Senhor Presidente
Senhores Deputados:
Ficamos a saber pelo Projecto de resolução hoje em debate, do CDS/PP, que afinal não tinha razão o CDS quando em 1984 votou contra a Lei 3/84 - a lei sobre a educação sexual e planeamento familiar.
Ficamos a saber que afinal essa lei é adequada e suficiente, que afinal os que a votaram favoravelmente não queriam atentar contra a moral e bons costumes, mas visavam, como o diz aquela lei em palavras que o PP retoma quase ipsis verbis no seu Projecto de Resolução, a defesa da saúde das mães e dos filhos, a prevenção do aborto, a defesa da saúde e da qualidade de vida dos familiares - vidé artigo 3º nº 3 do diploma.
Mais vale tarde que nunca!
Foi preciso que o PCP tomasse a iniciativa de apresentar os seus Projectos de lei sobre a despenalização do aborto, para que o PP despertasse para a importância da educação sexual e planeamento familiar.
Foi preciso suscitar debates parlamentares sobre o grave problema de saúde pública do aborto clandestino para que pessoas que detiveram as rédeas do Governo, descobrissem a necessidade de executar medidas que durante cerca de 10 anos nunca estiveram nas suas perspectivas.
Durante 14 anos nunca se lhes ouviu a mais leve referência ao grave problema das gravidezes adolescentes, às graves consequências das gravidezes indesejadas, do aborto clandestino.
Isso não obsta porém que se anote o tardio despertar de uma letargia, sacudida por tomadas de posição de Associações de Mulheres, que exigiam a efectiva aplicação da Lei, e também, segundo rezam as páginas do Diário da Assembleia da República, pelas posições do PCP, que requereu informações exaustivas sobre a aplicação da lei 3/84 e da lei sobre interrupção voluntária da gravidez, que protestou contra o encerramento de maternidades em hospitais, que em Declarações Políticas, até mesmo no PAOD, chamou a atenção para a ausência ou para a insuficiência de medidas na execução da lei de protecção da maternidade e paternidade, da lei sobre educação sexual e planeamento familiar, da lei sobre interrupção voluntária da gravidez.
Nós não deixámos passar 14 anos, até porque a 1ª iniciativa virada para a prevenção do aborto foi nossa, e data de 1982. Rejeitada, pelo CDS e pelo PSD.
O conjunto de recomendações, das quais vou exceptuar a última que merece uma referência específica, são, de uma maneira geral a reafirmação daquilo que já está na lei, ou que já existe na prática.
O Projecto não se aventurou a grandes rasgos, e foi bebendo aqui e além, num despacho ou nalgumas medidas (insuficientes é verdade) da Direcção Geral de Saúde. Veja-se, por exemplo, o caso das unidades móveis.
Em termos da distribuição gratuita de métodos contraceptivos as recomendações acabam por sancionar a exclusão da gratuitidade, que na prática se verifica, das pessoas que preferem obtê-los na consulta normal do centro de saúde, e não se aventura, o Projecto na recomendação da distribuição gratuita da pílula do dia seguinte que, queiram ou não, é à face da lei portuguesa um método contraceptivo. Uma forma muito eficaz de prevenção do aborto, numa sociedade em que as unidades móveis dos centros de saúde sentem resistências culturais ao planeamento familiar. Como constatei nas visitas que fiz a alguns centros de saúde do centro do País.
Mas tudo bem. Não faz mal nenhum recomendar, aquilo que a própria lei recomenda, excepto a regulamentação do artigo 10º da Lei 3/84. Que não precisa de regulamentação. Porque é bem claro que a esterilização voluntária é decisão individual. E são abusivas as exigências de concordâncias dos cônjuges.
Creio que os médicos nunca se lembrariam de colocar tais problemas de em vez do recurso à laqueação de trompas se recorresse à vasectomia.
E também não se pode recomendar ao Governo que agrave as sanções relativamente à violação das leis que protegem a grávida e a mãe.
Porque é matéria da reserva relativa da Assembleia da República. E é a Assembleia que pode proceder ao agravamento das sanções. Aliás encontra-se pendente uma iniciativa legislativa do PCP já aprovada na generalidade que procede ao agravamento das sanções, nomeadamente em relação às discriminações em razão do sexo, cujo montante propusemos que se elevasse para o dobro.
Senhor Presidente
Senhores Deputados
É claro que todos sabemos que o súbito interesse pela educação sexual e planeamento familiar constituiu, no mea culpa dos convertidos, uma fuga para a frente, para fingir que dessa forma se resolviam todas as graves consequências do aborto clandestino. Mas todos (todos, sem exclusão) sabemos que não é assim.
Todos sabemos que está por resolver um problema de saúde pública.
Todos sabemos que a actual lei de despenalização do aborto, também repentinamente considerada suficiente pelos defensores do não, não é cumprida.
Como corajosamente foi denunciado pelo ex-Deputado Dr. Octávio Cunha.
Todos sabemos que se assiste mesmo a regressões na sua aplicação.
Mas não ouvimos as vozes dos que acham a lei suficiente. O seu silêncio cúmplice põe a claro a hipocrisia dos argumentos apresentados no referendo.
Quanto a nós, ao mesmo tempo que continuaremos a lutar pela educação sexual e pelo planeamento familiar, como sempre o fizemos, exigindo do Governo o cumprimento, e o alargamento de medidas anunciadas que podem ainda ser melhoradas, exigimos do Governo a fiscalização rigorosa do cumprimento da lei.
Para que nenhuma mulher volte a dizer que a objecção de consciência, ou até a simples omissão de informação sobre anomalias graves detectadas no feto, impediram a aplicação da lei.
E, para além disso… voltaremos com o Projecto de despenalização da IVG.
Porque queremos resolver um grave problema de saúde pública. Disse.