Declaração política insurgindo-se contra o corte de verbas à Fundação para a Ciência e a Tecnologia e consequente redução de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento
Sr. Presidente,
Esta declaração política não é sobre bolsas de estudo mas, sim, sobre bolsas de investigação científica e o desmantelamento do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN).
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nem a chuva forte nem o frio gélido impediram que se realizasse, na passada terça-feira, o maior protesto de sempre, dinamizado pelos investigadores e cientistas portugueses.
Defenderam os seus postos de trabalho, lutaram e lutam pelos seus projetos, pelas suas unidades e centros de investigação, pelo SCTN, pelo desenvolvimento do País.
Aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2014, confrontámos aqui o Ministro da Educação e Ciência com os impactos de uma redução de 26 milhões de euros nas verbas da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), referentes ao montante disponível para a rubrica «bolsas de investigação». «Assobiou para o ar», o Sr. Ministro.
Agora, a publicação dos resultados do Concurso para a atribuição de Bolsas Individuais de Doutoramento e Pós-Doutoramento da FCT revelou um cenário de destruição: dos 3403 candidatos a bolsas de doutoramento só foram aprovados 298 e dos 2319 candidatos a bolsas de pós-doutoramento só foram aprovados 233.
Isto significa uma percentagem de não aprovação de 75%, no primeiro caso, e de 65%, no segundo caso.
Aliás, o número total de bolsas de doutoramento agora atribuídas — 729 — é inferior aos valores de 2002. Quanto ao número de bolsas de pós-doutoramento — 210 —, é preciso recuar a 1999.
Perante isto, mais de 5000 investigadores viram as suas vidas a andar ainda mais para trás, e os responsáveis dos centros de investigação começaram a ver o trabalho de décadas a ruir como um castelo de cartas.
Surgiram também problemas graves quanto à alteração da ordenação dos candidatos, colocando em causa o trabalho de avaliação científica dos painéis de júris.
Daí, as Associações Portuguesas de Sociologia, de Antropologia, de Astronomia, de Linguística e o Conselho dos Laboratórios Associados terem tomado posições públicas importantes.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Os resultados do Concurso Investigador FCT 2013 e, agora, deste Concurso revelam as debilidades profundas de uma política baseada em «bolsas» e «projetos» que não permite desenvolver e consolidar a base humana e material onde assenta um Sistema Científico e Tecnológico Nacional que responda às necessidades do País.
A precariedade não é cimento de qualidade. Nenhum sistema público de investigação e ciência se pode construir com base na desvalorização do trabalho, na imposição de trabalho não remunerado, na ausência de direitos fundamentais no trabalho e na vida.
Mas a verdade é que tem sido assim em Portugal: cerca de metade dos trabalhadores científicos, 25 000 investigadores a tempo integral, são precários.
São os trabalhadores mais qualificados do País mas são sujeitos à realização de trabalho não remunerado, dão aulas a custo zero, não têm direito a proteção social na doença e no desemprego, a subsídio de férias ou de Natal.
Sucessivos governos têm optado pela «bolsa» para impedir o acesso e a integração na carreira de investigação, permitindo pagar a um custo muito baixo mão-de-obra altamente qualificada, espezinhando, assim, os seus direitos fundamentais.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O investimento público em Ciência e Tecnologia registou um máximo em 2009, pese embora nunca tenha atingido 1% do PIB, como o Governo PS de então propagandeava. Aliás, a política de desinvestimento público teve início com o anterior Governo PS e regista agora um agravamento significativo da parte do atual Governo.
A despesa nacional em I&D dividida pelo número de investigadores ativos é inferior a um terço da média da União Europeia a 28 e tem regredido nos últimos anos. Mas aumentou significativamente o número de trabalhadores científicos com vínculo precário a trabalhar em I&D.
Os avanços registados no plano da investigação científica, em Portugal, devem-se, sobretudo, ao empenho e à dedicação do trabalho e esforço público que alimenta o Sistema Científico e Tecnológico Nacional, porque o esforço privado foi sempre residual.
Para que fique bem claro, o problema não é o sistema público de investigação e ciência ter investigadores a mais, que não tem, tem a menos. O problema é o sistema privado não ter investigação própria e se alimentar à custa do investimento público — esse, sim, é o problema que se coloca ao nosso setor.
O novo paradigma, anunciado pelo Governo PSD/CDS, é subordinar a produção científica e tecnológica ao mercado privado, disponibilizando a I&D nacional aos grupos económicos e financeiros para que potenciem os seus lucros à custa do Sistema Científico e Tecnológico Nacional.
Esta estratégia é inseparável do caminho de destruição das funções sociais do Estado e de concentração do financiamento público nos privados, em detrimento do desenvolvimento económico e social do País.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Da parte do PCP, tudo faremos para responsabilizar o Governo e o Ministro da Educação e Ciência pela decisão inaceitável de desmantelamento do Sistema Científico e Tecnológico Nacional.
Fazemo-lo em defesa da dignidade da vida de milhares de pessoas que trabalham neste setor, em defesa de um trabalho de décadas, e em defesa de um País mais justo e soberano que concretize os valores de Abril no futuro de Portugal.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Elza Pais,
Agradeço a questão que aqui coloca ao PSD e ao CDS. E aproveito para responder, de acordo com aquela que é a visão do PCP, para onde é que está a ir o dinheiro destinado à investigação científica, que devia estar ao serviço do desenvolvimento do País mas não está.
É que a alteração de paradigma que este Governo quer introduzir é profundamente ideológica, é entender que o Sistema Científico e Tecnológico Nacional não deve estar ao serviço do desenvolvimento económico e social do País mas deve alimentar a necessidade de os grupos económicos privados terem fontes de financiamento de investigação que servem os seus lucros e a maximização dos mesmos.
Portanto, a quebra no investimento é grave. E o PCP, aquando da discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado para 2014, disse que a redução de 26 milhões de euros no orçamento da FCT, relativamente aos valores de bolsas de investigação, teria um impacto gravíssimo na vida de milhares de investigadores e alertou o Sr. Ministro da Educação e Ciência para a necessidade de assumir as consequências políticas desta decisão.
É que o Governo, o Sr. Ministro da Educação tem estado a «atirar areia para os olhos» das pessoas, ao dizer que, agora, não estão a atribuir bolsas individuais mas estão a fazer programas doutorais. Ora, isso não é verdade! O número de programas doutorais que vão a concurso nem sequer permite chegar a 10% do valor de bolsas individuais atribuídas.
Portanto, aqui, a questão é outra, é a de perceber se o Sistema Científico e Tecnológico Nacional deve estar ao serviço do desenvolvimento económico e social do País, alavancado num sistema público de investigação, ou se deve apenas existir para alimentar os lucros dos grupos económicos e financeiros. E aí entendemos que esta é uma questão profundamente ideológica que contraria a Constituição e o papel das funções sociais do Estado, designadamente no que respeita à educação e à investigação.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Luís Fazenda,
Agradeço a questão que coloca.
Começo por referir que este processo, bem como o processo do Concurso Investigador FCT 2013, que se desenrolou em dezembro, revelou as consequências de um sistema que assenta na precariedade e na desvalorização do trabalho científico.
Importa dizer que estes trabalhadores, que são os mais qualificados do País, não têm direito ao apoio na doença, aos subsídios de desemprego, de férias e de Natal e ao ingresso na carreira e no sistema científico e tecnológico — não têm direito!—, o que tem sido impedido por sucessivos governos.
O que este Governo tem dito é que aqueles que são os mais qualificados, que são mais de 5000 jovens, não fazem falta ao País e podem emigrar, o que é profundamente negativo, pois é dizer aos jovens para desistirem do seu País. O PCP diz exatamente o contrário: estes jovens fazem toda a falta, inclusive para a definição de uma estratégia de desenvolvimento económico e social que assente na investigação e na ciência ao serviço do País, da melhoria das condições de vida, do combate à pobreza e das questões fundamentais num caminho de avanço civilizacional que este Governo tem negado.
Também importa dizer que o caminho seguido de agravamento da precariedade, do recurso a bolsas e a projetos ou, então, a programas doutorais, como agora atiram, não vai resolver o problema de fundo que se traduz na inexistência de profissionais integrados na carreira e que são sujeitos a esta arbitrariedade e precariedade de todos os anos terem de se admitir a um concurso quando suprem necessidades permanentes das instituições.
Por isso, entendemos que é fundamental não apenas a demissão deste Governo e a derrota desta política mas um caminho completamente alternativo: colocar ao serviço do País um sistema científico e tecnológico nacional que dê resposta aos seus desígnios, que cumpra aquilo que é um caminho de avanço consagrado na Constituição e que não exista apenas para financiar os lucros dos grupos económicos e financeiros.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.a Deputada Heloísa Apolónia,
Agradeço as questões que coloca.
Começo por dizer que, ao longo dos últimos anos, têm sido milhares os investigadores e cientistas portugueses que foram forçados a emigrar porque nos outros países têm condições e veem valorizado o seu trabalho de uma forma que não acontece no nosso País. Mas não deixa de ser curioso que para muitos, quando são confrontados com a pergunta «gostaria de regressar ao seu País?», a resposta imediata seja «sim, gostaria, mas se me garantissem exatamente as mesmas condições de valorização do meu trabalho».
O que acontece não é apenas uma emigração forçada dos mais jovens e qualificados do País, que com a sua formação podiam contribuir para o seu desenvolvimento, é também o agudizar desta sangria de saída de jovens altamente qualificados e a insistência no desastre de dizer que os jovens não fazem falta ao seu País.
Quanto a algumas matérias que já foram referidas, gostaria de dizer o seguinte: para o PCP é muito claro que o responsável político da decisão de redução do financiamento das bolsas da FCT e de concentração do financiamento nas empresas é o Governo e a FCT executa-a, naturalmente com critérios duvidáveis e já vários vieram contestar estas decisões. Por isso, entendemos que é fundamental derrotar esta política e colocar a ciência ao serviço do povo e do País.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Duarte Marques,
Coloco-lhe as seguintes questões: cortar 26 milhões de euros é aumentar o financiamento da ciência?
Cortar 26 milhões de euros, ou seja, 16% do orçamento da FCT referente a bolsas, é valorizar a ciência?
A importância da ciência não se revela em discursos inflamados, como o Sr. Deputado aqui fez, revela-se em opções políticas que os governos tomam, e este Governo tem tomado a opção política de desinvestimento no sistema científico e tecnológico nacional para servir um objetivo de classe, que é servir as grandes empresas multinacionais.
Portanto, o Governo deve assumir essa opção. É uma opção política daqueles que entendem que o Estado não deve estar ao serviço do desenvolvimento do País mas deve satisfazer necessidades transitórias das multinacionais internacionais para acumularem nos seus lucros.
Sr. Deputado, gostaria de lhe dar um exemplo concreto: em Portugal, a empresa que declara mais investimento em I&D é a Portugal Telecom, com 208 milhões de euros. Mas sabe quantos doutorados tem no seu quadro? Tem um investimento de 208 milhões para ter benefícios fiscais mas apresenta apenas um doutorado! O Sr. Deputado acha que é assim que se faz um caminho da valorização do sistema científico e tecnológico nacional?
O Sr. Deputado apresenta a precariedade e a alternativa à precariedade é zero. Portanto, diz: ou insistimos na precariedade ou a alternativa é o deserto. Não, Sr. Deputado, há alternativas concretas! E a alternativa concreta é acabar de uma vez por todas com a precariedade, que é injusta e inaceitável, admitir o acesso e a entrada na carreira de investigação científica e permitir aos institutos de ensino superior púbico a existência de unidades e centros de investigação que façam a contratação daqueles que há anos têm vindo a dizer que são necessários e que não têm autorização para contratar.
Por isso, temos uma visão completamente distinta daquela que o Governo tem. É que o Estado não deve servir as multinacionais, o Estado, conforme consagra a nossa Constituição, deve servir o desenvolvimento económico e social do País. Não deve ser uma opção de classe para servir as multinacionais estrangeiras, deve responder às necessidades das suas populações e é por isso que defendemos um sistema científico e tecnológico forte, público e que dê resposta a estas necessidades.
Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República
"Nenhum sistema público de investigação e ciência se pode construir com base na precariedade"
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