Vivemos uma época em que o peso das decisões políticas da União Europeia tem cada vez mais consequências no plano nacional. A par das políticas seguidas por sucessivos Governos e neste momento pelo Governo do PS, acentua-se o peso das decisões e políticas da União Europeia no agravamento da situação do país e na degradação da vida dos portugueses.
Agrava-se a concentração dos poderes fundamentais de decisão em centros políticos cada vez mais supranacionais e subordinados aos interesses do poder económico. A perda de soberania e de capacidade de decisão do país está directamente na origem de muitos dos aspectos do agravamento geral da situação económica e social do país.
É assim na política orçamental e económica, nas privatizações, na tentativa de avanço de uma maior desregulamentação laboral e de imposição de retrocessos nos direitos sociais. É o que cada vez mais também se verifica noutras áreas, como acontece com a progressiva ausência de políticas próprias e autónomas do nosso país em matéria de defesa e política externa, crescentemente subordinadas ao militarismo.
O PCP sempre acompanhou de perto as questões europeias, seja através da intervenção ímpar dos deputados comunistas portugueses no Parlamento Europeu, em estreita ligação com as populações e os problemas nacionais, seja na exigência, no plano interno, de um maior envolvimento das instituições nacionais na discussão e decisão das questões europeias, designadamente na Assembleia da República.
Foi com um forte impulso do PCP que a Assembleia da República aprovou uma nova lei de acompanhamento das questões da União Europeia. Foi o PCP que apresentou e agendou para discussão, em 18 de Janeiro de 2007 um projecto de resolução propondo a definição, como prioridades da presidência portuguesa da União Europeia, de questões como a revisão do Estatuto do Banco Central Europeu, a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento ou a definição de uma política marítima que respeite a soberania nacional na zona económica exclusiva.
Com o aproximar do início da presidência portuguesa da União Europeia, já se perspectivam algumas das principais questões em presença. Desde logo a tentativa de secundarizar ou esconder a continuação da aplicação das políticas do Governo a nível nacional, face à frenética sucessão prevista de cimeiras, encontros e reuniões internacionais e à pompa e circunstância que os nossos governantes procurarão atribuir ao exercício da presidência.
Por outro lado perspectiva-se a falsa ideia de que as presidências europeias tratam das grandes questões supranacionais e não das políticas que afectam os povos e em concreto o povo português. Questões como as taxas de juro e o estatuto do Banco Central Europeu, ou a insanidade da submissão ao critério rígido do défice público de economias débeis como a portuguesa, são atiradas borda fora pelo Governo.
E não se pense que não estarão em causa na presidência portuguesa da União Europeia perspectivas de novos e graves retrocessos. É desde logo a questão do novo tratado, antes constitucional, que continua imbuído da progressão federalista desejada pelo directório das grandes potências, consolidando o poder dos grandes grupos multinacionais. Sendo visíveis as dificuldades de conciliação de interesses contraditórios entre potências e o abalo causado pela rejeição do tratado constitucional nos referendos na França e na Holanda, mesmo assim se procura manter no fundamental os mesmos princípios de consagração do militarismo, do neoliberalismo e do federalismo nos instrumentos jurídicos europeus. Na realidade o tratado agora em marcha só por disfarce se intitula tratado reformador, quando melhor seria designar-se tratado retomador do derrotado tratado constitucional. E isto procurando eliminar qualquer hipótese de, no exercício dos seus direitos democráticos, os povos terem a palavra decisiva em relação ao comprometimento dos seus países nas principais opções da União Europeia.
Os directórios europeus não estão tranquilos. Mesmo com anos a fio de propaganda feita a partir da União Europeia, no plano da informação, da comunicação social, do sistema de ensino, fortemente financiada com dinheiros públicos, e que procura impor uma visão e um sentido único para a evolução da política europeia, têm receio dos povos.
Aí está por isso todo o trabalho para inviabilizar qualquer referendo digno desse nome e com possibilidade de influenciar as posições nacionais, tal como já se perspectiva em Portugal, não vá dar-se algum sobressalto que ponha em causa o que já está decidido. O Governo congratula-se com um mandato claro para a elaboração do tratado, mas quando se fala em referendo já passa a estar tudo por decidir. Trata-se da aplicação de uma concepção que tem tanto de clara como de anti-democrática: para os interesses dos grandes grupos económicos e dos governos que aplicam as políticas que os servem, a União Europeia funciona tanto melhor quanto menos interferirem os povos europeus.
Nesta presidência portuguesa outras perspectivas negativas estão em cima da mesa, como acontece com a directiva do tempo de trabalho, com a flexissegurança ou com as questões agrícolas, designadamente no sector do vinho.
São por isso muitas e boas as razões para realizarmos estas jornadas parlamentares dedicadas às questões da União Europeia e da presidência portuguesa a iniciar no próximo dia 1. Por isso procuraremos abordar nas próximas horas diversas perspectivas, quer sectoriais quer de política geral, apontando caminhos para o que entendemos devia ser a presidência portuguesa e denunciando sem hesitações os negativos caminhos em perspectiva que certamente merecerão uma forte resposta do povo português.
Sabemos que o actual processo europeu não é uma inevitabilidade; é antes uma opção deliberada de imposição de um modelo contra os interesses dos povos. É por isso que continua a ter a nossa forte oposição.