É importante realizar estas jornadas em vésperas do início da
Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia para o qual se
anuncia um salto qualitativo importante no processo de integração
capitalista, militarista e federalista.
São claros os objectivos e a linha de conduta dos responsáveis da
União. Desde 2004 que sonhavam com o Tratado Constitucional ou a
impropriamente dita constituição. Não o conseguiram, graças às lutas
dos povos, sobretudo da França e da Holanda, que lhes colocaram um
enorme pedregulho na auto-estrada onde seguiam a grande velocidade os
interesses do grande capital europeu, cada vez mais transnacional.
Mas as potências europeias continuam com o seu objectivo de conseguir
maior poder económico e político, o que exige uma grande concentração
de poderes institucionais, cada vez menos democráticos e cada vez mais
opacos, o reforço do militarismo e dos mecanismos repressivos para mais
facilmente se impor onde for necessário, na Europa ou no mundo,
reforçando a sua aliança com a NATO e o imperialismo americano.
Até um dos estrategas da dita constituição europeia, António Vitorino,
veio dizer que o mandato da CIG, que querem acelerar, retoma 80% do
Tratado Constitucional rejeitado. É certo que foram as lutas dos povos
e as contradições entre alguns poderosos que obrigaram a alguns cortes,
designadamente do título, e ao adiamento, para 2017, da aplicação do
sistema de votação por dupla maioria no Conselho. Mas é grave que a
base de trabalho continue a ser o projecto de Tratado Constitucional
rejeitado, e que deveria ter sido completamente abandonado.
Apesar da velocidade que querem imprimir ao processo, com o anúncio,
pelo primeiro-ministro José Sócrates, do início da CIG para 23 de
Julho, teremos algum tempo para verificar como vão resolver as várias
contradições e exigências, embora, à partida, se saiba que alguns
ganhos obtiveram a Polónia, o Reino Unido e a Holanda. Como aconteceu,
anteriormente, por exemplo, com a Dinamarca, cujo povo, em referendo,
recusou o euro. Até hoje. Por isso, querem fugir a novos referendos,
por medo das suas consequências, fugindo a eventuais novas paragens no
processo de integração. Ou então, como aparecem outros a propor, se não
for possível fugir a um referendo, que se faça no mesmo dia nos 27
Estados-membros para evitar que o eventual ganho do NÃO num país não
influencie os outros, como aconteceu em 2005. São posições
inadmissíveis que demonstram o medo que as elites do poder têm do
esclarecimento pluralista e do voto dos cidadãos.
Mas, entretanto, foram avançando com o que foi possível, tendo por base
o actual Tratado, já suficientemente liberal, sobretudo após Maastricht
e Amesterdão. Nesse caminho de constantes pequenos
passos, a que Durão Barrosos chamou a Europa dos resultados, e que tem
caracterizado a integração europeia, merecem destaque algumas medidas
em curso ou já anunciadas e que, no plano económico e social, se
ancoram em cinco instrumentos essenciais: o Pacto de Estabilidade, o
Banco Central Europeu, a Estratégia de Lisboa, a PAC e a PCP, a que se
adiciona a repartição injusta e classista das cada vez mais
insuficientes verbas do orçamento comunitário.
Assim, já para a Cimeira Informal de Ministros da área social, a
realizar em 5 e 6 de Julho, em Guimarães, estarão em debate,
fundamentalmente, as questões ligadas à aplicação do método aberto de
coordenação integrado, que surgiu após a revisão da Estratégia de
Lisboa, em 2005, e teve a sua primeira aplicação nos programas
nacionais de reforma, de 2006, sobre estratégias de inclusão social,
pensões, cuidados de saúde e cuidados de longa duração a juntar às
liberalizações dos sectores onde já há directivas. A liberalização em
curso dos serviços postais e da energia, que deve estar completada até
Julho de 2007, a par da implementação da directiva dos serviços, são
pacotes que medem o grau da ofensiva contra os serviços públicos.
Agora, querem incluir a flexigurança neste processo, como é notório no
documento entregue esta semana pela Comissão Europeia. Ou seja, querem
encontrar forma de controlar o que se passa em cada Estado-Membro na
destruição das conquistas laborais dos últimos cem anos, para
fragilizar ainda mais as relações contratuais e os vínculos laborais,
alterar o tempo e a organização do tempo de trabalho, facilitar
despedimentos individuais e sem justa causa, acabar por nivelar por
baixo direitos e salários e enfraquecer a organização dos trabalhadores.
Com o pretexto da globalização e do envelhecimento da população,
pretendem que o dumping social acabe, não através da melhoria das
condições laborais nos países de direitos mais frágeis, mas pela
destruição dos direitos mais seguros nos países onde as conquistas dos
trabalhadores foram mais longe. E fica melhor explicado o empenhamento
das elites portuguesas do poder económico e político em todo este
processo de destruição de direitos, que, aliás, em muitos casos, são
candeias que vão à frente, como está a acontecer neste processo da
flexigurança.
Só que em Portugal, onde a pobreza é das mais elevadas e onde há maior
desigualdade na repartição dos rendimentos, é particularmente grave
este desmantelamento anunciado do chamado modelo social europeu e os
novos passos anunciados, através da prevista terceira versão da
Estratégia de Lisboa, em 2008, provavelmente para criar um processo de
sanções idêntico ao existente para o Pacto de Estabilidade, não se
ficando apenas pelo aprofundamento das suas orientações liberais da
revisão de 2005. Essa poderá ser já uma das conclusões do conselho
Social de Guimarães.
Na prática, com este dito novo método de trabalho MAC – método aberto
de coordenação integrada, e os tais planos nacionais de reforma, o que
se está a assistir é a uma crescente intensificação do desmantelamento
de sectores públicos, incluindo da segurança social e da saúde. De
facto, visam substituir os princípios da universalidade e da
solidariedade por um conceito de “serviço público” prestado por
diferentes entidades, com pressão cada vez maior para que possam ser
entidades privadas, embora com algum financiamento público (resta saber
que papel também vai ser definido para a economia social,
designadamente na aplicação da directiva serviços). Ou seja, trata-se
de criar novas áreas de negócios para os grupos económicos e
financeiros europeus e de colocar crescentemente o próprio orçamento de
Estado ao seu serviço, através do financiamento do dito”serviço
público” que são autorizados a prestar.
No dito mercado de trabalho, onde, depois da criação, há 10 anos, da
“estratégia do emprego” e dos seus conceitos de adaptabilidade e
empregabilidade, temos o aumento do trabalho precário e das diferentes
formas de trabalho atípicas (trabalho a recibos verde, falso trabalho
por conta própria, etc) a atingir, no seu conjunto, mais de 40% dos
trabalhadores, e a servir de pretexto para novas reformas da legislação
laboral e novos ataques aos direitos laborais.
Durante a Presidência Portuguesa, irão certamente avançar com a
definição da flexigurança e a alteração da própria directiva de
organização do tempo de trabalho, para novos desregulamentos e seu
prolongamento efectivo, incluindo a criação do novo conceito de “tempo
inactivo de trabalho”, cujo pagamento poderá variar entre zero e 100%,
dependendo da força e da luta dos trabalhadores em cada caso.
Simultaneamente com a desregulamentação dos mercados de serviços, de
capitais, de mercadorias e laborais, sempre na defesa da sacrossanta
concorrência, poderão multiplicar-se os atropelos aos direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos, intensificar-se os controlos dos
imigrantes e aprovar-se medidas cada vez mais repressivas.
Quanto ao Pacto de Estabilidade, sabe-se que está a servir para dar
apoio às políticas anti-sociais do Governo português. Actualmente,
Portugal é o único país com um procedimento do défice excessivo. Ou
seja, estamos numa situação idêntica à de 2001, agora que as grandes
potências já voltaram ao défice abaixo dos 3%. Esta situação vai,
certamente, continuar a ser a principal justificação, nos próximos
anos, para as reformas na saúde, na educação e na administração
pública, o que vai continuar a pesar na queda do investimento público.
Por outro lado, teremos a entrada de Malta e Chipre, em 2008, na zona
euro, o que terá algum impacto político, sobretudo no domínio
simbólico, por passar a contar com maioria dos Estados-membros. O todo
poderoso BCE terá cada vez maior margem de manobra para prosseguir a
subida das taxas de juro e a valorização do euro, o que são más
notícias para famílias portuguesas sobre-endividadas e as empresas com
fortes problemas de competitividade. Ora, com a revisão do Tratado, aí
está um bom momento para o PSE, que criticou o BCE nas reventes
jornadas de estudo em Portugal, alterar os seus objectivos e estatutos.
Quanto à Política Agrícola Comum, saliente-se a apresentação, pela
Comissão Europeia, a 4 de Julho, da nova proposta sobre a organização
comum do mercado do vinho, assunto que terá particular importância no
Conselho informal de Agricultura, a 18 de Setembro, no Porto e, lá para
o final do ano, o resultado do estudo que estão a fazer para justificar
reduções de quota no leite, que poderão ocorrer ainda antes de 2013,
incluídas na avaliação e possível revisão da PAC em 2008.
Ainda durante a Presidência Portuguesa, poderemos ter alguma pressão
para a discussão do futuro dos fundos estruturais, cada vez mais
ligados ao financiamento da liberal Estratégia de Lisboa e com a
tentativa de alterar os critérios de elegibilidade, visando preparar a
discussão da revisão intercalar das perspectivas financeiras em
2008/2009, que enquadrará também a revisão dos recursos próprios em
2008. É também a política de coesão que está em causa, num momento em
que as disparidades regionais continuam a agravar-se, contribuindo,
igualmente, para o aumento das disparidades sociais.
Quanto à Política marítima e às pescas é preciso também ter em conta as questões de soberania, incluindo na revisão do Tratado.
Por tudo isto, é tempo de exigir que na revisão do Tratado se criem os
mecanismos para travar esta ofensiva, para exigir uma ruptura com estas
políticas neoliberais e para dar prioridade à promoção da inclusão
social, ao combate à pobreza e às desigualdades económicas e sociais,
ao emprego com direitos, à educação pública e de qualidade, à formação
e cultura, à investigação, ao desenvolvimento científico e tecnológico
ao serviço das pessoas e, portanto, do progresso e desenvolvimento
social, o que exige a defesa de um sector público forte, dinâmico e
eficiente e o apoio à produção, de acordo com as especificidades de
cada país.
Assim, insistimos na revogação do Pacto de Estabilidade, no controlo
democrático do Banco Central Europeu, na substituição da Estratégia de
Lisboa por uma verdadeira Estratégia de Solidariedade e Desenvolvimento
Sustentável, que promova o investimento na qualidade do trabalho, na
melhoria da protecção e segurança social pública e universal, em mais e
melhores serviços públicos, incluindo a saúde e educação, em políticas
e equipamentos públicos de apoio às crianças, às famílias, às pessoas
portadoras de deficiência e aos imigrantes, na promoção da igualdade
efectiva de direitos e oportunidades, em infra-estruturas de apoio aos
sectores produtivos, na protecção do ambiente e na investigação.
Por isso, rejeitamos as propostas contidas no Livro Verde sobre a
legislação laboral e a dita flexigurança, recusamos as propostas de
novas directivas que pretendem mais liberalizações, defendemos
políticas públicas de apoio à produção alimentar, garantindo o
rendimento dos agricultores e a biodiversidade, e insistimos em medidas
que travem as reestruturações e deslocalizações industriais, garantindo
às organizações de trabalhadores o direito de intervenção decisiva em
todo o processo.
Na Presidência Portuguesa deviam estar topo no da agenda política as
questões que se prendem com a criação de riqueza para conseguir uma
produtividade acrescida, a redistribuição com a luta contra as
desigualdades em matéria de rendimento e a exclusão social, através da
luta contra o desemprego, o trabalho precário e mal pago e a as
prestações sociais baixas.
No centro das atenções deviam inscrever-se cinco preocupações fundamentais para obter maior coesão económica e social:
- travar a escalada das taxas de juro do Banco Central Europeu para
impedir o agravamento das injustiças sociais, através da alteração dos
seus objectivos e estatutos para conseguir o seu controlo democrático; - relançar o investimento público para conseguir criar mais
empregos com direitos e diminuir a pobreza e a exclusão social, o que
deveria implicar a revogação do Pacto de Estabilidade e substitui-lo
por um Pacto para o Emprego e Crescimento, para estimular o
investimento público, melhorar a sua eficácia e estabelecendo critérios
específicos de ordem económica, social e ambiental, adaptados às
necessidades particulares de cada país, dando particular atenção
às infra-estruturas básicas e de apoio à indústria e ao ambiente, à
investigação pública e à inovação, a fim de garantir os seus benefícios
para todos; - dar prioridade ao progresso económico e social, aos direitos dos
trabalhadores e das populações, o que deveria implicar a substituição
da Estratégia de Lisboa por uma “ Estratégia Europeia para a
Solidariedade e o Desenvolvimento Sustentável” que desse particular
atenção à qualidade do trabalho em todos os seus aspectos, incluindo na
luta contra a discriminação salarial das mulheres; à defesa do direito
de informação e consulta dos trabalhadores e luta contra as
deslocalizações de multinacionais; à protecção social, visando
erradicar a pobreza e combater a exclusão social, aos serviços públicos
(de propriedade e gestão públicas), para melhorar a sua qualidade e
participação democrática de utentes e trabalhadores, seja nas áreas da
educação, saúde, segurança social, água e saneamento básico, seja dos
transportes, da energia e dos correios e telecomunicações; - promover a agricultura e o mundo rural, melhorando os rendimentos
da agricultura familiar e dos pequenos e médios agricultores, dando
particular atenção à nova proposta da organização comum do mercado do
vinho, na defesa da produção portuguesa da vinha e do vinho; - promover a participação democrática dos cidadãos na vida
política, designadamente na revisão do Tratado, garantindo a existência
de referendos nacionais para a sua aprovação.
Naturalmente que também deve ser dada uma prioridade à cooperação e
solidariedade com os povos de todo o mundo, e em particular com os
PALOP, com África e a América Latina.
A alternativa que defendemos tem também de respeitar o princípio de
Estados soberanos e iguais em direitos, a diversidade cultural e o
património da língua e cultura portuguesas.