Projecto de Lei N.º 566/XV/1.ª

Estabelece o regime de recuperação do controlo público da GALP

Exposição de Motivos

I - Nacionalização e Privatização

Com o Decreto-Lei n.º 205-A/75, de 16 de abril, procedeu-se à nacionalização das sociedades petrolíferas SACOR, CIDLA, SONAP e PETROSUL. Em 1976 houve lugar à criação da marca Galp, bem como à constituição da Petrogal.

Importa recordar excertos do Decreto-Lei da nacionalização:

«Considerando o carácter estratégico do sector dos combustíveis, base da produção industrial e dos transportes, e, portanto, de toda a actividade económica; o elevado montante dos investimentos nele previstos, e a sua forte relacionação com o espaço externo nos domínios da importação do petróleo bruto, da exportação de refinados e da tecnologia;

«Considerando também as vantagens inerentes a uma empresa única no domínio da refinação e integrando as empresas nacionais da distribuição, nomeadamente para efeito de uma política unificada de compras; a capacidade resultante de uma dimensão e de uma organização adequadas para o diálogo no mercado petrolífero; a optimização dos projectos de expansão, alteração ou instalação; a racionalização da distribuição, e a harmonização da política comercial;

Considerando ainda as vantagens inerentes a um sistema de gestão integrada do ciclo petrolífero que abranja, além da refinação e da distribuição do petróleo, o transporte de ramas e de produtos refinados;»

A nacionalização e posterior criação da Petrogal em 1976 possibilitou um período de clara expansão e afirmação da empresa, e, em 1977, a empresa entra na actividade de exploração petrolífera. Em 1978 inicia a sua laboração a Refinaria de Sines. Em 1989 dá-se início à introdução do gás natural em Portugal, tendo sido criada a GDP – Gás de Portugal, S. A. que lançou um programa de investimentos com vista o fornecimento de gás natural ao país, iniciados com uma rede de distribuição baseada inicialmente em ar propanado, situada em Loures, em 1990/91, onde também foi criado aquilo que seria o Centro de Despacho da Rede de Gás Natural.

Neste período, os trabalhadores alcançaram melhorias significativas nas suas condições de trabalho através da introdução de novas tecnologias e da negociação do Acordo Coletivo da Empresa que garantiu emprego estável com remunerações dignas.

A importância da Galp para a soberania nacional energética ficou muito visível durante todo o período imediato à nacionalização e consolidação da Galp, tendo-se atingido, em 1981, um volume de vendas de 160 000 milhões de escudos, o que fazia da Galp a maior empresa de Portugal, muitas vezes aproveitada para o fornecimento de divisas necessárias para fazer face a períodos muito difíceis do País.

Em 1999 dá-se início do processo de privatização da Galp Energia, com a abertura do capital da empresa aos restantes acionistas da Petrogal e da Transgás. Assim, em 31 de dezembro de 1999, foi concretizado um aumento do capital social subscrito pela Petrocontrol, SGPS, S.A., EDP - Energias de Portugal, S.A., Caixa Geral de Depósitos, S.A., Portgás e Setgás

Em 2000 foi lançada a segunda fase do processo de privatização da Galp Energia, na sequência do qual as empresas Eni, S.p.A. e Iberdrola, S.A. assinaram com o Estado português contratos de compra e venda de ações, adquirindo 11% e 4%, respetivamente, do capital da Galp Energia. Simultaneamente, a Petrocontrol alienou a totalidade da sua participação na Galp Energia, tendo o grupo Eni, S.p.A. adquirido 22,34% e a EDP - Energias de Portugal, S.A. 11,0%.

Em 2003 foi aprovada a terceira fase do processo de privatização da Galp Energia, na sequência do qual a REN adquiriu 18,3% do capital social da Galp Energia, dos quais 13,5% foram adquiridos à Caixa Geral de Depósitos, S.A. e os restantes 4,8% ao Estado português.

Em 2005 dá-se a entrada do grupo Amorim no capital social da Galp Energia com a aquisição de 14,268% à EDP.

Em 2006 o Grupo Amorim atinge uma participação no capital social da Galp Energia de 33,34% e entra em bolsa.

O Estado recebeu um total de 1 500 milhões de euros na venda desta empresa estratégica que, entre 2006 e 2021, acumulou lucros de 6 300 milhões de euros dos quais distribuiu aos acionistas 4 900 milhões de euros em dividendos, em grande parte aos acionistas privados, dinheiro que teria sido vital para o desenvolvimento do país se aplicado em investimentos de interesse público.

A privatização da Petrogal/Galp, que assim passa a ter o seu lucro e a remuneração dos seus acionistas como o objetivo condutor e o processo de liberalização de todo o sector, com o fim do controlo de preços máximos, têm levado a aumentos significativos dos preços e à progressiva destruição do aparelho produtivo do sector e a uma onda de ataques aos direitos dos trabalhadores aumentando a sua exploração.

Como o PCP denunciou desde o princípio, a privatização da Galp e a liberalização dos combustíveis prejudicou os consumidores (que pagam cada vez mais caro os combustíveis), prejudicou os trabalhadores da empresa (cada vez mais precarizados e com piores remunerações), prejudicou o Estado (com menos instrumentos para intervir num sector estratégico), tudo para beneficiar os grupos económicos que se apropriaram da Galp e as grandes multinacionais do sector que passaram a receber um quinhão cada vez maior do mercado nacional.

II - Combustíveis mais caros

Os valores pagos pelos consumidores portugueses em 2022 foram os mais altos de sempre. Mesmo com a significativa redução de impostos aplicados aos combustíveis. O preço médio da gasolina 95, sem impostos e taxas, foi de 0,989 euros em 2022, mais 79% que o mesmo preço de 2017.

Tendo havido um aumento do preço do petróleo, a verdade é que os preços de referência transacionados no mercado internacional são referenciados e determinados pelos índices Platts, servindo os interesses das petrolíferas, incluindo a Galp. Somam-se ainda margens especulativas, em particular na refinação, que têm permitido lucros multimilionários aos acionistas privados da galp.

A subida de preços é consequência da liberalização e da privatização, agravadas pela cartelização de preços, por um sistema internacional de formação de preços que parte de uma base especulativa, e pelo abuso oportunista nas margens das petrolíferas, que também a Galp pratica.

Quando se fecham refinarias ou as colocam a produzir menos, quando se impõem sanções a alguns países refinadores, quando se diminuem os investimentos na refinação e se limita a sua produtividade, o resultado só pode ser a criação duma escassa oferta artificial de produtos que é falsa e que vai potenciar o aumento dos preços no consumidor.

A necessidade do controlo de uma empresa como a Galp prende-se ainda com a sua importância na garantia da soberania energética do país. O carácter estratégico do sector energético ficou bem patente em 2022, perante o contexto internacional marcado pela guerra e as sanções, que foi aproveitado pelas petrolíferas para aumentarem as suas margens de forma especulativa, sem que tenham havido medidas de controlo de margens e preços por parte do Governo. O controlo público sobre o sector da energia revela-se cada vez mais uma necessidade para proteger o país das volatilidades da situação internacional e assegurar a soberania num sector absolutamente estratégico.

III - O Aparelho Produtivo em causa

O encerramento da Refinaria de Matosinhos/Leça, mostra bem como a sujeição de empresas estratégicas como a Galp às lógicas de curto-prazo de acionistas privados é lesiva do interesse nacional e exemplifica bem a necessidade de se recuperar do controlo público da GALP. É de sublinhar que este encerramento precoce, supostamente fundamentado numa necessidade de descarbonização, foi um enorme bónus para o Grupo Amorim (acionista de referência da Galp) devido à potencial especulação imobiliária nos 290 hectares da refinaria e complexo anexo.

Com este fecho, injustificável do ponto de vista económico e ambiental, foram descartados cerca de 430 trabalhadores da Petrogal/Galp da Refinaria de Matosinhos, mais 600 que diariamente laboravam nas cerca de 100 empresas que operavam na zona, além dos 2500 trabalhadores cujos postos de trabalho dependiam da Refinaria.

Valores que podem ser superiores se tivermos em conta os 5.000 empregos, referidos numa estimativa da Facultade de Economia da Universidade do Porto, que se terão perdido, sendo que o mesmo estudo estima que a refinaria representaria 1,5% do PIB nacional e 5% do PIB da Área Metropolitana do Porto.

A unidade petroquímica de Leça/Matosinhos era a única instalação industrial a produzir produtos aromáticos (paraxileno, ortoxileno, tolueno e benzeno) e lubrificantes importantes matérias-primas para a indústria química e petroquímica, de plásticos, têxteis, adubos, borracha, tintas e solventes reduzindo-se as exportações e aumentando-se as importações e, obviamente, a dependência externa.

A emissão de dióxido de carbono passou de Matosinhos/Leça para unidades na vizinha Espanha o que, em termos das preocupações climáticas, vale zero. Aliás, relacionar o encerramento da refinaria de Matosinhos/Leça com a transição energética, vale apenas no campeonato das aparências em que o governo português se envolveu como aluno bem-comportado numa disputa europeia, fingindo estar nos primeiros lugares de um risível pelotão da frente. O Governo, que aplaudiu e suportou a decisão, dizendo-se primeiro satisfeito com a redução das emissões de carbono, fingiu-se depois zangado com os acionistas da Galp, prometendo-lhes um puxão de orelhas, mas só quando a contestação e a revolta dos trabalhadores apertaram.

O encerramento da referida unidade insere-se num rumo, determinado pelas grandes potências ao serviço dos lucros milionários das grandes petrolíferas multinacionais, de deslocalização da refinação do petróleo para as periferias (em relação aos consumos), designadamente na Nigéria, México, Angola e Arábia Saudita. Interesses aos quais o Governo submeteu irresponsavelmente o país.

O encerramento ameaça, também, o parque logístico, a cadeia de distribuição e armazenamento de combustível em Portugal e particularmente no Norte do país.

É importante notar, para que se avaliem as contradições deste processo, que, em cada ação de luta na Petrogal, o Governo impôs, sempre que pôde, serviços mínimos que, na realidade, significavam a manutenção do funcionamento da refinaria de Matosinhos/Leça por razões de «imperativo interesse nacional». Ora, o que antes era um imperativo nacional, passou em poucas semanas a dispensável, bastando que os acionistas privados da empresa decidissem que lhes era mais lucrativo encerrar a Refinaria.

A submissão do Governo aos interesses dos acionistas neste processo de encerramento foi determinante para a destruição desta importante unidade industrial, o que contraria a sua narrativa quanto à reindustrialização do País.

O Governo, veio, com o seu apoio, aumentar os riscos de, em nome da maximização do lucro dos acionistas, prosseguir a deslocalização dos investimentos para outros países ou para outro sector de atividade.

Com o encerramento da Refinaria em Matosinhos sobram legítimas preocupações quanto ao futuro da refinaria de Sines. A incerteza quanto aos investimentos na própria Refinaria de Sines e a sua sujeição aos arranjos da distribuição de dividendos e descapitalização do Grupo, apesar dos muitos anúncios, coloca objetivamente em risco a última refinaria nacional, num momento em que o país vai continuar dependente da refinação por muitos anos, quer no sector dos transportes quer em diversos sectores industriais. Mesmo o processo de produção de petróleo, inicialmente lançado em parcerias mutuamente vantajosas com países de língua oficial portuguesa que visavam diminuir a dependência nacional desta matéria-prima, também está subjugado à lógica do mercado liberalizado de combustível, isto é, há uma desarticulação entre a exploração e a refinação cujas vantagens se resumem aos lucros gigantescos obtidos através da crescente especulação com o preço, beneficiando os lucros dos acionistas privados da Galp, mas colocando em causa a economia nacional.

  1. Retoma do Controlo Público

Os 7% que o Estado português detém na Galp, para pouco mais têm servido que para receber uns milhões de euros em dividendos, pouco face aos milhares de milhões que entregou aos acionistas privados, e muito pouco face aos muitos apoios públicos que canalizou para a Galp. Aliás, se recuarmos apenas dez anos, verificamos ter sido revogado em 2013 o Acordo Parassocial entre a Caixa Geral de Depósitos, a Amorim Energia e a ENI que conferia a 1% (participação da CGD e) do capital direitos maioritários – 51%, isto é, direito de veto nas decisões estratégicas para o Grupo.

Apesar do ímpeto manifestado pelos sucessivos governos para a entrega ao capital deste apetecível activo, foi sempre reconhecida a importância da decisão pública no que à Galp diz respeito, ainda que recorrendo a expedientes como o acordo parassocial surgido para contornar a proibição da Comissão Europeia quanto às chamadas “Golden Shares”. O carácter inconsequente de tais expedientes, que pretendiam escamotear a questão central e óbvia da posição accionista, foi revelado precisamente pelo Governo PSD/CDS na concretização do pacto de agressão da Troika, que deu a machadada final na influência pública na GALP.

A posição accionista deve ser o ponto de partida para retomar o controlo público sobre a Galp, e recolocá-la ao serviço da economia nacional e do povo português.

Retomar o controlo público é fundamental:

  • Por razões do controlo e planeamento democrático de um sector estratégico como é o da energia;
  • Pela necessidade de garantir a segurança no abastecimento do País e o desenvolvimento da sua capacidade produtiva e redução da dependência externa;
  • Pelo imperativo de assegurar uma transição energética adaptada à economia nacional e socialmente justa;
  • Para assegurar a real salvaguarda de preocupações de Ordenamento do Território, coesão territorial e ambientais;
  • Pela necessidade de regular e controlar preços e desta forma proteger o poder de compra e a actividade das MPME;
  • Pela exigência de defesa dos direitos dos trabalhadores e a sua valorização;
  • Pela necessidade de o País dominar e desenvolver no plano científico e tecnológico o domínio deste sector;
  • Para assegurar o desenvolvimento equilibrado de uma economia territorializada, promover o investimento neste sector de forma articulada com um projecto de desenvolvimento nacional.

Por tudo isto se impõe a necessidade urgente da recuperação do controlo público da GALP, colocando-a ao serviço do Povo e do País.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto e âmbito

  1. 1 - A presente lei estabelece o regime de recuperação do controlo público do Grupo Galp, doravante designado Galp, por motivo de salvaguarda do interesse público.
  2. 2 - A recuperação do controlo público referida no número anterior compreende todas as áreas de atividade desenvolvida pela empresa e deve ser realizada de forma a assegurar a continuidade dos serviços prestados, a manutenção dos postos de trabalho e a aplicação a todos os trabalhadores da contratação coletiva vigente, até substituição por outra livremente negociada entre as partes.

Artigo 2.º

Recuperação do controlo público

Para os efeitos previstos na presente lei, considera-se recuperação do controlo público a capacidade do Estado retomar o efetivo controlo de gestão e da propriedade da Galp independentemente da forma jurídica que venha a assumir

Artigo 3.º

Procedimentos, âmbito e critérios

  1. Compete ao Governo adotar os procedimentos necessários à recuperação do controlo público da Galp, independentemente da forma jurídica de que a mesma se revista.
  2. Na solução jurídica a definir para a recuperação do controlo público da Galp, o Governo deve considerar, entre outros, critérios que:
    1. assegurem os interesses patrimoniais do Estado e os direitos dos trabalhadores;
    2. defendam o interesse publico perante terceiros;
    3. assegurem a conformidade dos Estatutos da empresa com critérios de propriedade e gestão pública;
    4. assegurem a manutenção do funcionamento das refinarias;
    5. assegurem a transferência integral da posição jurídica da Galp resultante de atos praticados ou contratos celebrados que mantenham a sua validade à data da recuperação do controlo público, sem prejuízo do exercício do direito de regresso nos termos previstos na presente lei.
    6. definam o montante e as condições de pagamento de eventual contrapartida a que haja lugar pela recuperação do controlo público;
    7. definam o modelo transitório de gestão da empresa, se necessário.

Artigo 4.º

Regime especial de anulabilidade de atos por interesse público

Compete ao Governo definir, por Decreto-Lei, o regime de anulabilidade por interesse público de atos praticados desde a privatização da Galp de que tenha resultado a descapitalização da empresa, designadamente a alienação de ativos de qualquer espécie.

Artigo 5.º

Direito de regresso

Compete ao Governo criar as condições necessárias para que a recuperação do controlo público da Galp seja realizada livre de ónus e encargos, sem prejuízo do direito de regresso quando a ele haja lugar.

Artigo 6.º

Dever de cooperação

Todas as entidades públicas e privadas ficam sujeitas ao dever de colaboração em tudo quanto lhes seja solicitado a fim de dar cumprimento ao disposto na presente lei.

Artigo 7.º

Defesa do interesse público

Compete ao Governo adotar as medidas transitórias que se revelem necessárias à defesa do interesse público, nomeadamente promovendo a suspensão da negociação de ações da Galp.

Artigo 8.º

Prazo

O processo de recuperação do controlo público da Galp deve ter início no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei.

Artigo 9.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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