Senhor Presidente da República, Senhor Presidente da Assembleia da República, Senhor Primeiro-Ministro, Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, Senhor Representante dos Capitães de Abril, Senhoras e Senhores convidados, Senhoras e Senhores deputados,
“Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.” É assim que no Preâmbulo da Constituição da República se descreve o que foi o 25 de Abril. Ao contrário da grande maioria dos processos democratizadores que lhe foram contemporâneos, desde a Grécia e a Espanha até à América Latina, a libertação de Portugal em 1974 da longa ditadura fascista de 48 anos foi, não uma transição mais ou menos arrancada a ferros de dentro de uma ditadura em fase degenerativa, mas uma Revolução, exatamente como são descritas as grandes mudanças políticas da modernidade, justamente porque nela se rompeu definitivamente com o passado, se abriu as portas aos anos de maior participação política e social que os portugueses alguma vez viveram e porque dela saiu uma mais arrojadas democracias do mundo, em que, em simultâneo, se rompia com séculos de sangrentas ilusões imperiais e de opressão social e política.
A Revolução portuguesa que hoje aqui comemoramos, contudo, não é feita simplesmente memória. Muito pelo contrário: quando dizemos “25 de Abril sempre!” estamos a dizer que não renunciaremos em cada dia que passa ao que se conquistou em Abril – direitos, liberdades e garantias cívicas que não aceitaremos nunca mais ver restringidas, direitos sociais como os de uma educação, um SNS e uma Segurança Social públicas, que assegurem o bem estar de todos e não apenas de alguns, como continuará a ocorrer se não cumprirmos o que acordámos quando aprovámos a Constituição de 1976. O direito a defender publicamente os nossos direitos enquanto cidadãos e trabalhadores, a nos manifestarmos livremente para o fazer. O direito a defender a paz contra a guerra, hoje como há 50 anos. O direito a dizer, hoje como então, “Fascismo nunca mais!”
Retomar a memória de uma das mais extraordinárias e generosas revoluções da história, retomar a memória da resistência e do que ela permitiu conseguir, tem hoje, em 2023, um papel muito prático: reforça a capacidade de resistência e de exigência de mudança, porque se já foi possível conseguir o que, há 50 anos, a maioria achava ser impossível ou inviável conseguir, significa que se pode voltar a conseguir o que o novo pensamento único dos nossos dias nos quer convencer ser impossível realizar.
Praticamente meio século depois do 25 de Abril e das melhores esperanças que nele depositaram milhões de portugueses, milhões de democratas por todo o mundo que sentiram a nossa Revolução como sua, a democracia está sob ameaça. Em todos os lugares, a começar por Portugal, onde reiteradamente se não cumprem as naturais, justíssimas, expectativas de quem espera que a democracia seja sempre acompanhada de bem estar e de justiça social, de direitos universais à saúde, à educação, à habitação, ao trabalho com direitos e garantias, de salários e pensões dignos, do direito a uma infância feliz longe do espetro da pobreza, a uma velhice com dignidade e qualidade de vida. Sempre que algum ou todos estes direitos se não concretizam nas nossas vidas, alimenta-se a descrença na democracia e esta estará sempre ameaçada. Sempre que o autoritarismo patronal precariza impunemente a vida de quem trabalha, chantageia os trabalhadores para impedir que se sindicalizem, que defendam, que exerçam os seus legítimos direitos, a democracia, mais do que ameaçada, é atacada. Não podemos andar a lamentar a baixa participação eleitoral e fingir não perceber a que esta se deve. Não pode quem tem responsabilidades de governo comemorar o 25 de Abril, a Revolução e a democracia e ao mesmo tempo deixar degradar a condição de vida dos portugueses depois de se terem enterrado incontáveis recursos públicos no apoio aos grandes grupos económicos e financeiros ou a cativar dinheiro do Estado, de todos nós, para lograr as chamadas “contas certas”, as mesmas que nunca estarão certas sem se assegurar condignamente o funcionamento dos serviços públicos de que se faz para todos nós a democracia no dia a dia.
A democracia está há anos ameaçada, de novo, pelo fascismo de cuja sombra nos julgávamos ter libertado por todo o mundo há 80 anos, ou, justamente, há 49 anos em Portugal. É ilusório julgarmos que o assalto da extrema-direita fascista está a fazer ao poder deixa incólume a democracia. O exemplo da luta que os democratas brasileiros tiveram de travar para, graças à extraordinária persistência humana do Presidente Lula da Silva que aqui esteve presente esta manhã, derrotar o que foi a maior ameaça, absolutamente real, contra a democracia brasileira desde o fim da ditadura civil-militar, diz bem dos perigos que a extrema-direita representa. Violência e ameaças sobre adversários políticos, ataque aos direitos sociais e cívicos, assassinato de ativistas. Importa, pois, que quando se celebra a democracia e a liberdade não se desvalorize o significado desta ameaça, trivialize a mentira, a manipulação, o racismo, o branqueamento dos crimes e da violência fascista e colonial do passado, o oportunismo descarado ao fingir defender hoje o que no passado sempre rejeitou.
Permitam-me que me dirija diretamente a todos e todas as cidadãs do meu país e a todas as pessoas que, independentemente da sua nacionalidade, aqui constroem o seu futuro. O 25 de Abril foi feito para todos nós que aqui estamos 49 anos depois. Foi feito pelos militares de Abril cansados de guerra a quem devemos o ato fundador do resgate deste país da ditadura, da guerra e do colonialismo. Foi feito por gerações de resistentes, e os comunistas em primeiro lugar, que deram o melhor de si, e tantas vezes a própria vida, para conseguir liberdade e direitos, uma sociedade justa com os valores que a Constituição de Abril consagrou. O 25 de Abril tem agora de continuar a ser feito por nós, por quem acredita nesses valores que permanecem, sabemo-lo hoje melhor do que nunca, a solução para os problemas estruturais do nosso país. As multidões saem por estes dias à rua para celebrar a Revolução fazem-no com a força inesgotável dos valores de Abril. Fazem-no recordando que não há democracia sem justiça social, exigem respeito pelos direitos dos trabalhadores, das mulheres, dos jovens, de todos independentemente da sua origem étnica e identidade de género, dos reformados que trabalharam para o bem estar das gerações que se lhes seguiram e que hoje têm direito à solidariedade de quem trabalha e ao respeito do Estado. A Grândola de Zeca Afonso, a “terra da fraternidade” onde “o povo é quem mais ordena” tem de ser cada uma das nossas cidades e aldeias de um país verdadeiramente democrático.
Viva o 25 de Abril!