Senhor Presidente, sr. Primeiro-Ministro, senhores Deputados,
Com a autoridade e a coerência de quem, desde a primeira hora, não alimentou expectativas, denunciou e combateu a acção do Governo e recusou qualquer cumplicidade com as suas decisões, incluindo o Orçamento do Estado, o PCP aqui está hoje a apresentar uma moção de censura com o objectivo claro de derrotar o Governo e a sua política.
Uma iniciativa que é uma oportunidade e um contributo para credibilizar a vida política nacional e é simultaneamente um factor de esperança para abrir caminho às soluções que o País enfrenta.
A vida difícil que as pessoas enfrentam exige que se trave rapidamente a política de destruição do País que está em curso e agendada por parte do Governo.
A sucessão de factos que se acumulam envolvendo membros do Governo e o próprio Primeiro-Ministro não são obra do acaso, são expressão da mistura entre funções públicas e interesses pessoais, e da confusão entre a política e o poder económico.
Que o Governo está ao serviço dos interesses dos grupos económicos, há muito que o sabíamos e temo-lo denunciado aqui várias vezes.
Não surpreenderá assim que as relações entre o poder económico e membros do Governo sejam em si mesmo hoje um factor de descredibilização da vida política nacional.
Pode e deve o Governo e o senhor Primeiro-Ministro dar todos os esclarecimentos e responder a todas as perguntas, mas daí não surgirão elementos que alterem a inevitável e urgente decisão que hoje se impõe.
Nada do que venha agora dizer alterará os factos até hoje conhecidos e que são, por si só, bastantes para concluir que o Governo não tem condições para se manter em funções.
A questão não é nem nunca foi o que o senhor Primeiro-Ministro vai fazer a partir de agora. A questão foi e é o que fez até aqui, e o que fez até aqui, como sabe o senhor Primeiro-Ministro, não podia ter sido feito. A situação em que o Primeiro-Ministro e o Governo se encontram coloca a urgência de uma clarificação.
Não fazê-lo hoje é arrastar a situação e alimentar a degradação da vida política nacional.
Para lá da gravidade dos factos, esta moção de censura não esquece a questão essencial: a política o Governo não só não resolve os problemas do País como os agrava e é hoje em si mesmo o grande foco dos problemas.
Uma política que promove o agravamento da exploração, das injustiças e das crescentes dificuldades dos trabalhadores, das famílias, da juventude, e dos reformados e pensionistas.
O senhor Primeiro-Ministro pediu clarificação, é hoje é o momento dessa mesma clarificação.
No passado sábado o senhor Primeiro-Ministro teve a oportunidade de dar um contributo para a elevação da vida política nacional, podia e devia tê-lo feito, mas não só não o fez como ignorou os factos que o envolvem, não assumiu as suas responsabilidades, fez chantagem, lançou insinuações e falou de um país que não existe.
Ao contrário do que alguns afirmaram, esses sim de forma precipitada, profundamente desorientados e presos nos seus compromissos, não foi o PCP que mordeu o isco, foram outros que caíram na rede e no truque que o Governo lançou, para garantir a todo o custo a sua sobrevivência.
O que o Governo queria, e há quem lhe tenha feito a vontade, era que todos nós nos pronunciássemos a partir dos critérios, dos assuntos e do calendário mais favoráveis ao Governo.
O Primeiro-Ministro acenou com uma moção de confiança que não apresentou porque não quis nem tinha a ideia sequer de apresentar.
O que lhe sobrou nos truques de linguagem, faltou-lhe na coragem e na transparência.
Mas bastou esse aceno para que muitos tivessem escorregado na manobra e de imediato se enrolassem em tacticismos.
Perante o truque, ou se cedia ou se enfrentava e a resposta do PCP foi rápida e clara.
Não andamos a brincar à política, brincar à política é brincar com a vida das pessoas.
É para as pessoas que queremos uma vida melhor, para os trabalhadores que põem o País e a economia a funcionar, esses que trabalham por turnos, horários nocturnos, com horários desregulados, na precariedade, com salários que não dão para as suas necessidades. Uma vida melhor para osaqueles que trabalharam uma vida inteira e que têm direito a uma reforma com dignidade, para os jovens que têm o direito a viver e a trabalhar no seu País, para as crianças que precisam de direitos para crescerem saudáveis e serem felizes.
A moção de censura que apresentamos é um factor de esperança para toda essa gente e um instrumento de confronto com a sua política de exploração, injustiça e desigualdade.
Um instrumento de confronto com uma política que submete os interesses nacionais às imposições da União Europeia. Que prossegue e acentua os baixos salários e pensões; o aumento dos preços de bens e serviços essenciais, desde logo dos alimentos e da energia; o aprofundamento das dificuldades no acesso ao Serviço Nacional de Saúde; a falta de recursos materiais e humanos na Escola Pública; as crescentes dificuldades no acesso à habitação; o desinvestimento nos serviços públicos; a desvalorização das micro, pequenas e médias empresas.
Esta é uma moção de censura de confronto com uma política que desce o IRC para as grandes empresas; dá cobertura ao assalto de recursos públicos pela multinacional Vinci; incentiva a especulação imobiliária, desde logo com as alteração em matéria de política de solos.
Todas e cada uma das razões que levaram o PCP a apresentar uma moção de rejeição ao Programa do Governo, aí estão hoje em evidência.
O País real é o País das dificuldades crescentes no acesso ao SNS, da falta de médicos, enfermeiros, auxiliares, professores, e tantos e tantos outros profissionais nos serviços públicos, o País real das profissões e carreiras desvalorizadas, da precariedade, do mês cada vez maior para os salários e pensões, dos jovens que não encontram no seu próprio País as condições para cá ficarem, da exploração de quem procura o nosso País para trabalhar, do drama do acesso à habitação, das milhares de crianças na pobreza.
E é este o País real que se confronta com esse tal Portugal da propaganda e da falhada ideia de que o País está melhor, a vida de quem trabalha é que não.
Esse tal País melhor que passa ao lado da maioria mas que é um verdadeiro paraíso para esse punhado de grupos económicos que não pára de amassar lucros e apropriar-se cada vez mais da riqueza que é produzida por quem trabalha.
A questão que se coloca é a de saber e decidir quando se trava isto.
É hoje que se trava ou quando se consumar o assalto aos fundos da Segurança Social?
É quando se tentarem concretizar ainda mais alterações negativas à legislação laboral, mais horas e mais tempo de trabalho, mais precariedade, mais exploração?
É quando for entregue a TAP, inserida que está numa extensa lista de privatizações?
É quando se renovarem as desastrosas Parcerias Público-Privadas rodoviárias ou se concretizarem as da saúde?
É quando o SNS estiver completamente desmantelado?
É quando o drama do acesso à habitação assumir proporções ainda maiores?
É quando as propinas forem aumentadas, os investigadores despedidos, é quando se concretizarem mais cortes na saúde, nos salários, nas pensões, na cultura, para transferir mais meios e recursos para a guerra?
O momento de travar promiscuidade e submissão é quando a vida política, económica e social estiver lainda mais degradada e o plano dos grupos económicos e das multinacionais estiver concretizado, ou é agora?
Hoje é o dia para travar este caminho de desastre e fazê-lo só depende da decisão dos deputados que aqui estão sentados.
A moção de censura do PCP é a oportunidade, para travar agora a política que aí está e credibilizar a vida política nacional. Uma oportunidade para pôr fim à actual crise governativa.
Inviabilizar esta moção é prolongar e acentuar essa mesma crise e instabilidade política, e na vida de milhões de pessoas.
Senhor Primeiro-Ministro, o seu Governo está derrotado, isso hoje é uma certeza.
O que falta saber é se há hoje a responsabilidade e vontade de confirmar esse inevitável desfecho ou se há quem opte por salvar o Governo, dar-lhe condições para continuar a prolongar a sua acção, atolando o País na degradação da vida política nacional e acentuando as dificuldades da maioria do nosso povo.
Cada um tem de assumir responsabilidades. Quem optar por não votar a favor da moção de censura terá de responder por isso e ficará associado ao mais que certo desfecho de toda esta situação, ou se condena o Governo e a sua política ou se lhe dá a mão e o salva.
Este não é o tempo para calculismos, não é o tempo para jogos de sombras, não é o tempo para vitimizações, e que ninguém pense que não ficará manchado e que passará nos intervalos da chuva perante a situação com que estamos confrontados. Este é o tempo de travar o Governo e a sua política.
“O povo não quer eleições” dirão alguns, mas o que o povo não quer mesmo é viver cada dia com mais dificuldades, o que não quer é assistir a uns poucos a enriquecerem às suas custas.
Travar a degradação da situação nacional, abrir o caminho para uma política alternativa que responda aos problemas da vida, que responda à exigência de progresso e desenvolvimento do País: este é o caminho que os trabalhadores, as populações e os jovens estão, com a sua luta e a sua força, a tomar em mãos.
O desfecho deste debate não alterará essa exigência e necessidade, que mais cedo que tarde se irá impor.