Nunca é demais enaltecer o papel que cabe aos Correios como instrumento insubstituível para a coesão social, económica e territorial do nosso país. Ao Estado cabe a responsabilidade de garantir que os serviços postais são assegurados em condições de igualdade a todos os cidadãos, sem discriminação de qualquer espécie.
Mais do que uma empresa que garanta lucros e dividendos, os Correios devem ser o garante de um serviço público efetivamente ao serviço do país e das populações, ao serviço da economia nacional e do desenvolvimento, com uma gestão que vise o equilíbrio económico-financeiro e o investimento na melhoria da qualidade.
Os Correios, ao longo de mais de cinco séculos, asseguraram a prestação dos serviços postais em condições que lhe permitiram granjear o apreço da generalidade dos cidadãos e todas as entidades que eles recorreram.
É certo que em particular na última década, foram seguidas na empresa opções desastrosas para o serviço público postal – redução de balcões, degradação do serviço, agravamento dos preços, ataque aos direitos dos trabalhadores, etc. – por sucessivas administrações, impostas pela política de direita. Esta política é indissociável da privatização e liberalização dos serviços postais, opção que tem sido preconizada no quadro da União Europeia com a cumplicidade ativa dos sucessivos governos nacionais.
Em dezembro de 2013, o governo PSD/CDS concretizou uma velha aspiração do capital monopolista e que vinha sendo preparada por sucessivos governos, incluindo do PS, iniciando a privatização dos CTT, alienando cerca de 70% do seu capital. Em setembro/2014, privatizou os restantes 30%.
Tal como foi claramente assumido pelo próprio governo na altura, os objetivos da privatização foram exclusivamente dois: encaixar o produto da venda com vista a uma hipotética redução do défice e da dívida; e criar condições para que os lucros que a empresa vinha gerando fossem parar aos bolsos dos novos donos privados. O primeiro objetivo nunca é alcançável, pois a receita que ajuda a disfarçar a realidade no ano da venda tem como contrapartida o agravar do problema estrutural nos anos seguintes: anulação dos lucros e menos impostos pagos pela empresa ao erário público. E o que se tem verificado de forma avassaladora desde então tem sido uma clamorosa depredação de recursos e património da empresa.
O Contrato de Concessão entre o Estado e os CTT obriga a empresa a prestar um serviço de qualidade conforme estipulado pela Lei e nas Bases da Concessão. Contudo, desde a privatização, a estratégia da administração da empresa (a mesma que preparou e consumou a privatização) prossegue um caminho de desrespeito pelas obrigações a que está sujeita no que respeita à prestação do serviço e apenas tem como objetivo garantir que os novos donos (grandes grupos económicos estrangeiros) recebam de volta rapidamente o que pagaram pela compra dos CTT e aproveitar a rede dos CTT para implantar um Banco – que sempre foi adiado quando a empresa era pública.
O caminho de degradação do serviço postal é uma realidade que foi acentuada com a privatização da empresa. Entre 2009 e 2016, encerraram 564 estações e postos dos CTT; ; reduziram-se em largas centenas o número de trabalhadores e aumentou a pressão e o assédio com vista à sua saída, quando, na realidade, faltam trabalhadores nos correios; há vastas zonas do país onde o correio só está a ser distribuído uma vez por semana; recentemente chegou a haver 15 dias de atraso na chegada dos vales postais com as pensões de reforma; estão identificadas centenas de situações em que a distribuição postal é efetuada com “giro em dobra”, isto é, recorrendo à disponibilidade de carteiros que trabalham para além da distribuição que lhes está atribuída na sua jornada.
Estamos perante um quadro de degradação da qualidade do serviço que é indissociável da privatização dos CTT com as práticas de destruição de postos de trabalho e de ataque aos direitos dos trabalhadores daquela empresa – e que confirmam os alertas e denúncias que o PCP oportunamente manifestou no combate a esse processo.
Entretanto, desde 2014, a empresa já distribuiu em dividendos aos acionistas mais de 240 milhões de euros. Nos anos de 2014, 2015 e 2016, distribuíram a totalidade dos resultados líquidos, obtido no ano anterior, retirando apenas a reserva legal contabilística mínima. O escândalo maior verificou-se este ano: o resultado líquido em 2016 foi de 62 milhões de euros, mas a administração propôs, e a Assembleia Geral aprovou, um total de 72 milhões em dividendos. Mais 10 milhões do que o resultado líquido.
Desde a privatização, as receitas só não desceram porque, apesar da evidente degradação da qualidade do serviço prestado, a ANACOM autorizou a subida dos preços dos serviços concessionados. A título de exemplo: a tarifa do correio normal (escalão até 20 gramas) aumentou 47 por cento.
Prosseguindo esta estratégia predadora de recursos da empresa, esta, progressiva e inexoravelmente, perderá valor e, a breve prazo, ficará colocada numa situação de debilidade e comprometida a sua viabilidade futura. O país não pode assistir à destruição de mais uma empresa nacional, como recentemente alertou a Comissão de Trabalhadores.
O serviço postal tem uma importância estratégica para o país e para a soberania nacional que não pode estar à mercê de um rumo de máxima acumulação do lucro e predação de recursos como querem os seus acionistas. O resgate da concessão do serviço postal é um instrumento que o Estado não deve ignorar, mas é insuficiente e limitado, seja porque conduziria à destruição de uma empresa centenária, seja porque o Estado não tem no curto prazo uma estrutura capaz de assegurar essas funções.
Perante este cenário, o Governo não pode continuar a assistir a esta degradação e depredação dos CTT sem nada fazer, deixando prosseguir uma estratégia tendente ao esgotamento progressivo duma empresa com papel fundamental e insubstituível para o país e populações e que emprega mais de dez mil trabalhadores. É imperioso e urgente readquirir a capacidade e responsabilidade pela sua gestão por forma a garantir a sua sustentabilidade e viabilidade futuras e para que volte a ter condições para prestar um serviço que o país, as populações e os seus trabalhadores exigem.
É um imperativo nacional, de soberania, coesão territorial e justiça social, que a Assembleia se pronuncie contra a privatização dos CTT e em defesa do serviço público postal, com a recuperação do controlo público da empresa. É um imperativo que o Governo ouça e tenha em conta a voz dos trabalhadores e das populações e assuma a sua responsabilidade de órgão de soberania, revertendo a privatização da empresa CTT Correios de Portugal.
Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte Resolução:
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao Governo que inicie o processo de recuperação do controlo e gestão do serviço postal universal por parte do Estado, através da reversão da privatização dos CTT-Correios de Portugal.