Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Mesa Redonda «Desporto Escolar para concretizar os direitos das crianças e dos jovens»

«É necessária a implementação de uma estratégia nacional para o Desporto, ancorada na dinamização do desporto escolar»

«É necessária a implementação de uma estratégia nacional para o Desporto, ancorada na dinamização do desporto escolar»

O Desporto Escolar é um tema que, pelos elementos que aqui vieram, mostra bem a necessidade do prosseguimento da nossa reflexão e do reforço da nossa intervenção com denúncia e com proposta para superar os problemas que se apresentam.

Esta foi uma reflexão muito útil para o nosso trabalho futuro. A todos agradecemos.

Esta Mesa Redonda, como foi sublinhado pelas intervenções, reveste-se de particular significado no contexto em que a realizamos, passadas poucas semanas do início de um novo ano lectivo.

O que por aqui passou foi a necessidade de garantir o direito que as crianças e os jovens têm à educação em todos os seus domínios, incluindo da educação física e desportiva, como um direito fundamental e uma condição determinante para a emancipação individual e colectiva da juventude, da população em geral, mas igualmente para o desenvolvimento económico e social do País. A sua concretização, visando este objectivo, é inseparável da existência de uma Escola Pública, de qualidade, para todos, inclusiva e gratuita. 

O PCP tem ao longo dos anos defendido, como está inscrito no seu Programa, “que o direito à educação e ao ensino, à cultura e ao desporto é o direito de todos e cada um ao conhecimento e à criatividade, ao pleno desenvolvimento das suas potencialidades, capacidades e vocações, a uma adequada formação cívica, direito assegurado, entre outros, por uma política que assuma a educação, a ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado do País.

Direito assente num sistema educativo e numa política que valorize a educação e o ensino público, democraticamente gerido e dotado de objectivos, estruturas, programas e meios financeiros e humanos que permitam não só a concretização desse direito como a igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativo a todos, sem excepção. 

Mas sendo a componente educativa a base neste debate falamos naturalmente também do papel e da importância do Desporto. No encontro que o PCP realizou em 1999 sobre o Desporto e que mantém uma grande actualidade, consideramos logo no seu título que ele é uma questão decisiva para a Nação.

Para o PCP a prática desportiva é um bem cultural. Uma conquista do século XX, comprovadamente benéfica para quem o pratica, desde que correctamente orientado, do ponto de vista do crescimento, da saúde, da cultura, da sociabilidade e da integração social, mas também a relação do Desporto com outros sectores de actividade social. Tudo isto faz com que desempenhe um importante papel no desenvolvimento global na sociedade.

O PCP tem colocado estas questões, avançado com iniciativa e propostas, tendo porém consciência que há um longo caminho a percorrer desde logo na necessidade da “implementação de uma estratégia nacional para o Desporto, ancorada na dinamização do desporto escolar”.

Podemos afirmar que desde há décadas que a lógica dos sucessivos Governos se sustenta num afastamento das políticas da coisa desportiva, considerando-a (como em outras áreas) da exclusiva competência do próprio indivíduo, limitando significativamente a sua intervenção nesta área, nunca tendo cumprido o imperativo constitucional que afirma esse direito de todos à cultura física e ao Desporto. Basta verificar que a verba orçamental atribuída ao Desporto é uma das mais baixas da Europa.

Nesta situação, o Desporto Escolar nunca recebeu a atenção devida como actividade de valor educativo essencial para a vida actual e futura dos estudantes, provocando graves dificuldades e levantando obstáculos a uma acção devidamente estruturada por parte dos professores de Educação Física na Escola.

A exigência de o Desporto Escolar se constituir como a “base do desporto nacional”, ou seja a resposta aos problemas do desporto, coloca necessariamente questões que aqui foram salientadas. Como foi afirmado e bem, a Escola Pública deve ser espaço de democratização e não de selecção (de atletas). Acrescente-se também que os sucessivos Governos nunca valorizaram devidamente a cultura corporal dentro da Escola. A Educação Física e o Desporto Escolar nunca foram devidamente tomados em consideração pela importância que assumem no desenvolvimento, como aqui ficou bem patente.

Ora, se é verdade que a escola é o meio absolutamente decisivo de democratização da prática desportiva, e na realidade, a estrutura social capaz de concretizar o indesmentível “direito ao Desporto” para todos, também é verdade que, para elevar o grau de praticantes e de reforço de atletas de alta competição, o processo formativo actualmente dominante tem de ser substancialmente renovado para que o respeito pelo corpo de cada aluno seja uma realidade.

Desconsiderado e desvalorizado pela política de direita seguida por sucessivos Governos, o Desporto Escolar recebe meios financeiros escassos, vive como foi sublinhado das receitas de jogos sociais, com uma significativa falta de condições  para um trabalho dos professores realmente eficaz. Trabalho esse que não é também devidamente valorizado, bem como as suas carreiras. 

O Desporto Escolar nunca integrou um número significativo dos alunos da totalidade das escolas. A percentagem de praticantes não passa dos 20% apontados actualmente pelas estatísticas do próprio Ministério da Educação, postas em causa pela realidade, porque muitas são as situações em que as inscrições não correspondem aos praticantes.

Como aqui se salientou também, o que temos assistido de facto é à desvalorização do papel do Desporto Escolar nos vários graus de ensino e à não concretização dos direitos das crianças com a ausência, na prática, de Educação Física, no 1.º Ciclo e no pré-escolar, adaptada a cada estádio de desenvolvimento.

Esta é uma orientação contida em instrumentos legais que não tem sido assumida  e pela qual nos batemos.

De facto, a situação do Desporto Escolar não pode ser dissociada da situação da educação, com a desresponsabilização do Estado, evidenciada no subfinanciamento que a asfixiou e desvalorizou.  

Um aspecto que evidencia claramente as opções das políticas de direita no que concerne à garantia dos direitos das crianças prende-se com as Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC) no 1.º Ciclo. Como aqui se chamou à atenção, também para o PCP estas constituem um sério retrocesso no que diz respeito aos objectivos colocados pela Lei de Bases do Sistema Educativo, são um passo significativo no sentido da privatização de importantes parcelas curriculares e promovem a desarticulação do sistema educativo, com consequente degradação da qualidade pedagógica. O PCP defende o fim das AEC e a sua substituição por um plano nacional de ocupação de tempos livres.

Assim, como aqui se assinalou, em vez de se assegurar no ensino obrigatório e no currículo áreas como a actividade físico-motora, a música e as expressões, remete-se para actividades extra-curriculares, de frequência facultativa e sem estrutura curricular planificada ou técnicos que as suportem. Acresce o facto de as condições a que estão sujeitos os professores, por exemplo de Educação Física, serem de profunda precariedade e baixas remunerações.

Os níveis de actividade física das crianças e dos jovens tiveram um forte decréscimo durante a epidemia de covid-19 e os sucessivos confinamentos. Recuperar o desenvolvimento motor das crianças e aumentar a prática desportiva é fundamental. 

A percentagem de população que afirma não praticar qualquer actividade física no nosso País tem vindo a crescer, sendo exemplo mais recente os dados do Eurobarómetro Especial (de Setembro de 2022) sobre a actividade física e o Desporto na União Europeia que revelam isso mesmo. Desde 2013 até 2022 aumentou em 9% o número de pessoas que dizem nunca praticar qualquer actividade, num total de 73%. 

Naturalmente estes elementos ajudam-nos a compreender melhor as consequências que a falta de actividade motora nas escolas provoca, quer nos próprios alunos que ficam limitados no seu direito e no desenvolvimento motor e cultural, quer na sociedade em geral nomeadamente para o Desporto nas suas várias fases de desenvolvimento, quer para os custos com a saúde. 

Todos estes factores evidenciam a importância que tem construir um caminho alternativo para alcançar os objectivos aqui colocados, contrariando as causas desta realidade.

A afirmação do papel e função da escola, associado às funções próprias de outras estruturas como o movimento associativo desportivo, os meios que cada um deles tem para cumprir as suas funções não está desligado da sociedade pela qual precisamos de continuar a lutar para garantir os direitos das crianças e dos jovens. Não está desligado das condições dos pais, dos seus salários, dos seus horários, das condições de transporte para garantir a mobilidade ou do direito à habitação.

Temos a noção de que nesta como noutras outras matérias é necessário romper com a ideia da inevitabilidade. Temos assistido ao anúncio de medidas que não só não respondem aos problemas estruturais e mais imediatos com que os trabalhadores e o povo estão confrontados, como prosseguem e aprofundam as injustiças e desigualdades.

A rejeição do Governo PS, acompanhado, em geral, por PSD e seus sucedâneos da IL e Chega, do aumento geral dos salários e das pensões, a transferência de encargos para as autarquias nomeadamente no âmbito da educação, a desvalorização da carreira docente, a falta de auxiliares de acção educativa, a falta de meios que as escolas têm para cumprir a sua função em plenitude, ao mesmo tempo que não combate a especulação e acumulação de lucros extraordinários, exige outra política para garantir uma escola que responda às necessidades das crianças e dos jovens.

É esta linha de actuação que continua a presidir à proposta do Governo do PS no Orçamento do Estado para 2023. No que diz respeito à educação, a despesa total consolidada recua 7,6%, passando dos 7 502,4 milhões de euros para 6 933,3 milhões. No combate à precariedade o que diz é zero e em relação a incentivos à colocação de docentes em zonas para as quais é necessário atrair professores nem uma palavra. 

Ao contrário, o que se impõe é uma outra política que, desde logo, encare o Desporto como uma área verdadeiramente integrada numa das quatro  dimensões  inseparáveis da democracia – a dimensão cultural -  e associe os meios a uma estratégia consequente, que defenda a escola pública e o seu papel, que valorize e crie condições aos professores.

A política alternativa patriótica e de esquerda que o PCP defende e apresenta tem subjacente o caminho que garanta às crianças, aos adolescentes e aos jovens um desenvolvimento integral, indispensável a um País que quer ter futuro. Garantir que crescem com curiosidade e respeito pelo mundo que os rodeia, participativos e interventivos, é um direito de cada um, independentemente das suas condições económicas e sociais, mas é também factor de desenvolvimento e emancipação para todos. Investir na saúde, na educação e na qualidade de vida das crianças é construir um futuro melhor para o País.

É esse o compromisso do PCP, procurando as melhores soluções com os contributos de quem conhece a realidade, como aqueles que aqui estão presentes, a quem, mais uma vez, agradecemos esses contributos e reflexões que nos deixaram e ajudam a dar uma melhor resposta para garantir os direitos das crianças e dos jovens do nosso País em todos os domínios.

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