Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Em defesa das gerações sacrificadas

Debate da moção de censura em defesa das gerações sacrificadas
(moção de censura n.º 2/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Hoje é um dia em que devemos confrontar o Governo com as mais graves das suas opções de política nacional, com aquilo que caracteriza o carácter profundamente errado da sua política de direita.
Quero falar-lhe de um documento que ontem conhecemos, um documento que, de facto, define o Governo. Não se assuste, Sr. Primeiro-Ministro, estou a falar do documento da concertação que ontem foi divulgado pela Sr.ª Ministra do Trabalho.
É verdade que de concertação aquilo nada tem, porque o Governo elogia muito a concertação, mas, na prática, quer é aplicar aquilo que já combinou com o patronato e que plasmou numa resolução do Conselho de Ministros.
No fundo, o que o Governo quer é levar um «troféu» para mostrar na União Europeia. E que troféu é esse?! É o «troféu» de mais uma «machadada» nos direitos dos trabalhadores. É isto que o Governo tem na modernidade da sua política nacional para mostrar à Sr.ª Merkel.
O Governo quer facilitar o despedimento. Pode agora vir falar das propostas do PSD, da revisão constitucional e de tudo isso de que sempre fala quando discutimos questões laborais, mas o Governo quer facilitar o despedimento, pagando menos a quem está nas empresas e a quem as empresas querem despedir.
E quer fazê-lo cortando nas indemnizações e impondo um tecto máximo nas indemnizações, que têm a ver com o número de anos de trabalho, e eliminando um mínimo para essas indemnizações. Faz, portanto, a malfeitoria completa.
Quer facilitar o lay-off, com mais encargos para a segurança social, com mais encargos para o trabalhador e com menos encargos para o patronato.
Quer atacar, mais uma vez, a contratação colectiva, atomizando as negociações para que o patronato fique mais forte e imponha condições draconianas nas matérias mais sensíveis da contratação colectiva.
O que o Governo quer é um País ainda mais precário, porque vivemos num País em que há muito mais do que 1 milhão de trabalhadores precários, precários de várias formas, com trabalho temporário, com contratos a prazo, com falsos recibos verdes. E estes trabalhadores precários não vão ter qualquer vantagem com o despedimento mais fácil daqueles que têm contratos efectivos, porque o que o Governo quer é que o regime que hoje existe para centenas de milhares de jovens trabalhadores que não conseguem ultrapassar a situação de precariedade seja a regra para todos os trabalhadores portugueses. É este o objectivo do Governo.
O Governo quer um País em que vigore, cada vez mais, uma espécie de regime de trabalhador descartável, onde os falsos recibos verdes fazem com que quem está sujeito a eles trabalhe como todos os trabalhadores, receba como subcontratado e pague impostos como se fosse um empresário.
O Governo não quer só que estes trabalhadores que hoje são precários continuem precários, quer também que todos os outros que ainda o não são passem a ser precários, porque foi isso que sempre quis o patronato português e é isso que o Governo serve com a sua política.
E nós dizemos: que mal vai um País quando o projecto que o Governo tem para ele é transformá-lo e apresentá-lo na União Europeia como um País da precariedade! É isto que o Sr. Primeiro-Ministro quer mostrar na União Europeia: Portugal é o País da precariedade; é o País onde se pode despedir facilmente; é o País onde se pode contratar por três meses, por um mês ou por um dia, se for preciso, e onde se pode pagar menos de salário, porque o Governo assim o quer, porque o Governo assim o permite.
Mas nós não aceitamos este País de precariedade que o Governo quer impor, onde o despedimento é baratinho, à medida do patrão, e onde o contrato nunca é efectivo, também à medida do patrão. Entendemos que a riqueza deste País está, sobretudo, nos seus trabalhadores e que valorizar o seu trabalho e dar-lhes estabilidade no trabalho é não só uma medida de justiça social mas também uma medida de progresso social e de progresso económico, porque é com trabalhadores estáveis que o País avança e não com precariedade, com subcontratação ou com exploração desenfreada, como o Governo quer fazer.
Diz o Sr. Primeiro-Ministro — está sempre a dizê-lo —, cada vez que alguém critica o Governo, que se trata de uma aliança contra natura, que quem, à esquerda, critica o Governo do PS está sempre numa aliança contra natura com a direita. Sabe o que essas palavras denunciam, Sr. Primeiro-Ministro? Para o Sr. Primeiro-Ministro, na sua prática e no seu discurso, o que é natural é, de facto, o PS se juntar à direita, fazer a sua política e querer que o País continue a ser sacrificado por esta desgraçada política de direita. Mas nós dizemos que não vai continuar a ser assim.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Este Governo está a conduzir o País a uma situação de desastre nacional. É certamente resultado de muitos anos e de muitos governos de política de direita, mas não deixa de ter, com este Executivo, a sua mais viva expressão.
O Sr. Primeiro-Ministro disse, há pouco, que quem fala muito alto é porque ouve mal. Mas gostaria que percebêssemos por que é que, desde há alguns meses, depois de várias gaffes, em que o próprio Primeiro-Ministro e vários Deputados do PS chamaram «a esquerda» aos partidos que se sentam à esquerda do Partido Socialista, passaram a chamar-nos de «extrema-esquerda». Digo-lhe, Sr. Primeiro-Ministro: é que, quanto mais o senhor fala de extrema-esquerda, é porque mais está a tentar disfarçar que a sua política, de esquerda, não tem nada.
Este Governo não tem emenda pelo que já fez e não tem emenda pelo que ainda quer fazer.
Não tem emenda um Governo que fez — com o apoio do PSD, que agora esconde a mão e quer «ficar bem na fotografia» — uma política que está a destruir a escola pública e a atacar os direitos dos professores e dos funcionários não docentes.
Não sabe do que fala o Sr. Primeiro-Ministro quando diz que não faz falta haver dois professores numa disciplina que funde duas disciplinas anteriores e é por isso que tem dois professores – em alguns casos, até deveria ter mais.
Não tem emenda um Governo que já piorou o Código do Trabalho da direita (que, na altura, criticava) e quer afundar ainda mais os direitos dos trabalhadores com os despedimentos mais baratos e pagos com os salários, para substituir ainda mais contratos por precariedade.
Na sua habitual mistificação, o Primeiro-Ministro veio com a estafada conversa das comparações com outros países, nunca dizendo que esses países têm limites de indemnização mais baixos porque têm salários substancialmente mais altos. E não vale a pena também dizer que a proposta do PSD sobre a justa causa é ainda pior do que a política do Governo do PS. É que a proposta de desaparecimento da justa causa, que o PSD faz, não torna bom o despedimento Simplex que o Governo quer aplicar.
Não tem emenda um Governo que quer manter na precariedade centenas de milhares de trabalhadores, em particular jovens trabalhadores, no trabalho temporário, sujeito a todas as arbitrariedades, nos falsos recibos verdes que correspondem a trabalho efectivo e permanente.
De facto, faz bem o INE ao considerar como trabalho por conta de outrem aquilo que, de facto, o é. Bem poderia desagregar os dados para ficarmos com uma ideia precisa do que são os falsos recibos verdes, mas, ainda assim, o que temos de perguntar é: se o Governo os considera nos censos como trabalho permanente, então por que não aprova a proposta do PCP para que se transformem em contratos estes falsos recibos verdes?
Diz o Governo que, se for preciso, aplica mais medidas a que chama de «consolidação orçamental». Dizia, há pouco, aqui, em aparte, o Sr. Ministro das Finanças, em relação aos cortes nas políticas sociais: «Não temos dinheiro para pagar o Estado social!»
Quer dinheiro, Sr. Ministro? Quer mais consolidação? Então, tribute a banca a 25%! Então, tribute as transferências para os paraísos fiscais e tivesse tributado a antecipação de dividendos da PT! E ainda agora vai atribuir-lhe mais um bónus de 250 milhões de euros, no fisco, pela transferência do dinheiro que falta pagar ao Estado, por causa da transferência do fundo de pensões. Mas isto o Governo não quer!
Diz o Primeiro-Ministro que nós não votámos favoravelmente qualquer proposta do Governo. Não é verdade! Votámos a favor de todas aquelas que constituíam um progresso, de todas aquelas que correspondiam a políticas de esquerda: a lei da nacionalidade, a despenalização da IVG, a lei do divórcio, a tributação das mais-valias (infelizmente, só em IRS), ou o aumento do salário mínimo, primeiro, aliás, diabolizado pelo Primeiro-Ministro, que o qualificou de irresponsável, depois, erigido em estandarte do Governo para todas as ocasiões e, finalmente, abandonado à mão dos patrões, violando até uma resolução aprovada na Assembleia da República.
E se mais propostas de esquerda tivesse apresentado, mais tínhamos aprovado. Mas não é por acaso, Sr. Primeiro-Ministro, que os seus maiores parceiros na aprovação de leis são os partidos da direita. É que o fundamental das suas políticas são políticas de direita.
Quer soluções, Sr. Primeiro-Ministro? Valorize o trabalho. Aposte na produção nacional, no desenvolvimento e numa melhor distribuição da riqueza. Defenda os interesses nacionais na União Europeia — defender os interesses do nosso País não é uma visão paroquial, como defende o falso cosmopolitismo de submissão permanente aos interesses dos grupos económicos europeus e às potências do núcleo dirigente.
Veremos qual é o momento histórico que o Primeiro-Ministro vai louvar, amanhã, em Bruxelas, que mais imposições vai o Primeiro-Ministro aceitar.
Este caminho não trará nenhuma saída para o País. O que tirará o País deste plano inclinado em que se encontra é a ruptura com esta política de direita e com este Governo que a aplica e que, de facto, não tem emenda. E é para aí que teremos de caminhar, com a luta das populações, dos trabalhadores, das novas gerações. E lá chegaremos! Podem ter a certeza de que lá chegaremos!

  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Assembleia da República