Intervenção de António Filipe na Assembleia de República, Reunião Plenária

No processo de liberalização dos TVDE só ganharam as multinacionais

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A Lei que criou o regime TVDE inscreve no seu artigo 31.º a determinação de que a 1 de novembro de 2021 fosse realizada uma avaliação a esse regime. Do relatório de avaliação feito pelo IMT em 2022 não resultou qualquer alteração da lei, mas devia.

A lei como está não agrada a quase ninguém: não agrada a motoristas e restantes profissionais do TVDE; não agrada ao sector do táxi; não agrada às autarquias; não agrada aos clientes nem às Associações de Defesa dos Consumidores. O modelo TVDE é o de uma “lei da selva” de motoristas e pequenos empresários a competir entre si, a destruir mutuamente a sua rentabilidade, a ser obrigados a reduzir sistematicamente as suas próprias remunerações, enquanto a multinacional retira uma renda fixa e crescente pelo acesso à plataforma digital. Não pode continuar a ser assim.

Desde o início da sua aplicação que a precariedade no sector aumentou, aumentando com ela a exploração dos trabalhadores. Esta lei provocou um aumento brutal da oferta onde existe mais procura e rentabilidade, enquanto eliminou nas regiões e períodos onde essa procura ficou colocada em causa. Como consequência, reduziram-se as remunerações e os rendimentos dos profissionais, criando-se em troca uma renda segura para umas poucas multinacionais.

As consequências de se ter chegado a dois regimes – Táxi e TVDE – para a mesma atividade económica, foram negativas, desde logo para o sector do táxi, que sofreu de uma concorrência desleal, mas também para o conjunto de trabalhadores e profissionais atraídos para o novo sector. Como é apanágio dos processos de liberalização, só ganharam as multinacionais.

Coloca-se, cada vez mais, a necessidade de acelerar a revisão do atual enquadramento legal, sendo da mais elementar prudência suspender de imediato a emissão de novas licenças ao abrigo do mesmo.

A revisão do regime de TVDE deve ter em conta um conjunto de princípios:

Contribuir para eliminar a exploração dos motoristas, pugnando por um regime legal que garanta direito a salário, rendimentos, direitos e qualidade de vida aos seus trabalhadores e a todos os profissionais do sector;

Dar às autarquias a competência para regularem a atividade, nomeadamente a de fixarem contingentes municipais ou intermunicipais;

Retirar às multinacionais os instrumentos para fazerem qualquer tipo de dumping, seja económico seja social, nomeadamente através da imposição de preços abaixo dos custos reais ou da «aceitação voluntária» de descontos obrigatórios pelos operadores e trabalhadores;

Reduzir o número de carros a operar, que estão a criar problemas graves, particularmente em Lisboa, Porto e Algarve, quer no plano ambiental, com emissões poluentes e consumos de energia e de recursos muito superiores ao necessário, quer na fluidez do tráfego em geral e dos transportes públicos em especial.

É indispensável que o processo de avaliação e revisão da lei em causa seja desbloqueado sem mais perdas de tempo; e que sejam corrigidos os graves problemas que resultaram da aplicação dessas normas e opções. Para isso, há que passar da etapa da avaliação para a etapa da alteração à lei.

Até que esse processo legislativo chegue a bom termo, é imperiosa uma intervenção do Estado, quanto mais não seja para que a situação não se degrade e não alastre ainda mais e isso exige reforçar a fiscalização, quer da atividade operacional, quer ao nível das relações laborais, mas desde logo numa moratória à emissão de licenças TVDE.

É preciso suspender imediatamente a atribuição de novas licenças, para que esta situação desregrada não se torne ainda mais grave. É essa a medida que desde já o PCP propõe com a presente iniciativa.

Disse.

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