Intervenção de Alma Rivera na Assembleia de República, Evocação do Centenário do Nascimento de Natália Correia

Natália Correia é um exemplo de inconformismo e de enorme talento

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Senhor Presidente,
Senhores Deputados

Natália Correia nasceu há 100 anos na Fajã de Baixo, na ilha de São Miguel. 

É justa esta homenagem da Assembleia da República a uma personalidade de relevância da cultura e da vida política portuguesa do Século XX.

Natália Correia foi uma importante figura da poesia portuguesa, pela sua vasta obra poética e literária, que nos deixou imagens riquíssimas que perduram no nosso imaginário coletivo, mas também como divulgadora do melhor que os poetas portugueses nos legaram.

Nos dois momentos distintos em que exerceu funções como Deputada à Assembleia da República, Natália Correia destacou-se como uma parlamentar combativa em defesa da cultura e dos direitos das mulheres e foi uma personalidade que contribuiu com o seu talento poético para o enriquecimento dos trabalhos parlamentares, em intervenções marcadas não só por essa combatividade, como também pela ironia e pela beleza oratória.

Natália Correia foi uma mulher controversa e corajosa. Intransigente e provocadora, na forma como defendia as causas em que acreditava. Indomável, na forma como assumia as rupturas que entendia na sua intervenção política.

Natália Correia foi uma resistente antifascista. Perseguida pela ditadura pela sua intervenção cívica e pela sua atividade literária, enfrentou os tribunais do fascismo nos anos sessenta pela organização da antologia de poesia erótica e satírica portuguesa.

O verso que lançou contra os juízes que a condenaram: “Ó subalimentados do espírito, a poesia é para comer”, ficará como um dos gritos de alma da resistência cultural contra um regime que reprimiu a cultura portuguesa durante quase meio século.

A intervenção política de Natália Correia não foi isenta de contradições. Mesmo com os seus amigos mais próximos, teve momentos de discordâncias profundas, de discussões contundentes, de zangas, mas também de reconciliações. As posições políticas de Natália Correia, as suas atitudes, umas coerentes outras contraditórias, suscitaram controvérsia, discussão acesa, apoio e contestação, mas nunca indiferença.

As suas intervenções em defesa da legalização da IVG, da condição feminina, do investimento na cultura ou em contestação à ausência de políticas culturais dignas desse nome e de contestação à perda de soberania e de identidade cultural por via da integração europeia, ficam como testemunhos eloquentes da sua ação.

Natália Correia foi uma mulher livre. Na Assembleia da República e fora dela, nas tertúlias que promovia em sua casa ou no Botequim, esse espaço que se tornou mítico.

Natália Correia foi singular, inimitável, na sua escrita, na sua intervenção e no seu modo de estar na vida, e por isso mesmo tão marcante.

Por isso mesmo, cem anos depois do seu nascimento e 30 anos depois do seu desaparecimento físico, Natália Correia permanece e permanecerá entre nós, como um exemplo de inconformismo e de enorme talento.

Natália vive, e a sua poesia é para comer.      

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