Sem surpresa, este voltou a ser um orçamento para a cultura de casas decimais.
Mas por trás dos números há sempre realidades e significados.
Significados e consequências muito concretas nas vidas de quem vive neste país, se falarmos de um orçamento do estado.
E neste caso há milhares de trabalhadores da cultura, há tantas estruturas de criação, equipamentos públicos, infraestruturas, como há um serviço público, uma função social, um direito constitucional a criar e usufruir de cultura, que continua reduzido a muito pouco.
Há números que são por natureza solitários, mas estes que o governo traz ao país não precisam de ser números primos, porque são os números de um sector abandonado, como abandonada está a ideia de uma estratégia ou de um serviço público para que a cultura seja realmente democrática.
O que os números deste orçamento nos dizem é que para o governo a cultura é uma actividade acessória na sociedade que o PS quer.
E os seus trabalhadores devem assumir o risco de trabalharem neste sector. Para o PS “não é desejável” acabar com a precariedade no setor da cultura, como aliás assumiu o sr. ministro.
Para sobreviver nesta área o governo entende que deve funcionar a lei do mais forte, ou antes, do mais rico e isto mata a diversidade, a liberdade do sector e faz com que a cultura não chegue a todo o território e a toda a gente.
Porque para quem trabalha no setor da cultura, é desejável ter um salário, ter maneira de sobreviver. É desejável que as estruturas contem com estabilidade no financiamento.
Mas o que se viu nos últimos dias foi que o PS finge não não conhecer a difícil realidade do setor e, auxiliado muitas das vezes pelos partidos à sua direita, chumbou as propostas que aqui trouxemos. Apoio aos cineclubes, às orquestras regionais, à criação literária, à atividade circense.
Rejeitou o alargamento do Programa Garantir Cultura e o seu reforço, para que ele cumpra com o objetivo e chegue de facto ao tecido cultural. Chumbou medidas de emergência para o património cultural, chumbou a abertura de um novo programa de apoio aos museus.
Rejeitou um plano nacional de trabalhos arqueológicos.
Rejeitou a contratação de trabalhadores para as estruturas públicas.
Como revelou que a sua preocupação com as novas gerações está também à volta de zero vírgula qualquer coisa, quando rejeitou a proposta do PCP para que todos os jovens entre os 12 e os 25 anos pudessem aceder ao Programa És.CULTURA’18, tendo acesso gratuito a equipamentos e atividades culturais.
Mas senhores deputados,
Este parlamento vai a tempo de emendar a mão, vai a tempo de corrigir as suas contas, porque ainda pode aprovar propostas de reforço de Verbas para a Direção geral do património, para a cinemateca, para o Instituto do Cinema e do Audiovisual, para a DG Artes.
Este parlamento, esse número de deputados que constitui uma maioria absoluta, pode ainda aprovar a duplicação da dotação inicial do Orçamento da Cultura, com o objetivo de alcançar um patamar mínimo de 1% do Orçamento do Estado para a Cultura.
Aliás, nem se pode dizer que este Assembleia não compreende a importância deste 1%, porque aprovou uma resolução (com origem num PjR do PCP) exatamente para atingir 1%.
Em bom rigor trata-se apenas de cumprir com uma Resolução da Assembleia e ir ao encontro das expectativas do sector.
Sem financiamento não há presente e futuro. Sem mais do que zero vírgula qualquer coisinha, não há estratégia para além da degradação do que há e dos concursos que excluem projetos necessários e importantes.
Sem financiamento não é possível um serviço público porque não se reconhece o interesse coletivo da cultura, a universalidade, proximidade, transversalidade ao território, a regularidade e continuidade, a participação e gestão democrática.
Está nas vossas mãos provar que não olham para a cultura como adorno, reduzida às indústrias do entretenimento, mas sim como elemento da democracia. Porque não há contas que batam certo sem desenvolvimento, realização humana e democracia cultural.