Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral, Homenagem a Catarina Eufémia

Homenageamos Catarina Eufémia e todos que lutaram pela libertação do nosso povo do odioso regime fascista – essa ditadura terrorista dos monopólios e dos latifundiários

Estamos aqui hoje em Baleizão, nesta terra de trabalho, resistência e luta, para lembrar Catarina Eufémia.

A sua vida, a sua luta, a sua coragem são exemplo, símbolo e orgulho do proletariado agrícola do Alentejo, dos alentejanos e de todo o povo trabalhador que luta por um mundo melhor.

Catarina Eufémia, militante comunista, quando tomava a frente da luta do heróico povo trabalhador de Baleizão, em greve por melhores salários e contra a exploração, foi assassinada pela repressão fascista, nesse trágico dia 19 de Maio de 1954.

É esta a verdade, e não outra.

No meio da reescrita da História e de tanto ruído, apagamento, mentira, deturpação, de tanta manipulação e brutal ofensiva ideológica, esta homenagem ganha particular significado quando acabámos de iniciar as comemorações dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril.

As comemorações populares do 25 de Abril deste ano, a jornada de luta do 1.º de Maio, pela participação, e com destaque para a participação juvenil, pela determinação e afirmação foram uma inequívoca demonstração de que os valores de Abril estão fundos na consciência e nos corações do povo português e são um guia de acção para a juventude.

Foram uma chapada de luva branca para aqueles que pensavam que podiam manchar Abril com as suas arruaças e provocações.

Pensaram mas pensaram mal, Abril está vivo, os valores de Abril estão vivos e cheios de actualidade.

Ao relembrarmos Catarina Eufémia, relembramos todas as mulheres e todos os homens que, sujeitos à dureza de vida – falta de trabalho, trabalho de sol a sol, salários de miséria –, enquanto uma minoria concentrava a riqueza do que a terra produzia, nunca se conformaram com as injustiças e se lançaram na luta pelos direitos e pela liberdade.

Homenageamos Catarina Eufémia e todos os antifascistas, muitos que deram a própria vida, outros que foram presos, torturados ou perseguidos por lutarem pela libertação do nosso povo do odioso regime fascista – essa ditadura terrorista dos monopólios e dos latifundiários.

Evocamos Catarina Eufémia, e todos aqueles que lutaram pela liberdade, pela dignidade de quem trabalha, e todos aqueles que não desistem da luta pela transformação social, pelo aprofundamento da democracia, por um Portugal de progresso e de justiça, por uma sociedade liberta da exploração.

Se hoje enaltecemos o exemplo de Catarina Eufémia, enaltecemos o exemplo das mulheres e das comunistas na luta pela emancipação da mulher.

Catarina Eufémia é também um símbolo das mulheres que ousaram dizer não às desigualdades e à total ausência de direitos a que o fascismo as procurou sujeitar.

Falar de Catarina Eufémia é falar de todos os que se dedicam e entregam à luta na defesa dos interesses da classe operária e à luta de todas as gerações de trabalhadores e trabalhadoras agrícolas alentejanos que tanto batalharam pela justiça social, pela democratização do acesso à terra, pela Reforma Agrária, pelo bem-estar do povo. 

Uma longa e heróica luta, exemplos de coragem de milhares e milhares de operários agrícolas, mesmo quando tiveram que enfrentar a repressão, a violência, a tortura e a prisão fascistas.

Uma luta que está gravada na memória do nosso povo e que faz deste Alentejo terra de resistência e luta, terra forte com gente rija que sabe bem o que custou conquistar a liberdade.

Essa luta, prolongada e dura, foi feita de avanços e recuos, de golpes duros, após os quais a luta se reerguia em cada localidade, seara ou montado. 

E foi precisamente isso que aconteceu com esse rude golpe que foi o assassinato de Catarina.

Passados oito anos a luta irrompia forte em toda a zona do latifúndio, incluindo aqui em Baleizão, essa extraordinária onda de mobilização e coragem conduziria à mais significativa vitória de sempre dos assalariados rurais durante a ditadura fascista: a conquista do horário das oito horas.

Uma conquista dos trabalhadores agrícolas, uma muito pesada derrota do fascismo.

Uma conquista da luta e da acção persistente e determinada dos muitos homens e mulheres que, como Catarina Eufémia, não temeram e enfrentaram a besta fascista.

Uma conquista do Partido Comunista Português, determinante que foi na unidade do proletariado agrícola e na organização dessa luta heróica.

Com insistência e persistência, enfrentando com coragem a repressão, a prisão, a tortura, sem desistir, foi possível conquistar o que para muitos parecia impossível.

Ensinamentos do passado para o presente e para o futuro.

Uma luta que enfrentamos hoje, naturalmente com contextos muito diferentes, mas onde se mantém a justeza dos ideais por que lutamos e o potencial transformador da luta de massas.

Isto mesmo se comprovou nos últimos tempos, com o Governo a ser obrigado a ter de tomar medidas, após expressivas e significativas lutas.

Medidas insuficientes e limitadas, que no essencial zelam pelos interesses dos grupos económicos, incompatíveis com a melhoria das condições de vida da generalidade da população. Mas que o Governo se viu obrigado a avançar.

Assim foi com as pensões, o mesmo Governo que afirmava há uns meses que aumentos seriam o fim da Segurança Social, vem agora congratular-se com aumentos. Atrasados, insuficientes, sem retroactivos, mas que só a luta obrigou a que estes aumentos se tornassem realidade. 

Será a luta que obrigará a que o Governo responda com o que é necessário, aumento intercalar e imediato das pensões em 9,1%, com o mínimo de 60 euros e com retroactividade a Janeiro. E que o aumento no subsídio de férias incida, não em Dezembro, mas em Julho.

Assim foi com os salários, o mesmo Governo que afirmava que aumentos salariais iriam contribuir para a espiral inflacionista aí está agora obrigado a reconhecer essa necessidade.

Aumento de 1% na Administração Pública, muito insuficiente, que não cobre sequer o aumento do custo de vida.

A porta dos aumentos dos salários está destrancada, agora é preciso abri-la. O que se impõe são aumentos reais para todos os salários e pôr fim à brutal injustiça que impera na sociedade.

Os administradores executivos das grandes empresas ganham 36 vezes mais do que os trabalhadores das empresas que administram.

O dono da Jerónimo Martins ganha 186 vezes mais do que o salário médio bruto dos trabalhadores dessa empresa.

Mas ainda mais escandaloso são os colossais lucros e dividendos dos accionistas apropriando-se de grande parte da riqueza criada pelos trabalhadores.

Os recentes dados divulgados pela INE demonstram aquilo que já sabíamos. Os aumentos salariais tão embandeirados pelo Governo traduzem-se numa descida real no sector público. O emprego criado está a abrandar e continua alicerçado em vínculos precários. Nada disto é novidade, antes mais uma confirmação daquilo que a maioria das pessoas confirma na sua vida do dia-a-dia.

Também com a habitação, o Governo se viu obrigado a tomar medidas.

Medidas que, para lá da propaganda e das intenções, não resolvem os problemas concretos das pessoas, das famílias, dos jovens. Protegem, isso sim, os lucros e a especulação.

O «Mais Habitação» passou rapidamente ao «Mais Transferências», mais benefícios fiscais, mais transferência de dinheiro público para sustentar e alimentar a banca e os fundos imobiliários.

É preciso pôr a pagar os responsáveis pela situação a que chegámos, pôr a pagar a banca e os fundos imobiliários e pôr o Estado a cumprir o papel que só o Estado pode cumprir.

Só neste primeiro trimestre de 2023, os maiores bancos lucraram, por dia, 10,7 milhões de euros. Não foi por mês, foi por dia! Lucros em grande medida suportados pelas altas taxas de juro nos empréstimos. Enquanto tanta gente se debate com dificuldades e tantos sacrifícios faz para conseguir pagar para manter um bem essencial à sua vida.

Ainda esta semana discutimos estas questões da habitação na Assembleia da República e aí voltámos a apresentar as nossas propostas.

Propusemos medidas de protecção da habitação, entre as quais um regime extraordinário de proibição de penhora e execução de hipoteca de habitação própria permanente. PS, PSD e IL votaram contra, Chega absteve-se.

Já no passado mês de Novembro propusemos que os lucros dos bancos suportassem as subidas dos juros. PS, PSD, IL e Chega aí estiveram, bem unidos, a votar contra.

No essencial, os suspeitos do costume, os tais que berram muito uns com os outros, unem-se para inviabilizar as soluções necessárias.

Mesmo assim foi possível aprovar uma proposta nossa de reforço de meios para o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana. Proposta que mesmo assim contou com as abstenções de PSD, Chega e IL.

Também em relação aos lucros o Governo se sentiu na obrigação de tomar medidas, para fingir que fazia alguma coisa e de alguma forma responder à justa indignação pelos lucros obscenos, obtidos à conta das necessidades básicas, das dificuldades e do empobrecimento do povo e dos trabalhadores.

Na altura alertámos para o que há poucos dias as notícias confirmaram: mesmo tendo em conta só os sectores abrangidos pela contribuição extraordinária sobre lucros avançada pelo Governo, deixando de fora outros sectores, esta é uma medida muito limitada, os seus resultados ficam muito aquém do necessário, a taxação é, face aos montantes que assumem os lucros, muito reduzida.

Medida para se fingir que se faz, protegendo no essencial os lucros dos grandes grupos económicos que se beneficiam com as dificuldades do povo e dos trabalhadores. 

Também com os preços vimos o Primeiro-Ministro a afirmar há poucos meses que a culpa dos aumentos dos preços dos alimentos era da guerra, que não podia fazer nada, era o que era.

Ora aí esteve mais uma vez a luta a mostrar o caminho, a obrigar o Governo a intervir.

E é necessário intensificar a luta, porque as medidas que tomou nada resolvem nem enfrentam o preço dos alimentos que continuam com aumentos, em média, na ordem dos 20%.

Preços que vão continuar a aumentar, e que aumentaram comprovadamente desde que foi anunciada a medida do IVA zero.

O que é preciso, como propõe o PCP, é controlar e reduzir os preços. Sem atacar a especulação, o IVA zero é um zero para quem trabalha.

Os preços continuam a aumentar e as pessoas a verem as suas vidas cada vez mais difíceis.

A luta forçará o Governo a actuar com medidas efectivas, porque não basta desacelerar o aumento dos preços, não bastam pequenos aumentos, quando o povo já não aguenta os preços que estão em vigor.

Esta semana houve quem nos tentasse convencer que a grande distribuição, afinal, foi muito injustiçada, crucificada quando até amorteceu a inflação, quando até perdeu margens de lucro.

Um insulto a todos os produtores que perderam poder de compra e viram diminuídos os seus rendimentos. A quebra no rendimento líquido das explorações agrícolas em 2022 foi de 22%. A maior desde 2011.

Mas um insulto também a todos os consumidores que viram o custo de vida e os preços a galoparem, juntamente com os lucros da grande distribuição.

A Sonae, dona do Continente, teve, em 2022, 342 milhões de euros de lucro, e 26 milhões de euros já no primeiro trimestre de 2023.

O grupo Jerónimo Martins, dono do Pingo Doce, teve, também em 2022, 590 milhões de euros de lucro, e 140 milhões no primeiro trimestre de 2023.

Que os grupos económicos não tenham tido tantos lucros como queriam, isso não é novidade. A sua gula já a conhecemos bem. Cá estaremos para os combater, a eles e a todos quantos se prestem ao papel de os proteger e defender, enquanto se aproveitam das dificuldades da grande maioria do povo para acentuar a especulação e a exploração.

A política de direita, a política dos casos, das trapalhadas e das confusões, é também a política que nos conduziu até aqui e que não dá resposta aos problemas com que estamos confrontados.

Barulho muito, mas depois no concreto, no concreto, sempre que toca a defender os interesses dos grupos económicos lá estão PS, PSD, Chega e IL todos e a favor, e sempre que se coloca os direitos e salários dos trabalhadores, lá estão eles unidos, contra.

A experiência de maioria absoluta demonstra que isto não vai lá com as opções do PS nem dos seus comparsas ao serviço dos interesses económicos.

Isto mesmo se vê em relação à corrupção, aos sucessivos e constantes casos que despertam uma justa indignação no povo e que os projectos mais reaccionários tentam explorar, sem nunca dar efectiva resposta a este problema, antes contribuindo para o defender e alimentar, com um canto de sereia que não resiste à mais singela constatação dos factos.

Não é possível combater com eficácia a corrupção e a criminalidade económico-financeira sem considerar as suas causas de fundo, sem confrontar os fundamentos de um sistema económico assente na acumulação capitalista, sem pôr em causa a natureza e papel dos grupos económicos e financeiros e os critérios da sua actuação, especialmente a sua recusa em conter-se dentro de regras que não aquelas que lhes permitam a maximização do lucro.

E este combate eficaz nenhum partido da política de direita está disposto a travar.

Alternativa, aquela que se impõe e é cada vez mais urgente e necessária, é a alternativa que o PCP propõe e está a construir com todos os que nela estão e são interessados.

A alternativa patriótica e de esquerda.

A política que se bate por um país e um Alentejo desenvolvido.

Pelo fim dos défices estruturais, nomeadamente o demográfico e o alimentar.

Pela defesa dos serviços públicos, contrariando a lógica do encerramento e investindo aquilo que é realmente necessário para fixar população.

Pela defesa da ferrovia, e a concretização plena e de uma vez por todas do plano ferroviário nacional.

Pelo aproveitamento do Aeroporto de Beja, integrando-o no sistema aeroportuário nacional.

Pela garantia de uma rede viária que dê resposta a problemas crónicos como o nunca completado IP8.

Pela criação de emprego, com direitos, para todos os trabalhadores, independentemente da sua nacionalidade, pondo fim à desumana e inaceitável situação que muitos imigrantes e outros trabalhadores vivem, nomeadamente aqui no Alentejo.

Pelo desenvolvimento da indústria e da produção nacional.

Pela recuperação da soberania.

Homenagear Catarina implica não deixar esquecer o que aconteceu, como aconteceu e os seus responsáveis.

Mas implica também ter os olhos postos no futuro, para continuar a luta por melhores condições de vida.

Recordando as palavras de Sophia de Mello Breyner, «Estavas grávida porém não recuaste / Porque a tua lição é esta: fazer frente».

Cá estamos a fazer frente à política de direita, à política dos grupos económicos, à política dos interesses da minoria que lucra com a exploração, com o ataque aos direitos laborais, com a especulação, com as dificuldades da grande maioria da população.

Cá estamos para esclarecer e afirmar a alternativa que se impõe. 

Continuando a transformar o sonho em vida. Para fazermos desta uma terra sem amos. Com confiança, com determinação.

Pelo progresso, pelos valores de Abril, pelo socialismo, pelo comunismo.

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