Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Tribuna Pública «Mais e melhores transportes públicos»

É fundamental aumentar a oferta e reduzir o preço dos transportes públicos

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Em primeiro lugar gostaria de começar por valorizar os valiosos testemunhos que aqui ouvimos a partir de quem sente na pele as dificuldades de acesso a um direito básico e essencial que é o direito ao transporte público, o direito à mobilidade. 

Sim camaradas, falamos de uma questão central para a vida das populações, para o dia a dia de centenas de milhar de trabalhadores, dos estudantes e dos reformados cuja mobilidade está hoje altamente condicionada, seja por décadas de política de direita que empurraram as pessoas para o transporte individual, pela ausência de soluções de transportes públicos  e que hoje se vêem confrontadas com os aumentos dos preços dos combustíveis, seja pelas muitas insuficiências que se continuam a manifestar  na oferta de desses transportes públicos quer nas áreas metropolitanas, quer de forma ainda mais pronunciada no restante território nacional.

Com o agravamento do custo de vida, com a subida dos preços da energia e dos bens alimentares, com o acumular de problemas na vida de milhões de portugueses, esta iniciativa que hoje aqui realizamos em Vila Nova de Gaia em torno do direito ao transporte é de uma enorme oportunidade, desde logo porque está em curso o debate em torno do Orçamento do Estado para 2023 e o PCP não deixará de confrontar o Governo, com propostas alternativas que assegurem este direito às populações.  

Para analisarmos como é que chegámos aqui, tem importância olhar para o que foram estas últimas décadas em matéria de transporte público.

A Revolução de Abril com o amplo processo de democratização que representou teve um fortíssimo impacto também nos transportes públicos. A nacionalização das empresas mais estruturantes do sector, a redução de preços, a criação do passe social, o alargamento e modernização das frotas. Avançou-se num caminho de progresso e desenvolvimento. Mas à Revolução sucedeu a contra revolução, com o grande capital à procura de recuperar o poder perdido e alargar o seu domínio. Um processo que se intensificou com a entrada na então CEE. Sucederam-se as directivas, as liberalizações, as privatizações, a crescente mercantilização, a crescente subordinação às multinacionais, o aumento de preços, o ataque ao passe social, o encerramento de serviços. Sucessivos governos do PS e do PSD revezavam-se na execução de uma política que sufocava os transportes públicos, que destruía instrumentos públicos fundamentais. Não nos esquecemos do último Governo PSD/CDS que assumiu como paradigma que os transportes públicos não eram sequer uma questão estratégica e passaram à destruição de tudo o que restava no sistema público.

Durante todo este tempo houve luta. Dos trabalhadores do sector, dos utentes, do PCP. Essa luta foi decisiva. Conseguiu travar privatizações como a da CP, que esteve com data marcada colocada por um Governo do PS. Conseguiu travar as privatizações que estavam em marcha, dos STCP aqui no Porto, da EMEF, da Carris, do Metropolitano de Lisboa. Conseguiu defender o passe social intermodal frente às sucessivas tentativas da diminuição do seu alcance. 

Em 2015, com a derrota do Governo PSD/CDS e alteração da correlação de forças na Assembleia da República, essa luta continuou e até se intensificou. E seria nessa luta e com a iniciativa e insistente proposta do PCP que se criariam as condições para avançar com um Programa Nacional de Redução Tarifária, despoletado nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, mas alargado a todo o País.

Foram avanços importantes. Trouxeram mais 30% de utentes ao transporte público, alargaram a mobilidade oferecida, reduziram as despesas de muitos milhares de famílias em muitas dezenas de euros mensais, contribuíram para a melhoria da saúde pública e do ambiente. Aliás, na altura dissemos que se houvesse uma medida que mereceria um prémio ambiental essa medida era o alargamento do passe social intermodal nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

E trouxeram outra coisa muito importante: uma compreensão mais alargada sobre a necessidade de promover os transportes públicos, de promover a sua progressiva gratuitidade, de aumentar a  qualidade, a quantidade e o seu papel estruturante na vida do povo português. Esta alteração foi resultado da luta e do combate de anos e anos do PCP sempre presente com as suas propostas que apontou o caminho. É a vontade popular que encontra espaço para avançar, expressa nos ideais de Abril, afirmando o desejo de serviços públicos colocados ao serviço das necessidades do povo português.

É importante que hoje seja amplamente reconhecida a importância de uma política de promoção dos transportes públicos para a melhoria do ambiente, para a redução do consumo de combustíveis fósseis, para a redução das importações, para a melhoria da saúde e da qualidade de vida, para aumentar os recursos disponíveis dos trabalhadores, para promover a mobilidade.

Mas o aumento da utilização dos transportes públicos e a redução do uso do transporte individual não se alcançam apenas com políticas de redução do preço dos transportes que é preciso prosseguir. Neste momento, o grande bloqueio está na falta de uma oferta com a qualidade, a fiabilidade e a quantidade necessária.

E é uma evidência que o processo voltou a patinar. Em parte, porque o PS com maioria absoluta está em melhores condições para concretizar a política de direita, ou seja, para aprofundar a submissão do País aos interesses do grande capital e às imposições da UE que prejudicam a possibilidade de resolução nacional de problemas nacionais. 

É importante, mas não basta orçamentar mais verbas para o Programa de Apoio à Redução Tarifária. É preciso voltar a dotar o Estado português dos instrumentos indispensáveis a uma resposta pública.

O Governo continua a dizer que quer reconstruir a capacidade nacional de produção de material circulante mas os concursos lançados pelo Governo não impõem a construção em Portugal, para não afrontar os ditames da União Europeia. O Governo multiplica-se em anúncios de modernização de novas linhas ferroviárias, mas a taxa de concretização é muito baixa, e essa baixa taxa de concretização está profundamente ligada à destruição da REFER, à destruição da capacidade de manutenção, construção e desenvolvimento de infraestrutura ferroviária. 

Um outro exemplo: É uma evidência que fora das áreas metropolitanas a oferta de transporte rodoviário é muito insuficiente, quase inexistente em muitos casos. A descentralização para as autarquias dessa competência não resolveu o problema, pois faltam os recursos e a capacidade técnica e operacional. E os recursos públicos continuam a ser pulverizados em centenas de concursos, construindo respostas parciais e quase sempre insuficientes, em vez de afrontar a liberalização e reconstruir um operador público rodoviário nacional, instrumento cada vez mais indispensável para não deixar as populações e as autarquias nas mãos da chantagem dos operadores dos grupos privados. 

Também podemos falar da EMEF, a antiga e actual manutenção da CP, que é um processo bem elucidativo. Foi o PS que promoveu a separação da EMEF da CP, sempre combatida pelos ferroviários e pelo PCP. O processo de privatização da EMEF, que era o seu destino assim que foi autonomizada, viria a ser lançado pelo Governo PSD/CDS e foi travado ainda com esse Governo em funções, graças à luta dos trabalhadores e do PCP. Em 2016, 2017 e 2018 o PCP reivindicou e propôs a reintegração da EMEF na CP. A que o PS se opôs em cada ano. Só em 2019 a EMEF foi reintegrada na CP. Hoje, basta ir às oficinas aqui ao lado em Guifões para se perceber o que essa reintegração permitiu avançar no processo de recuperação de material circulante, permitindo pôr a circular, ainda que de forma insuficiente comboios que estavam parados e foram recuperados. É disto que falamos quando dizemos que é preciso reverter aspectos centrais das políticas de direita para que uma política de valorização dos transportes públicos possa avançar. 

Estamos em pleno debate orçamental e não temos ilusões quanto às opções da maioria absoluta do PS e à sua convergência em aspectos essenciais com as opções de PSD, CDS, Chega e IL. Mas isso não nos impede, antes torna mais necessário intervir, quer dentro quer fora do Orçamento do Estado, com propostas que dêm expressão à política alternativa que se impõe no domínio dos transportes públicos. O País precisa e o PCP irá propor um plano para a promoção dos transportes públicos assente em dois eixos fundamentais. Estes dois eixos têm que ser implementados simultaneamente e de forma articulada. 

O primeiro eixo é o da redução progressiva do preço dos transportes públicos, assumindo como desígnio nacional a crescente gratuitidade do sistema. O PCP tomará a iniciativa de propor: 

  • A fixação do preço máximo dos passes mensais metropolitanos ou regionais em 20 euros já a partir de Janeiro de 2023;
  • A criação de um passe nacional interregional, com o valor de 40 euros, já a partir de Janeiro de 2023, dirigido às muitas ligações interregionais, particularmente com as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, e criando uma alternativa mais acessível de circulação nacional;
  • A garantia da plena intermodalidade de todos os passes metropolitanos ou regionais (acesso a todos os modos, todos os operadores e todas as carreiras da região) a partir de Janeiro de 2023;
  • Afixação, em Janeiro de 2023 e para todo o País, da gratuitidade do passe regional ou metropolitano para os cidadãos com mais de 65 anos, menos de 18 e estudantes.

Um segundo eixo é o rápido aumento da oferta. De facto, o aumento da oferta em qualidade e quantidade é essencial para que a redução no preço de acesso possa determinar uma efectiva redução do recurso à viatura da qual estão efectivamente dependentes milhões de pessoas. Isso implica, nomeadamente, um efectivo investimento na aquisição de comboios, assegurando a máxima incorporação de produção nacional e acelerando esse mesmo processo, num país que, apesar dos anúncios, não compra nem fabrica comboios há duas décadas. Uma opção que precisa de ser articulada com uma outra medida estruturante, designadamente a reconstituição de um operador público rodoviário nacional. Capacitado para responder ao progressivo e necessário aumento da oferta no todo nacional. E sim camaradas, é preciso pôr fim aos obstáculos ao funcionamento das Empresas Públicas, nomeadamente à sua contratação colectiva e à contratação dos trabalhadores necessários à resposta operacional assegurando a valorização e desburocratização do acesso à profissão de Motorista de Serviços Públicos.

Duas últimas palavras.

Primeiro, para afastar aquela pergunta que os critérios do pensamento único implantaram em tanto lado: e como é que vão pagar isso tudo? Reparem que essa pergunta não surge quando se trata de reunir, cada ano, 1,4 mil milhões de euros para entregar às concessionárias das auto-estradas. Nem quando se enviam 17 mil milhões de euros para a banca como aconteceu na última década. Só surge quando se trata de utilizar recursos públicos para resolver os problemas do povo. Pois fiquem descansados. Fizemos as contas e a gratuitidade de todos os transportes públicos no plano nacional custa muito menos e absorve muito menos recursos do Orçamento do Estado que as Parcerias Público Privadas da rodovia. 

Por fim, uma palavra para os trabalhadores dos transportes, que vejo aqui alguns. São – e têm-no sido sempre - um elemento central de uma política de promoção dos transportes públicos. A valorização dos trabalhadores é um elemento central de uma política patriótica e de esquerda que propomos ao País. Uma valorização que tem de ter reflexos no aumento dos salários e que tem que ter correspondência com uma melhoria das condições de trabalho, mas que tem que partir da compreensão que são os trabalhadores quem cria a riqueza, quem neste caso, assegura a resposta nacional às necessidades de mobilidade e transporte. 

Às populações da área metropolitana do Porto, aos trabalhadores e ao Povo português, aos que esperam e desesperam pelo direito à mobilidade, pelo direito a uma vida melhor, aqui lhes deixamos uma garantia: podem contar com o PCP. Podem contar com este Partido para dar força e expressão às suas aspirações, aos seus direitos, à exigência de um Portugal com futuro.

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