses e favorecimentos para os seus negócios.
Pelo silêncio de anos e anos e de tão fundas e estreitas relações, os partidos do arco da governação bem podiam passar a ser chamados do arco da banca, depois de terem sido do arco da troica.
Estes são acontecimentos que dão razão à insistente exigência do PCP de pôr a banca comercial sob controlo público ao serviço do País e não desta ou daquela família ou de grupos de acionistas.
E não repitam os episódios do BPN e do BPP, nacionalizando apenas os prejuízos, mas fazendo um controlo público efetivo!
O Sr. Primeiro-Ministro está a rir-se?
Ainda há pouco mais de um mês dizia que estava tudo bem no BES, que não precisava de ajuda, não precisava de qualquer intervenção, estava tudo regulado e agora ri-se perante uma situação que está cada vez mais complicada?! Sr. Primeiro-Ministro, tenha sentido de responsabilidade, porque estamos a falar de um caso sério que pode custar muito aos portugueses.
Semearam a ilusão de uma mudança com a saída da troica, mas o que reservam para o futuro está já desenhado pelo Banco de Portugal para os próximos cinco anos e antes anunciado por Cavaco Silva para os próximos 20.
É a eternização da política de austeridade e a concentração da riqueza, uma política que fecha as portas à esperança. Não há futuro com este Governo do PSD/CDS e com um Presidente da República que, abdicando da defesa da Constituição, fez da política de empobrecimento também o seu projeto para o País.
O estado de degradação económica, social e política a que chegou o País e o futuro sombrio que se perspetiva para os próximos anos apelam à rutura e à mudança. Há soluções. O País não está condenado a seguir este rumo de afundamento nacional.
A saída desta situação não se resolve com o consenso entre as forças que conduziram o País ao precipício. Esta é a falsa saída para mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.
A saída exige rutura com as políticas hoje seguidas, exige uma política patriótica e de esquerda como a que o PCP defende e de um Governo que a concretize.
Uma política que dê cumprimento ao projeto de progresso e justiça social que a Constituição da República Portuguesa consagra e tendo presente os valores de Abril.
Para terminar, deixe-me que lhe diga, Sr. Primeiro-Ministro, que, quando o PCP dá voz aos que nunca conseguem chegar aqui para se fazerem ouvir, fazemo-lo não para capitalizar mas porque queremos estar do lado certo, do lado dos que menos têm e menos podem, dos que estão a ser agredidos nas suas vidas por esta política e este Governo.
É, porventura, mais fácil e rentável estar do lado dos poderosos; é esta a vossa opção — eis a contradição insanável que existe entre nós, a razão das nossas divergências.