Para onde vai a União Europeia?
Para onde vai a União Europeia? Falar da União Europeia sob o prisma da economia remete-nos para os seus fundamentos. O PCP desde a primeira hora caracterizou a UE como um processo de integração capitalista, ou seja, um processo de integração moldado aos interesses do capital, das grandes empresas e em particular das grandes empresas multinacionais. Estas, sempre perceberam que os estados nacionais representam um elemento potencialmente restritivo, um obstáculo por assim dizer a sua procura incessante do lucro máximo.
A construção de áreas de integração económicas à escala internacional foi assim uma forma de contornar os espartilhos legislativos nacionais pondo em confronto padrões diferenciados em termos sociais laborais, ambientais ou até fiscais, sempre com o propósito do seu nivelamento por baixo. Não cabe aqui fazer a resenha deste longo processo de integração que dura há mais de sessenta anos. O que vos proponho é pegar em três exemplos estruturantes da actualidade que ilustram o carácter de classe da União Europeia e relativamente aos quais estão em curso várias propostas concretas de aprofundamento. Desta forma, depois de relembrar os fundamentos base, os princípios ideológicos fundacionais da UE, faremos uma incursão na União Económica e Monetária, na União Bancária e finalmente na União dos Mercados de Capitais. Com esta apresentação, ficará certamente mais claro para aqueles que ainda têm dúvidas o carácter irreformável da União Europeia. Com efeito, reformar a UE é o mesmo que reformar o capitalismo, coisa que como a realidade já se encarregou de demonstrar é uma impossibilidade..
Camaradas, nunca é demais lembrar que a União Europeia foi e é um processo de integração económica ao serviço de uma classe e que tem subjacente um posicionamento ideológico claro desde o início. Não é nem nunca foi um processo neutro. Deste posicionamento sobressai o papel central dos mercados como elemento fundamental que subordina tudo o resto. Na ideologia neoliberal, cabe aos sacrossantos ditos “mercados” a resolução de todos os problemas, sejam eles de natureza económica, social ou ambiental. A tarefa do legislador e do poder executivo passa pela promoção dos mercados e por limar tudo o que possa entravar o seu funcionamento, a começar pelo próprio estado. Desta forma poderíamos resumir a história da União Europeia à imposição das chamadas liberdades fundamentais de circulação de pessoas, mercadorias e capitais consagradas nos tratados. Em nome destas liberdades, foi criado um espaço dito concorrencial dentro da União Europeia, mas que na realidade é um espaço de domínio económico e de retrocesso social, que visa colocar trabalhadores uns contra os outros, usando a liberdade total de circulação de capitais para aumentar a exploração e fazer vergar os mais resistentes.
Foi em nome da eficiência dos mercados que se privatizaram amplas parcelas do estado em domínios fundamentais como a energia, os transportes ou a banca. Mas outros sectores estão em risco como a saúde, a educação ou a saúde onde se pretende mais uma vez satisfazer a voracidade dos grandes grupos económicos com a habitual falácia dos mercados e da iniciativa privada.
O euro exemplifica na perfeição o logro com que a União Europeia enganou e engana os povos europeus. O euro foi sempre apresentado como um meio para melhorar o funcionamento do mercado interno.. Mas o que a história nos demonstra, é que, mais uma vez, a moeda única não foi um mero instrumento monetário. Foi, antes, e acima de tudo um instrumento económico e político, altamente coercivo, desenhado para impor os interesses do grande capital, nomeadamente o grande capital transnacional, e os interesses das grandes potências capitalistas da Europa.. Ao retirar a soberania monetária aos estados nacionais, colonizando os respectivos bancos centrais e privando-nos da sua fonte de financiamento, a UE coloca os governos de joelhos perante os mercados financeiros ou a troika. A partir daqui sabemos o que aconteceu.
Neste momento, estão em curso várias linhas de aprofundamento da união económica e monetária. A criação de um fundo monetário europeu, de um ministro das finanças Europeu e a capacidade orçamental da zona euro para fazer face aos choques assimétricos constituem os aspectos principais que preenchem a agenda política no Parlamento Europeu. Todas elas aprofundam os pilares neoliberal e federalista, da União Europeia, limitando ainda mais as soberania nacionais. Todas elas reforçam a chantagem como arma fundamental para impor as chamadas reformas estruturais que bem sabemos o que significam. O próprio orçamento da União Europeia passará a estar cada vez mais implicado a este processo com a proposta de ligar a política de coesão e a aplicação dos fundos ao semestre europeu. É o cúmulo!
Passemos agora da União Económica e Monetária para a União Bancária. O PCP tem já uma análise relativamente densa sobre mais este instrumento de domínio. A União Bancária, construída sobre o escombros da crise financeira, foi apresentada com o objectivo de acabar com a injecção de fundos públicos para descapitalizar a banca e combater os bancos demasiado grandes para falir. Criou-se um mecanismo único de supervisão e de resolução com um fundo alimentado pelos bancos e destinado a ser usado para efeitos de recapitalização. Denunciámos desde logo os reais propósitos da União Bancária que visavam no essencial retirar aos estados nacionais qualquer possibilidade de intervirem nos seus sistemas financeiros. Denunciámos o carácter puramente simbólico do fundo de resolução. O resultado está aí. Os dinheiros públicos continuam a fluir para os bancos, aqui e em outros países da UE. O mecanismo de resolução confirmou-se como uma verdadeira agência de concentração bancária agravando o fenómeno dos bancos demasiado grandes para falir. Hoje o Banco Santander detém a maior rede de balcões em Portugal, tendo ultrapassado a Caixa Geral de Depósitos aquém a mesma união bancária impõe a redução de balcões e o despedimento de trabalhadores.
Hoje, ao nível da União Bancária discute-se um mecanismo de financiamento do fundo de resolução demonstrando a justeza da nossa crítica. O fundo monetário europeu é aliás apresentado com solução para este problema. Para além de reconhecer a insuficiência do actual fundo de resolução, esta nova solução abre novamente as portas para o financiamento público na recapitalização da banca, mostrando mais uma vez a completa falácia da União Bancária. Para além da questão do financiamento do fundo de resolução , esta também em discussão o terceiro pilar da União Bancária, o chamado sistema Comum de garantia dos depósitos destinado a garantir os depósitos até 100 mil euros. Camaradas, como é evidente, a generalidade dos estados membros e naturalmente em Portugal, já detém um sistema de garantia de depósitos. Dito BCE que este sistema europeu vai desligar o risco bancário do risco soberano. Mais uma intrujice! O que está subjacente a esta proposta que até anima alguma esquerda da nossa praça, é retirar mais uma parcela de soberania aos estados nacionais, para depois criar um novo instrumento à escala europeia que passará a ser mais um instrumento de chantagem sobre os povos e sobre os trabalhadores.
Finalmente, a União dos mercados de capitais. Este é um dossier mais difuso, com peça legislativas mais avulsas que pretende harmonizar as regras dos mercados de capitais nos diversos países da União Europeia. Dois exemplos, reveladores. Há escassos meses aprovou-se um regulamento que reabilita os produtos titularizados de má memória que estiveram na base da crise financeira de 2008. Como o pomposo nome de titularização simples, uniforme e transparentes, os alquimistas da finança vão poder continuar a reciclar os créditos duvidosos ou mal parados em títulos limpinhos que irão ser impingidos aos investidores mais incautos. Um segundo diploma agora em discussão, pretende criar um produto paneuropeu de pensões, destinado a alimentar a senha secular contra a segurança social pública e universal. Este produto, rotulado de Europeu, está inserido na promoção dos sistemas de capitalização individual em detrimento dos sistemas públicos de repartição. Pretendem assim desviar as contribuições dos trabalhadores para fundos de investimento onde serão investidos nos mercados especulativos. Depois da crise financeira, a besta, temporariamente adormecida, volta a atacar, apostando na amnésia alimentado pelo pensamento dominante, e contando com o seu aliado de sempre, a União Europeia e as suas instituições.
Camaradas e amigos. Neste tempo de crise da e na União Europeia, ela própria expressão da crise estrutural do capitalismo, é de grande importância reflectirmos colectivamente com todos aqueles que noutros países luta por uma outra Europa sobre a actual situação e sobre o seu desenvolvimento. Se é certo que existe aparentemente alguma desorientação no seio das instituições, com contradições entre as principais potências da União Europeia, o passado demonstra nos que, nas horas decisivas, houve sempre os consenso necessários para garantir o aprofundamento do neoliberalismo, do federalismo e do militiarismo. Neste sentido, importa continuarmos mobilizados para as lutas necessárias para dar combate à estas políticas, reforçando ao mesmo tempo o esclarecimento e a compreensão sobre o carácter irreformável desta União Europeia e a necessidade de avançarmos com um projecto alternativo de cooperação e desenvolvimento entre povos e estados soberanos.