Boa tarde, Colegas. Perdoem-me o atrevimento de me dirigir a vós como Colegas. Faço-o porque assumo que quem me ouve toma como objetivo comum a concretização dos direitos das crianças e dos jovens.
Imagino que, caso o veículo de concretização dos direitos fosse outro (Música, Teatro ou Dança) em vez de Desporto, o objetivo seria, igualmente, comum. Assim, o tema é um pouco de Desporto Escolar e muito de direitos das crianças e jovens.
Escola, Clubes e Federações. Três entidades diferentes cujas finalidades ajudam a concretizar esses direitos. Serão, no entanto, os objetivos de cada entidade comuns ou assumem características distintas na realidade vivida de cada uma? Se forem distintos, podem ser complementares?
Neste momento os objetivos são notavelmente coincidentes: detetar os mais dotados a partir da estruturação da base da pirâmide, e procurar especializá-los o mais precocemente possível com a ideia de os rentabilizar como “produtos” ou de ganhar medalhas.
Esta perspetiva torna-se problemática porque a visão de que o desporto escolar é a entrada das crianças e jovens numa escada rolante que sobe a pirâmide até ao pináculo que é a Federação não só está desatualizada cientificamente, como prejudica a participação desportiva ao negligenciar todos os praticantes que caem da escada à medida que esta afunila.
Verifica-se, ainda, um outro problema: as federações consideram que não lhes cabe qualquer responsabilidade com a educação dos jovens, tanto mais que a maioria dos responsáveis entendem que os valores do desporto emergem automaticamente das práticas, interessando somente o aperfeiçoamento do gesto técnico.
Os clubes seguem idêntica ideologia, a que se deve juntar a preocupação cada vez mais acentuada da mercantilização dos adolescentes com o argumento dos custos com a sua formação. Aqui, em lugar de reivindicarem meios indispensáveis para o exercício correto de uma função que deveria ser entendida como de serviço público, partilham inteiramente as preocupações mercantilistas que segregam profundamente o acesso classicista dos praticantes.
E é nessa reivindicação que se centra o próximo problema, que impede que todos coabitem em harmonia. É que as tais três entidades são tão miseravelmente tratadas, que nem têm fôlego para integrarem esforços, nem ver com a necessária clareza, que a situação atual, de facto os prejudica. Será possível, então, esperar uma harmonia de relacionamento entre todos, compatibilizando os objetivos em termos complementares?
Bem, antes de tudo é preciso definir qual é, de facto, a função de cada uma destas entidades e como se podem articular sem perder o seu valor cultural e educativo.
A Escola tem como função essencial responder às necessidades do desenvolvimento integral do indivíduo. Isto quer dizer que a questão do desporto dentro da escola é acima de tudo e antes de tudo, um problema educativo assente numa ação pedagógica e cientificamente sustentada pelas ciências da educação.
Assim, a Escola deverá assumir-se como um espaço de prática de vários desportos com momentos de treino e de competição, orientados e organizados, em termos pedagógicos, por professores de Educação Física, educadores, entendendo-se que é o educador que educa e não as atividades em si mesmas.
Mais, as preocupações da Escola, seja na educação física, seja no desporto escolar, devem intransigentemente referir-se a todos os alunos, garantindo a adesão destes a atividades adaptadas aos seus diferentes níveis de maturação, e apelativas de modo a responder às suas diferentes motivações.
Quanto ao desporto escolar, devem os educadores promover uma ação de recrutamento voluntário de todos os alunos, integrando-os diretamente no processo de organização das atividades, visando a sua formação para a cidadania e a integração social. Os comportamentos de superação ou de incapacidade de gerir o insucesso deverão ser alvo de debate nas reuniões de Conselho de Turma e integrados na preocupação da Escola de formar e desenvolver, integralmente, os indivíduos.
As Associações e os clubes desportivos deverão ser espaços de prática deliberada onde, manter o equilíbrio entre performance, participação e desenvolvimento, deverá ser uma tarefa cuidada. Muitos destes espaços correm o risco de ser vistos como degraus da escada que falávamos, sendo a performance o fator que mais atenção recebe. Esta perspetiva tende a retirar diversão da prática e a prejudicar os restantes fatores, participação e desenvolvimento, o que potencia o drop-out precoce. Esta visão integrada deve ser preocupação dos clubes e das instituições que os guiam e contextualizam.
No entanto, a criação das “escolas ou academias de desporto” nalgumas modalidades, em que a participação é paga, tem acompanhado o processo de integração da prática desportiva no mercado de consumo, fornecendo meios financeiros aos clubes para resolverem as suas necessidades, mas prejudicando a visão integrada que falei. Esta questão prejudica a participação porque coloca de fora quem não tem dinheiro, e representa uma profunda degradação do desenvolvimento, porque consiste em escolher os mais dotados, preocupados como estão com a vitória. Na verdade, aqueles que não desejam competir e “ganhar, ganhar”, não encontram aqui lugar. Fica, então, o foco na performance; e muitos dos problemas visíveis do desporto advêm daí.
As federações desportivas são criadas pelos clubes e suas associações locais e regionais, com a finalidade de promoverem a organização à escala nacional e a participação internacional, nas competições desportivas em que desejam participar. No início do século presente, as federações alcançaram o poder de orientarem, controlarem e promoverem o desenvolvimento de cada uma das suas modalidades desportivas, acentuando a sua vocação para a formação do campeão e atribuindo à escola a função de o detetar o mais precocemente possível. Não se ganha muito com isso. Não se ganha muito com a responsabilização dos professores de educação física e do desporto escolar pelo atraso do valor desportivo nacional e pela sua incapacidade de preparar a base de formação para o alto rendimento.
As Federações devem ponderar os conceitos de diversificação e especialização precoce e considerar as fases maturacionais das crianças e jovens. O trabalho integrativo não precisa de seguir o modelo da pirâmide; já percebemos que este prejudica a participação, promove o drop-out e negligencia grande percentagem de praticantes. Existem momentos na maturação dos jovens em que estes poderão escolher especializar-se no seu desporto preferido ou manter a prática a um nível recreativo.
Escola, Clubes e Federações. Entidades que devem trabalhar em conjunto no percurso da criança que inicia prática no Desporto Escolar e, quinze anos depois, chega aos Jogos Olímpicos, bem como na criança que inicia prática no Desporto Escolar e, quinze anos depois, realiza-se pessoalmente com prática regular, autónoma e recreativa. Devem trabalhar em conjunto quando um atleta necessita de condições específicas de gestão académica para enfrentar a formação de alto rendimento, bem como quando uma turma necessita de participar num evento desportivo nacional para desenvolver a cultura desportiva. E devem trabalhar em conjunto quando se torna imperativo reivindicar melhores condições para desenvolver as suas funções específicas e cumprir as suas finalidades, a concretização dos direitos das crianças e jovens