Projecto de Resolução N.º 630/XIV/2.ª

Medidas para a recuperação da actividade nos cuidados de saúde primários

Exposição de motivos

Os utentes e as populações enfrentam inúmeras dificuldades no acesso aos cuidados de saúde primários. São conhecidos relatos de utentes que não conseguem marcar consultas com o seu médico de família; que não conseguem contactar telefonicamente com o centro de saúde porque as chamadas não são atendidas, devido ao elevado volume de chamadas e à falta de assistentes técnicos; que ficam horas à espera do atendimento à porta do centro de saúde muitas vezes expostas ao sol. Há utentes que têm as consultas ao postigo ou à janela ou que as consultas presenciais são substituídas por contactos telefónicos e há centros de saúde que somente atendem as situações de urgência. Há extensões de saúde que ainda não reabriram e que se mantêm encerradas.

Apesar de no início de maio ter sido decidida a recuperação dos cuidados de saúde suspensos no período inicial da epidemia, nos cuidados de saúde primários registam-se ainda muitos atrasos.

De acordo com a informação disponibilizada no Portal da Transparência do SNS, de janeiro a julho de 2020 há uma redução de 4,6 milhões de consultas médicas, quando comparado com o período homologo de 2019 (o que corresponde a uma redução de 38%) e há uma redução de 2,35 milhões de contactos de enfermagem no mesmo período (o que corresponde uma redução de 21%).

Em sentido oposto, constata-se um aumento dos contactos telefónicos, mas que não podem substituir a consulta presencial e a observação do utente pelo médico.

Compreendendo-se o adiamento de atos de saúde programados não urgentes no início da epidemia, porque era preciso organizar o Serviço Nacional de Saúde para responder a uma situação imprevista, não se entende que não se tenha retomado a atividade nos cuidados de saúde primários, quando estes são a porta de entrada no SNS. Se a porta está encerrada ou apenas entreaberta, é o acesso à saúde que está colocado em causa.

Os cuidados de saúde primários são fundamentais no acompanhamento dos doentes crónicos, no rastreio e no diagnóstico precoce. Se os doentes crónicos não são devidamente acompanhados, podem descompensar e agravar o seu estado de estado; se não há o rastreio de doenças oncológicas e o diagnóstico precoce, muitas doenças não estão a ser identificadas. Se não houver este acompanhamento, muitos utentes não têm acesso aos cuidados diferenciados, porque não há referenciação para as consultas de especialização nas unidades hospitalares.

As insuficiências nos cuidados de saúde primários decorrentes do desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde, têm dificultado o acesso dos doentes à saúde e encontramos como principais causas a falta de médicos de família, de enfermeiros, de assistentes técnicos e de assistentes operacionais; a obsolescência das comunicações instaladas que não permitem em algumas circunstâncias o atendimento em simultâneo de mais de três chamadas telefónicas ou a falta de material clínico.

A situação dos cuidados de saúde primários agravou-se nos últimos meses devido ao aumento do número de utentes sem médico de família. Segundo os dados do Portal da Transparência do SNS, no final de agosto de 2020 havia 953 mil utentes sem médico de família, quando no final de 2019 estavam registados 730 mil utentes sem médico de família. Em oito meses verificou-se um aumento de mais de 200 mil os utentes sem médico de família.

Neste período os cuidados de saúde primários e os seus trabalhadores acompanharam por contacto telefónico os doentes com covid 19 no domicílio, mas é fundamental que as extensões e centros de saúde possam recuperar a atividade assistencial, nomeadamente a realização das consultas com os médicos de família, as consultas de saúde materna e de saúde infantil, as consultas de planeamento familiar, as consultas de diabetes, os rastreios de doenças oncológicas.

O Governo definiu através de despacho os incentivos a atribuir aos profissionais de saúde pelo trabalho adicional na recuperação das listas de espera para primeiras consultas e consultas subsequentes nos hospitais e para as cirurgias, mas em relação à recuperação dos cuidados de saúde nos cuidados de saúde primários não houve decisão, não lhes atribuindo a importância na monitorização e estabilização da saúde, sobretudo dos doentes crónicos.

Entendemos que a recuperação dos cuidados ao nível dos cuidados de saúde primários não pode ficar para segundo plano sob pena de se registar um agravamento da situação de saúde de muitos utentes, porque não tiveram acesso à saúde atempadamente. É importante dar resposta aos doentes com covid 19, tal como é indispensável não é menos importante assegurar o acesso aos cuidados de saúde dos doentes com todas as outras patologias que continuam a existir.

Por isso, o PCP defende que o Governo adote um plano de recuperação da atividade dos cuidados de saúde primários e reforce o investimento a este nível.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição que adote um Plano de Recuperação da Atividade nos Cuidados de Saúde Primários, com vista à realização generalizada de consultas presenciais, o acompanhamento dos doentes crónicos e à realização de rastreios, em especial de doenças oncológicas, tendo em consideração o seguinte:

  1. A reabertura de todas as extensões e centros de saúde;
  2. A contratação de profissionais de saúde, nomeadamente de médicos e enfermeiros de família, psicólogos, assistentes técnicos e assistentes operacionais;
  3. A dotação de mais profissionais de saúde para reforçar as diversas unidades funcionais dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES), em particular as Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados, as Unidades de Cuidados na Comunidade;
  4. A contratação de médicos estrangeiros, em condições de qualidade, segurança e equidade relativamente aos médicos portugueses, a título excecional e por um período transitório, enquanto não haja condições para assegurar a todos os utentes médico de família;
  5. A promoção e valorização das especialidades médicas de medicina geral e familiar e de saúde pública junto dos estudantes de medicina;
  6. A modernização das redes de comunicações das extensões e centros de saúde, em particular das comunicações telefónicas e eletrónicas;
  7. A criação de um regime excecional de incentivos à recuperação da atividade assistencial nos cuidados de saúde primários;
  8. O alargamento do horário de funcionamento das unidades dos cuidados de saúde primários;
  9. A articulação com as unidades hospitalares para a realização de exames complementares de diagnóstico e terapêutica prescritos pelo médico de família;
  10. A aquisição do material clínico necessário para a adequada prestação de cuidados de saúde aos utentes.
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