Projecto de Lei N.º 517/XIV/2.ª

Estabelece o regime de recuperação do controlo público dos CTT

Exposição de motivos

O Serviço Postal Público continua a degradar-se. O Governo tem assistido passivamente a essa degradação, apesar do aumento das reclamações e denúncias das populações e muitos autarcas e dos sucessivos alertas das Organizações Representativas dos Trabalhadores e da própria ANACOM.

A Assembleia da República realizou um conjunto de audições que tornaram ainda mais evidentes essa degradação e as consequências da exploração capitalista deste serviço público. Cabe agora à Assembleia da República tomar a iniciativa legislativa para resolver este problema retomando o controlo público sobre os CTT.

Os Correios são um instrumento insubstituível para a coesão social, económica e territorial devendo contribuir, decisivamente, para o desenvolvimento harmonioso do país. Em vez de serem uma empresa para garantir lucros e dividendos aos seus acionistas, como tem sido a lógica dos seus donos atuais, os CTT-Correios devem prestar um Serviço Público de qualidade e sem discriminações. Devem estar, efetivamente, ao serviço do país e das populações, da economia nacional e do desenvolvimento, com uma gestão económico-financeira equilibrada que invista na inovação tecnológica com vista à melhoria das condições trabalho e da qualidade do serviço que presta.

Com o aproximar do fim da concessão, e face ao crescente descontentamento popular, a Administração dos CTT sentiu necessidade de montar uma operação de propaganda, procurando esconder a realidade atrás de uma cortina de fumo.

Por um lado, travou o processo de encerramento de Estações (e até o inverteu pontualmente, reabrindo 16 das 33 Estações que se comprometera na Assembleia da República a reabrir, cerca de 10% das estações encerradas com o processo de privatização), mas, por outro, sob a capa de um pretenso plano de modernização e investimento, tem vindo a agregar diversos Centros de Distribuição (CDP) fazendo deslocar por conta própria centenas de trabalhadores para dezenas de quilómetros de distância das suas residências e criando condições para que a distribuição do correio seja feita ainda mais tarde e degradando ainda mais a já péssima qualidade de serviço. São já várias as sedes de concelho que deixaram ou vão deixar de ter um CDP próprio fazendo com que o correio seja distribuído a partir de localidades situadas, em muitos casos, a mais de 30 kms.

Como tem sido denunciado pelas Organizações Representativas dos Trabalhadores, acumulam-se nas Centrais de Tratamento e CDP centenas de milhares de correspondências.

Em vez de, efetivamente, resolver o problema, a administração lançou um conjunto de informações falsas, mas amplamente promovidas pela comunicação social, visando dar a ideia de estar a tomar medidas para a sua resolução. O caso mais evidente foi o anúncio da contratação de 800 trabalhadores, que fez capas de jornal em Abril deste ano. Um número que as contas do primeiro semestre de 2020 rapidamente desmentiram, indicando que, em vez das propagandeadas admissões, tinha havido, de facto, redução de 536 trabalhadores num ano.

A situação só não é pior graças à enorme dedicação e esforço estoico dos trabalhadores que têm levado a efeito inúmeras ações de luta, reivindicando a admissão de mais trabalhadores e a melhoria das condições para acabar com a sobrecarga a que estão sujeitos e poderem prestar um serviço de melhor qualidade.

O controlo do cumprimento dos indicadores de qualidade divulgados pela ANACOM confirma a perceção que todo o povo português partilha: atrasos (de semanas!) muito significativos na entrega de correio, extravios, demora no atendimento e resposta às reclamações que se traduzem na degradação global da qualidade de serviço.

Em 2019, os CTT chumbaram em 23 dos 24 indicadores de qualidade! Para dar uma ideia, os CTT não foram capazes de garantir a entrega de 90% do correio normal nos três dias após a sua aceitação, quando, na altura da privatização, uma grande parte deste correio era entregue no dia seguinte ao da sua entrada nos CTT. No ano em curso, a situação está, ainda, pior e a “culpa” não é só da pandemia.

A resposta da empresa à pandemia foi igualmente desastrosa. Em vez de contratar os trabalhadores necessários para assegurar a operação em condições de segurança, manteve a linha de redução de trabalhadores, despedindo todos os contratados a prazo, atacando os trabalhadores condicionados, não renovando contratos com muitos dos agenciados e sobrecarregando brutalmente os trabalhadores das áreas operacionais, quer nas cargas de trabalho que tiveram de suportar, quer nos riscos acrescidos que tiveram de assumir. Uma pandemia que não fez diminuir a carga de trabalho na empresa, pois se houve uma redução nas correspondências (essencialmente, nos meses de Março e Abril), houve um brutal crescimento (para mais do dobro!) na distribuição de encomendas pela rede dos CTT.

Entretanto, os acionistas dos CTT continuaram a descapitalizar os CTT para alimentar o Banco CTT (mais 130 milhões em 2019 para a compra da 321 Crédito e consequente aumento do capital social, revelam as contas entretanto publicadas), enquanto este continuava a criar prejuízos aos CTT, com mais 8 milhões no primeiro semestre. Isto apesar de terem transferido para o Banco mais um dos negócios lucrativos dos CTT (a Payshop) e de continuarem a meter nas contas dos CTT parte dos custos da operação do Banco, como agora a ANACOM veio apurar que se verificou nos anos 2016 e 2017 obrigando a administração a retirar 30 milhões de euros de custos dos CTT e a incluí-los nas contas do Banco desses anos. A referida aquisição da “321 Crédito”, cujos ativos essenciais são empréstimos para compra de carros usados, contribuiu para reduzir os prejuízos do Banco, mas, em contrapartida, aumentou o risco de imparidades, sobretudo, no cenário de crise inevitável que se avizinha.

Os acionistas dos CTT tudo têm feito para criar a perceção de que o Serviço Postal Universal é deficitário. Mas a realidade é que este continua a sustentar financeiramente os CTT, a financiar o Banco CTT e outras empresas do grupo e a permitir pagar os milhões de euros de dividendos que os acionistas vão regularmente retirando (preparavam-se para ir buscar mais 10 milhões em plena pandemia, mas foram obrigados a recuar pela denúncia pública dessa intenção).

Desde a privatização, a administração privada encetou um processo de descapitalização e redução de valor dos CTT, através da distribuição agressiva de dividendos acima dos lucros, venda de património e aquisições de mais que duvidosa transparência e utilidade.

A continuar assim, o Estado corre o risco de ver destruída uma empresa centenária e de referência e de ficar sujeito à chantagem dos seus donos privados exigindo indemnizações compensatórias para a assegurarem a prestação do Serviço Postal Universal.

Estão cada vez mais à vista os objetivos dos acionistas dos CTT: degradar a qualidade do serviço postal; impor ao Estado que passe a pagar pelo serviço postal o que antes o Estado assegurava com mais qualidade e gerando receitas para o Estado; utilizar os recursos dos CTT, o seu património e a sua rede, para montarem um banco.

Os custos que o País está a suportar e corre o risco de aumentar com esta privatização tornam imperioso e urgente que o Estado readquira a capacidade e a responsabilidade pela gestão da empresa, para garantir a sua viabilidade futura e para que volte a ter condições para prestar um serviço que o país, as populações e os seus trabalhadores exigem.

A recuperação do controlo público dos CTT é um objetivo cuja concretização deve envolver a ponderação de diversas opções que vão desde a nacionalização, passando pela aquisição, até à negociação com os acionistas dos CTT e outras formas que o possam assegurar. Uma opção possível de ser concretizada em tempo útil para a defesa dos interesses nacionais.

O PCP reafirma: é um imperativo nacional, de soberania, coesão territorial e justiça social, que se inicie o processo de recuperação do controlo e gestão do serviço postal universal por parte do Estado, através da reversão da privatização dos CTT – Correios de Portugal. É esse o propósito desta iniciativa legislativa.

O PCP já apresentou no passado propostas para a nacionalização da empresa, que foram chumbadas pelo voto contra de PS, PSD, CDS, CH e IL e a abstenção do PAN. Mas sabemos que no passado, mesmo no passado recente, a realidade objetiva e a luta dos trabalhadores e das populações foram capazes de levar à renacionalização de sectores estratégicos e serviços públicos. É no quadro dessa luta, que precisa de se alargar e fortalecer, que esta proposta se justifica.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei.

Artigo 1.º

Objeto e âmbito

  1. A presente lei estabelece o regime de recuperação do controlo público da empresa CTT – Correios de Portugal, S.A., doravante designada CTT, por motivo de salvaguarda do interesse público.
  2. A recuperação do controlo público referida no número anterior compreende todas as áreas de atividade desenvolvida pela empresa e deve ser realizada de forma a assegurar a continuidade dos serviços prestados, a manutenção dos postos de trabalho e a aplicação a todos os trabalhadores da contratação coletiva vigente, até substituição por outra livremente negociada entre as partes.

Artigo 2.º

Recuperação do controlo público

Para os efeitos previstos na presente lei, considera-se recuperação do controlo público a recuperação integral pelo Estado da propriedade dos CTT, independentemente da forma jurídica que venha a assumir.

Artigo 3.º

Procedimentos, âmbito e critérios

  1. O Governo fica obrigado a adotar os procedimentos necessários à recuperação do controlo público dos CTT, independentemente da forma jurídica de que a mesma se revista.
  2. Na solução jurídica a definir para a recuperação do controlo público dos CTT, o Governo deve considerar, entre outros, critérios que:
    1. permitam que a recuperação do controlo público seja realizada assegurando os interesses patrimoniais do Estado e os direitos dos trabalhadores;
    2. permitam a defesa do interesse público perante terceiros;
    3. assegurem a conformidade dos Estatutos da empresa com critérios de propriedade e gestão pública;
    4. assegurem a manutenção do serviço público postal e a sua prestação em condições de qualidade em todo o território nacional;
    5. assegurem a transferência integral da posição jurídica dos CTT resultante de atos praticados ou contratos celebrados que mantenham a sua validade à data da recuperação do controlo público, sem prejuízo do exercício do direito de regresso nos termos previstos na presente lei;
  3. São definidos por diploma legal:
    1. o montante e as condições de pagamento de eventual contrapartida a que haja lugar pela recuperação do controlo público, independentemente de assumir carácter indemnizatório;
    2. o modelo transitório de gestão da empresa, quando necessário.

Artigo 4.º

Regime especial de anulabilidade de atos por interesse público

O Governo fica autorizado a definir, por Decreto-Lei, um regime especial de anulabilidade de atos por interesse público que permita a anulabilidade de todos atos de que tenha resultado a descapitalização da empresa, designadamente a alienação de ativos de qualquer espécie, desde a privatização dos CTT.

Artigo 5.º

Direito de regresso

O Governo fica obrigado a criar as condições necessárias para que a recuperação do controlo público dos CTT seja realizada livre de ónus e encargos, sem prejuízo do direito de regresso quando a ele haja lugar.

Artigo 6.º

Indemnização por prejuízo do interesse público

  1. O Governo fica obrigado a identificar todos os atos de que tenha resultado prejuízo para o interesse público em virtude de opções de gestão dos CTT, designadamente aqueles de que tenha resultado a redução da capacidade da empresa prestar o serviço público postal a que está obrigada.
  2. A identificação dos atos referidos no número anterior constitui o Estado na obrigação de exercer o direito a ser indemnizado, nos termos correspondentes.

Artigo 7.º

Dever de cooperação

Todas as entidades públicas e privadas ficam sujeitas ao dever de colaboração em tudo quanto lhes seja solicitado a fim de dar cumprimento ao disposto na presente lei.

Artigo 8.º

Defesa do interesse público

  1. O regime estabelecido pela presente lei não prejudica as medidas que o Governo considere necessário adotar para salvaguarda do interesse público, designadamente as que correspondam ao exercício pelo Estado de direitos estabelecidos no âmbito do contrato de concessão do serviço público postal aos CTT.
  2. O Governo fica obrigado a adotar as medidas transitórias que se revelem necessárias à defesa do interesse público, nomeadamente promovendo a suspensão da negociação de ações dos CTT.

Artigo 9.º

Unidade de missão

  1. É criada uma unidade de missão, a funcionar junto do Governo, com a responsabilidade de identificar os procedimentos legislativos, administrativos ou outros que se revelem necessários à ao cumprimento das disposições da presente lei, dotada dos necessários recursos humanos e técnicos.
  2. Compete ao Governo definir os termos de composição e nomeação da unidade de missão prevista no número anterior.

Artigo 10.º

Prazo

O Governo fica obrigado a concretizar a recuperação do controlo público dos CTT no prazo máximo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei.

Artigo 11.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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