A vida real das crianças e das suas famílias não é um tema que esteja na ordem do dia mas é uma questão central para uma alternativa patriótica e de esquerda.
As crianças são o grupo etário em que o risco de pobreza é maior. Esse facto bastaria para acender todas as campainhas: crianças que crescem em contextos de pobreza, não têm o desenvolvimento integral que todas merecem e que um país com futuro precisa.
Este facto, por si só, é esclarecedor de até onde a política de exploração e empobrecimento nos trouxe. Os pais das crianças são as novas gerações de trabalhadores entre os 25 e os 50 anos, afectados em cheio pelos baixos salários, pela precariedade, pela desregulação dos horários.
As crianças conhecem e interiorizam os problemas das famílias, e a angústia que a instabilidade causa. Todos os estudos demonstram que as crianças estão a sofrer com os horários desregulados impostos aos pais. Passam tempo de mais na escola desde os poucos meses de vida, dormem de menos, brincam de menos, estão tempo a menos com as famílias ou ao ar livre.
Os que lamentam a pobreza infantil e criticam os pais – e sobretudo as mães! – por deixarem os filhos tempo de mais ao cuidado de instituições não atacam a raíz do problema.
O que as famílias com crianças precisam não é de caridade nem de creches abertas 24 horas: precisam de emprego estável e com direitos; do aumento geral dos salários, a começar pelo mínimo para 650 euros em Janeiro; precisam que o horário de trabalho reduza para as 35 horas e que acabe o regabofe da desregulação dos horários; precisam de um plano para erradicar a precariedade; precisam que aumente o tempo das licenças de maternidade e paternidade e que se respeitem e alarguem direitos como a amamentação, a aleitação, a assistência familiar.
Ter filhos é evidentemente um projecto de vida, que não pode ser imposto a ninguém. Mas também cumpre uma função social, que deve ser apoiada.
Quem tem filhos hoje fica praticamente por sua conta e risco. É verdade que o nosso país tem índices notáveis na qualidade dos cuidados de saúde garantidos às grávidas e aos bebés, que só uma conquista de Abril como o Serviço Nacional de Saúde pode prestar.
Mas depois do nascimento os obstáculos acumulam-se: quase mil bebés nascidos este ano não têm médico de família. Quem tem direito ao abono, mesmo ao pré-natal, espera às vezes mais de cinco meses para começar a receber. Não há uma rede pública de creches e as famílias vêem-se empurradas para situações que não desejam, sejam amas ilegais ou creches privadas a preços proibitivos. O filho de um casal que ganhe o salário mínimo nacional cada um fica excluído do apoio da acção social escolar.
A teoria do Estado mínimo foi aplicada à infância com especial brutalidade. Três exemplos apenas: só em 2006 encerraram dez maternidades. Só entre 2010-2011, o abono de família foi roubado a 444 mil crianças. Quase 4 mil escolas do 1.º Ciclo foram encerradas desde 2005.
Grande parte dessa ofensiva foi travada com a derrota do Governo PSD/CDS em 2015. Nestes últimos anos foi possível dar passos significativos no apoio às famílias com crianças: o Pré-escolar público foi alargado às crianças de quatro anos, avançou-se na gratuitidade dos manuais escolares, os montantes dos abonos de família foram valorizados. Em todos estes avanços, a marca do PCP está lá.
Educação, Saúde, Segurança Social, são funções sociais do Estado que têm um papel decisivo na vida das crianças e das famílias que são responsáveis por elas.
A criação de uma rede pública de creches; a garantia do pré-escolar público para as crianças a partir dos 3 anos; a possibilidade de dormir a sesta no pré-escolar; o fim das AEC e a sua substituição por um plano nacional de ocupação de tempos livres; a garantia de médico e enfermeiro de família a todos os agregados com crianças; a existência de pediatras nos cuidados primários de saúde; o alargamento do plano nacional de vacinação;– são elementos de uma política patriótica e de esquerda a pensar no desenvolvimento integral das crianças.
Políticas sectoriais nas áreas dos transportes, da habitação, da cultura, do desporto, do planeamento do território, da soberania alimentar, do ambiente, têm de ter programas dirigidos à infância, à juventude, às famílias, para que verdadeiramente construamos um Portugal com futuro.
Um dos défices com que o país de confronta é o demográfico. A substituição das gerações deixou de estar assegurada desde o início dos anos 80 e, se não forem tomadas medidas para inverter a actual tendência, no longo prazo a população diminuirá.
Os estudos realizados confirmam que a maioria dos casais querem ter mais do que uma criança, apesar de a grande maioria ter apenas uma. Todos concluem que as condições económicas são as que mais pesam nessa decisão.
A política de direita é responsável pela continuada redução do número de crianças. E a situação só piorará por causa da emigração: entre 2011 e 2016, emigraram quase meio milhão de portugueses com idades entre os 20 e os 44 anos. A falta de resposta nos cuidados públicos de medicina reprodutiva não tem tido qualquer avanço.
Aumentar salários, rendimentos, apoios sociais assegura a cada um o direito, a liberdade, de decidir ter ou não ter filhos, quantos e em que momentos da vida e cria condições para ultrapassar este défice demográfico.
É necessário que o apoio aos pais e às crianças seja verdadeiramente uma política planeada, integrada, com meios, assumida como desígnio nacional. Com mais luta nas empresas e nos locais de trabalho, com um PCP mais forte, defenderemos os direitos das crianças e dos pais, construiremos um Portugal com futuro.