Intervenção de

Ensino superior - Intervenção de João Oliveira na AR

Regime jurídico das instituições do ensino superior

 

Sr. Presidente,  
Sr.as e Srs. Deputados,

A proposta de lei (n.º 148/X) sobre o regime jurídico das instituições de ensino superior é, em nosso entender, uma proposta profundamente negativa para todo o sistema público de ensino e, globalmente, para todo o sistema de ensino superior português.

Na verdade, as propostas que o PCP traz à discussão em Plenário, na especialidade, incidem sobre duas questões que consideramos fundamentais deste novo regime jurídico: uma diz respeito ao regime fundacional e a outra à autonomia orgânica e à gestão democrática das instituições.

Quanto ao regime fundacional, a proposta do PCP consiste, fundamentalmente, na sua eliminação.

Assim, propomos a eliminação do regime fundacional, antes de mais, porque entendemos que promove a desagregação das instituições de ensino superior públicas, prevê a cisão de unidades orgânicas e a constituição de consórcios apetecíveis certamente para os interesses económicos e para os interessados na sua exploração económica mas com muito poucos reflexos positivos para o desenvolvimento correcto de uma rede pública de ensino superior.

Propomos também a eliminação do regime fundacional porque entendemos que degrada a função docente, menoriza o papel dos corpos académicos face a entidades externas e subjuga as instituições a interesses que lhes são alheios e, ainda, porque entendemos que garante a desresponsabilização do Estado numa matéria que corresponde a um eixo fundamental para o desenvolvimento do País e, simultaneamente, a um direito dos portugueses garantido pela Constituição da República Portuguesa.

No entender do PCP, a eliminação da figura das fundações neste regime jurídico corresponde, por isso, a uma perspectiva de garantir a solidez, a qualidade e a democraticidade de todo o sistema público de ensino superior.

Quanto à orgânica das instituições de ensino superior e à sua gestão democrática o PCP apresenta uma nova proposta de substituição de todo o capítulo da lei, enriquecida, aliás, pela própria discussão tida em sede de comissão aquando do debate na especialidade.

A proposta do PCP distingue-se do texto aprovado em quatro aspectos fundamentais: primeiro, garante uma verdadeira autonomia às instituições na sua organização e gestão.

Segundo, garante a participação e a gestão democráticas exigidas pela Constituição, envolvendo docentes, estudantes e funcionários.

Terceiro, prevê a possibilidade de participação de representantes da comunidade exteriores à instituição sem que esta tenha de ficar refém de interesses que lhe são alheios.

Quarto, incorpora os bons exemplos de autonomia que hoje existem e aponta uma perspectiva progressista e democrática para o seu desenvolvimento.

A título de exemplo, chamamos a atenção para aquilo que diz respeito às competências e composição que propomos para os conselhos pedagógicos.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, deixamos ao Partido Socialista o desafio de aproveitar esta última oportunidade para evitar a destruição do sistema público de ensino superior português, aprovando as propostas do PCP.

(...)

Declaração de voto:

O novo regime jurídico das instituições de ensino superior resulta de um processo de imposição legislativa levado a cabo pelo Governo, não só à Assembleia da República mas ao País.

A pressa imposta pelo Governo do PS na discussão de um diploma de importância estratégica para todo o sistema de ensino superior português não pode ser dissociada das soluções concretas apresentadas na proposta de lei n.º 148/X e da contestação de que essas soluções foram alvo pela generalidade das entidades envolvidas em todo o processo.

O facto da discussão de uma proposta de lei desta envergadura e importância ter decorrido na Assembleia da República em apenas 13 dias, apesar de terem chegado à Comissão de Educação, Ciência e Cultura mais de 70 pareceres e de se ter realizado uma audição pública com cerca de 200 participantes e 80 intervenções, revela a preocupação do Governo em tentar silenciar o descontentamento e a contestação que certamente seriam maiores com condições de participação e discussão mais alargadas.

O regime jurídico das instituições de ensino superior agora aprovado introduz profundas e negativas transformações no sistema de ensino superior português. As alterações ao texto inicial da proposta de lei não contribuíram para a melhoria significativa do diploma que concretiza um gravíssimo ataque ao sistema público de ensino superior, no sentido da sua empresarialização e privatização, e simultaneamente introduz graves limitações à autonomia das instituições, pondo em causa a gestão democrática e participada das instituições prevista pela Constituição da República Portuguesa.

Este novo regime jurídico coloca as instituições públicas de ensino superior na dependência de interesses que lhes são alheios, instituindo para tanto um regime rígido de organização interna que impõe de forma excessiva e desproporcionada na gestão a participação de entidades externas à instituição, menorizando simultaneamente o papel de estudantes e funcionários. Institui ainda um regime fundacional que dá corpo à intenção de privatização das instituições públicas, verdadeiro objectivo e orientação estratégica de todo o diploma, deixando-as especialmente sujeitas à exploração económica e ao lucro privado.

As profundas alterações ao regime de organização e gestão das instituições contrariam o sentido das normas constitucionais relativas à participação e gestão democráticas, afastando os funcionários e não assegurando a participação dos estudantes na gestão das instituições.

O regime fundacional proposto, pelas facilidades e flexibilidade que garante na gestão financeira, patrimonial e de pessoal, converter-se-á certamente no regime a adoptar pela generalidade das instituições, assegurando a manutenção do rumo de desresponsabilização do Estado relativamente ao ensino superior, procurando iludir décadas de políticas governamentais de desinvestimento e subfinanciamento das instituições e hipotecando um importante factor de desenvolvimento do País.

Os mecanismos de fragmentação das instituições, tanto pela cisão de unidades orgânicas como pela possibilidade da sua fusão ou de constituição de novas instituições, garantirão que as que dispõem hoje de melhores condições se possam colocar em posição especialmente privilegiada para satisfazer os interesses económicos pela sua exploração e obtenção do respectivo lucro, relegando para um plano secundário o papel que estas unidades podem e devem desempenhar no desenvolvimento das instituições onde se inserem e na melhoria da qualidade de todo o sistema de ensino superior.

Também no plano laboral, este novo regime jurídico corporiza a orientação política do Governo do PS de ataque aos direitos dos trabalhadores, fragilizando a função docente pela introdução da possibilidade de cada instituição definir as suas próprias regras para a carreira docente.

Ficam por clarificar neste novo regime jurídico inúmeros aspectos essenciais como os relativos ao financiamento, ao acesso e ingresso no ensino superior ou à revisão dos estatutos de carreira dos docentes. Este facto resulta do adiamento imposto pelo Governo dessas discussões para um momento posterior, impedindo uma correcta interpretação e compreensão da verdadeira dimensão das alterações agora propostas.

É esta orientação de privilégio ao negócio, de mercantilização do saber e do ensino e de perpetuação da desigualdade no acesso a um direito fundamental, como é o direito à educação, que merece a firme oposição do PCP.

 

 

 

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