Estimados amigos,
Queridos camaradas,
Representantes de diversas instituições aqui presentes,
Minhas senhoras e meus senhores,
Entendeu o Partido Comunista Português oferecer à cidade de Lisboa um mural de azulejos alusivo ao quinquagésimo aniversário do 25 de Abril.
Se há uma primeira palavra que é devida, pela cidade de Lisboa, ao PCP, ao Miguel Januário e a todos e a cada um dos 924 obreiros deste mural, essa palavra é: obrigado.
Um agradecimento devido por um gesto de uma enorme generosidade e cheio de significado.
Esta será certamente uma das mais impressivas e perenes marcas que Lisboa guardará da passagem destes 50 anos.
Se, por si só, isto já não é coisa pouca, dizê-lo assim não esgota o significado desta obra.
Lisboa foi e para sempre há de ser a cidade de Abril. Foi “o palco da hora que libertou um país”.
Nas ruas de Lisboa, os heroicos capitães de Abril concretizaram a aspiração de todo um povo, culminaram a sua corajosa luta de décadas, pondo fim à mais velha e longa ditadura fascista da Europa. Este mural também serve para que ninguém esqueça.
Nas ruas de Lisboa, nesse mesmo dia, o levantamento militar foi apoiado por um poderoso levantamento popular exigindo que se cumprissem a liberdade e a democracia. Este mural faz ecoar essa exigência.
Cinco dias depois, as ruas da cidade voltaram a ser o palco da vontade popular – no primeiro Primeiro de Maio, jornada de festa e de futuro.
Foi essa vontade popular, feita torrente que estanca a sede de uma espera, que marcou os meses que se seguiram.
Nas freguesias de Lisboa, nos bairros, nos pátios e vilas operárias, o povo fervilhou de alegria, de entusiasmo, de determinação, de organização e capacidade de trabalho. Este mural é uma outra forma de dizer cada uma destas palavras.
O povo não ficou à espera, tornou-se protagonista. Elegeram-se comissões administrativas democráticas em substituição das juntas de freguesia fascistas. Constituíram-se mais de uma centena de comissões de moradores. Criaram-se cooperativas de habitação. Para muitos, nasceu a esperança de pela primeira vez virem a ter uma casa.
O esforço de cada um ganhava redobrado sentido quando transformado em esforço coletivo. Parece que estamos outra vez a falar do nosso mural.
A Constituição da República Portuguesa – redigida, aprovada e celebrada em Lisboa – veio a acolher e a consagrar o que o povo exigira e garantira nas ruas. Deu corpo às conquistas de Abril. Transformou a esperança em projeto. Este nosso mural irradia esperança e projeto. Um projeto ainda por cumprir.
Talvez as paredes não tenham ouvidos, como dizem. Mas que falam, falam. E esta parede irá doravante fazer ressoar pelas ruas de Lisboa a mensagem mais importante que aqui nos junta a todos: cumprir.
Palavra que é mais do que um ajuste de contas – justo e necessário – com o passado. Acima de tudo, esta palavra aponta um caminho de futuro. Um caminho onde se projetam todas as lutas que percorreram e percorrem as ruas de Lisboa com esta exigência.
A cidade de Lisboa é, ela própria, espelho do muito que de Abril está por cumprir.
Da rua à casa, do trabalho ao lazer, da cultura à participação popular.
Por isso ganha redobrado sentido que este mural transporte para a rua de Lisboa, também ele, esta inapagável exigência: cumprir!
Cumprir Abril, cumprir a Constituição! Cumprir o direito à cidade!
Para uns será incentivo a que prossigam a luta de sempre, ainda com mais força.
Para outros, será libelo acusatório – por tudo o que fizeram para que Abril não se cumprisse; por tudo o que não fizeram para que Abril se cumprisse. Será também um aviso: o povo que fez de Lisboa a cidade de Abril aqui está e estará, para fazer com que esse Abril se cumpra. Lembrando o poeta, só nos faltava agora que assim não fosse…
Aqui está “a esperança que não fica à espera”.
Os obreiros deste mural não ficaram à espera. Transformaram o direito à criação e à fruição culturais em realização concreta. Dignificaram o espaço público. Democratizaram a rua. Num certo sentido, devolveram-na ao povo, abrindo horizontes para lá dos painéis publicitários, das lojas e esplanadas turísticas, do consumo seleto da cultura por uma elite privilegiada. O horizonte da cidade bela, justa e democrática – a cidade de Abril.
Por isso termino como comecei: obrigado ao PCP e a todos e a cada um dos construtores deste mural.