A proposta de Reforma da Fiscalidade Verde, apresentada recentemente pela sua Comissão, está inserida num quadro de substituição, aos poucos e poucos, da tributação progressiva sobre o rendimento – quer dos agregados familiares, quer das empresas -, para uma tributação sobre o consumo e sobre os ditos “comportamentos”.
Os impostos indirectos, como o IVA é o melhor exemplo, podem ser apelidados de impostos cegos, uma vez que não atendem ao rendimento de quem os paga. Ao contrário dos impostos sobre o rendimento, que se esperam que sejam progressivos (diferentes taxas, cada vez mais elevadas a cada escalão de rendimentos), a tributação indirecta onera de igual forma pobres e ricos, embora tenha um impacto muito superior no rendimento dos primeiros.
Em Portugal, os impostos indirectos representavam quase 60% do total das receitas total de imposto, e só o IVA, cerca de 40%, até 2013. O enorme aumento do IRS nesse ano fez com que as percentagens no bolo total se alterassem, mas tal não significou uma diminuição dos impostos sobre o consumo. Muito pelo contrário. Em 2012, e apesar da carga fiscal sobre o consumo ser, já então, uma das mais elevadas da União Europeia, o Governo PSD/CDS aumentou o IVA de um vasto conjunto de bens e serviços – entre os quais da electricidade, do gás, da cultura, e vários bens alimentares.
É ainda desconhecido o incremento total de impostos que esta reforma da Fiscalidade Verde consubstancia, uma vez que deverão aumentar todos os anos.
Mas do que não temos dúvidas é que esta é uma reforma que onera directa e indirectamente os trabalhadores e os pensionistas.
Mas vamos por partes.
Os custos para as famílias aumentam directamente por via da criação de novos impostos. Temos o imposto de 0,08€ por cada saco de plástico, num total de 34,4 milhões de euros, o imposto de 15€ sobre o transporte aéreo de passageiros (33 milhões de euros), a tributação do carbono - que implica o aumento imediato do gás e dos combustível em cerca de 1% - e o agravamento das taxas do Imposto Sobre Veículos (ISV) em 3%.
Por outro lado, facilmente as empresas farão repercutir nos preços os novos impostos que a Reforma lhes confere, sendo a tributação do carbono uma das mais relevantes. Este imposto sobre a energia, num quadro em que as famílias e as micro, pequenas e médias empresas estão já sujeitas a brutais custos com combustíveis, electricidade e gás, determinará um encaixe para o Governo de mais 95 milhões de euros, e só numa fase inicial.
No curto prazo são 186 milhões de euros de novos ou agravados impostos, que a Comissão propõe que sejam “reciclados”, isto é, redistribuídos através da concessão de créditos fiscais ao investimento às empresas, da redução da sobretaxa de IRS e da redução da TSU, medida tão desejada pelo grande patronato.
Temos então que, apesar de serem os trabalhadores e os pensionistas a pagarem a Fiscalidade Verde, a sua “compensação” beneficia largamente as empresas. A redução da Taxa Social Única dos patrões, que havia sido derrotada pelo povo em 2012, aparece agora encapotada, quando ainda há poucos meses, no Documento de Estratégia Orçamental, o Governo propôs o aumento das contribuições dos trabalhadores.
A proposta da Comissão abre, assim, uma nova frente de ataque à sustentabilidade da Segurança Social e aos seus princípios, constitucionalmente consagrados. Mais, a proposta de consignação das receitas do imposto sobre o transporte aéreo de passageiros ao sistema contributivo da Segurança Social, não só revela um desconhecimento grosseiro sobre o funcionamento da mesma, como é contrário ao disposto na sua Lei de Bases, ao pretender financiar o sistema contributivo da segurança social por impostos e não por contribuições sociais.
Também a prometida redução do IRS é um engodo. Como anteriormente referido, o tipo de impostos que a Comissão propõe é “cego” ao rendimento de quem os paga. Ora, 66% dos agregados familiares aufere rendimentos de miséria, não sendo por isso sujeitos a IRS. Tal implica que, apesar de passarem a pagar mais pelo gás, pelo combustível, por cada ida às compras, não conhecerão nenhuma desta pretensa “reciclagem de impostos”, tão propalada pelo Governo e pela Comissão nomeada. Acresce que a redução proposta incide sobre a sobretaxa de IRS de 3,5% (que passaria para 3,25%), uma sobretaxa ilegítima, sempre apresentada como transitória e que tem contribuído para reduzir o rendimento disponível das famílias portuguesas. Uma taxa cuja revogação imediata o PCP sempre defendeu.
Os benefícios apresentados pela Comissão para esta Reforma são de qualidade e quantidade bastante duvidosa, quer no que toca às preocupações ambientais, quer ao nível do crescimento económico e do emprego, e sobretudo quanto à justiça social.
É por isso necessário desmontar os argumentos que lhes dão suporte.
Ao nível da defesa do ambiente, propõe-se uma estratégia estreitamente ligada ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão. O PCP relembra que o CELE veio criar um mercado bastante lucrativo em torno do comércio do CO2, e que se mostrou ineficaz na melhoria do meio-ambiente. O documento em discussão apresenta ainda uma agravante, que é o de penalizar aqueles de menores rendimentos e beneficiar os de maiores (concedendo benefícios fiscais na compra de produtos apenas acessíveis a uma pequena minoria da população);
Ao nível do incremento da utilização dos transportes públicos, ao mesmo tempo que se apresentam incentivos à substituição do uso do carro, privatizam-se as empresas públicas de transportes, reduzindo a sua oferta e aumentando os custos associados aos passes sociais e bilhetes;
Ao nível do emprego e do crescimento económico, a Comissão apresenta cenários de longo prazo (para 2030 e 2050) que revelam melhorias nulas ou ínfimas, revelando que esta não é uma proposta que se coadune com a necessária estratégia de desenvolvimento do país e da melhoria das condições de vida do povo português;
Ao nível da justiça social, por penalizar fortemente os que menos podem e os menos têm e beneficiar as grandes empresas e os agregados familiares de escalões de rendimento mais elevados.
Camaradas e amigos,
Temos, no entanto, de dar razão à Comissão num ponto: que, e passo a citar, «Cada reforma gera “ganhadores” e “perdedores”». Sendo que, uma vez mais, aqueles que vivem dos rendimentos do seu trabalho, e nomeadamente aqueles de menores salários e pensões, os claros perdedores desta contabilidade de merceeiro proposta na Fiscalidade Verde.
Contrariamente ao que esta Comissão pretende fazer querer – tal como a Comissão para a Reforma do IRC o fez e a da Reforma do IRS faz -, estas não são opções técnicas, isentas de concepções ideológicas.
São opções político-ideológicas sujeitar trabalhadores e pensionistas a uma brutal carga fiscal, enquanto se reduz a tributação sobre as grandes empresas e sobre os grupos económicos e se isenta o capital especulativo;
São opções político-ideológicas reduzir a progressividade dos impostos sobre o rendimento e substituí-los por impostos sobre o consumo;
Tal são opções político-ideológicas abandonar a redistribuição dos rendimentos e uma maior justiça social como objectivos fundamentais do sistema fiscal português.
As medidas propostas pela Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde não podem ser dissociadas da política de destruição de emprego de qualidade, de baixos salários, de destruição das funções sociais do Estado e dos serviços públicos, de privatizações de bens básicos (como a água é o mais cabal exemplo), de destruição do tecido produtivo que este Governo – como outros de política de direita – tem preconizado.
É urgente e necessária outra política fiscal, que promova a justiça fiscal e os interesses dos que trabalham ou já trabalharam. Mas é também urgente uma política que defenda o meio-ambiente, de protecção dos recursos do país, de rejeição à mercantilização dos bens ambientais e que mantenha no poder de todos o que é de todos.