O PCP tem uma posição clara e fundamentada contra a privatização da CP Carga, que pode ser sintetizada nas seguintes razões:
- O sector ferroviário nacional deve ser uno, assente numa única empresa pública, integrada, que assegure a exploração, a infraestrutura, a circulação, a segurança ferroviária, a manutenção, reparação e construção do material circulante e a manutenção do sistema.
- O transporte ferroviário de mercadorias desempenha um papel estratégico na nossa economia, quer na redução dos custos de produção de um conjunto de ramos, quer na salvaguarda da infraestrutura rodoviária e da segurança das populações, quer na redução dos custos ambientais e energéticos da atividade económica.
O nosso combate contra o caminho que tem vindo a ser imposto no transporte ferroviário de mercadorias incluiu por exemplo a luta contra a própria criação da CP Carga em 2009, que logo na altura classificámos de medida errada por desmembrar a CP e por preparar a privatização da sua área de transporte de mercadorias.
A forma opaca como o Governo PSD/CDS avançou com o processo de privatização da CP Carga trouxe apenas razões acrescidas às que já de si impunham um intenso combate a esta privatização.
A opacidade do processo de privatização é tal que o Governo nunca informou a Assembleia da República dos verdadeiros contornos do negócio, nem permitiu que as Administrações da CP e da CP Carga informassem as respetivas Comissões de Trabalhadores como manda a Lei e a Constituição. Tal opacidade levou a que, em vez da fundada discussão em torno de factos concretos – neste caso, a análise dos documentos relevantes do negócio –, a discussão pública tenha sido reduzida às notas de imprensa do Governo e às denúncias das Organizações Representativas dos Trabalhadores.
O processo de privatização em curso caracterizou-se por sucessivas ilegalidades cometidas no processo ou nas implicações futuras para a economia e para a soberania nacional, mas também pela forma como – sem qualquer contrapartida efetiva para o património público – se transfere para uma multinacional um património de centenas de milhões de euros.
Para o PCP, não tem preço o facto de o povo português manter o controlo sobre os instrumentos estratégicos da sua economia. Mas é particularmente chocante que a CP Carga esteja a ser “vendida” por 2 milhões de euros quando possuía em caixa mais do dobro desse valor, tinha no seu balanço ativos superiores a 60 milhões e recebeu ainda uma transferência de ativos da CP (as locomotivas) superior a 116 milhões de euros. Como são chocantes muitas das questões levantadas pelas Organizações Representativas dos Trabalhadores da CP e da CP Carga: que os contratos de manutenção das locomotivas da série 5600 foram renegociados em prejuízo da CP e EMEF e benefício da MSC; que os 28 milhões que a REFER «pagou» pela transferência dos Terminais foram uma forma de capitalização para viabilizar a «venda»; que o Estado está a assumir os custos de uma artificial redução de trabalhadores (via segurança social e via CP) destinada a facilitar a contratação pela multinacional de trabalhadores com salários mais baixos e mais precários; que os “consultores externos” subavaliaram os ativos da companhia, por exemplo com locomotivas a funcionar, subavaliadas em 16615 euros.
As «razões» invocadas por PSD/CDS para impor esta privatização carecem totalmente de fundamento e não conseguem disfarçar a verdade. Por que razão foi a CP Carga expressamente colocada no Memorando com a “tróica” como empresa a privatizar se a sua dívida representa menos de 0,1% da dívida pública e as receitas da sua «venda» menos de 0,001% dessa dívida? Importaria ter em conta as Comissões de Trabalhadores da CP e da CP Carga que apresentam uma muito racional explicação de que a verdadeira razão é porque a “tróica” é um instrumento das multinacionais, e estas desejam apoderar-se dos instrumentos estratégicos da nossa economia, agravando a nossa dependência e minando a nossa soberania.
Mas sobre esta questão da dívida da CP Carga (120 milhões de euros), o processo de privatização trouxe um outro dado digno de nota: 30 milhões dessa verba correspondem a leasings de vagões transferidos em 2009 da CP para a CP Carga; e o restante foi criado pela opção, tomada em 2009, de manter na CP as locomotivas, colocando a CP Carga a pagar uma renda anual, cujos valores foram em 2014 de 18,8 milhões de euros de renda mais 7 milhões de euros dos juros já devidos pela dívida contraída para pagar essas rendas.
Ou seja, enquanto a CP Carga foi pública tinha que pagar as locomotivas à CP, mas com a venda da CP Carga o Estado transfere para a multinacional as locomotivas da CP, primeiro descapitalizando a CP Carga e agora a CP.
Importa ainda ter presente que, apesar do Governo PSD/CDS ter realizado a assinatura à porta fechada do contrato de venda da CP Carga à multinacional MSC em plena campanha eleitoral, esta venda ainda não se concretizou no plano concreto, pois a MSC ainda não está na posse da empresa. Assim, a rápida anulação da oferta da CP Carga à MSC não implicará agora nada mais do que o pagamento de uma pequena e eventual indemnização à MSC pelos compromissos erradamente assumidos pelo Governo PSD/CDS. E dizemos pequena por três razões: porque a indemnização deverá ser proporcional ao valor da venda, e esse valor foi de 2 milhões de euros; pequena porque significaria pagar umas centenas de milhares de euros para impedir uma doação de mais de cem milhões de euros; e pequena porque os custos futuros desta opção são incalculáveis.
É assim que o PCP avança, no estrito cumprimento dos compromissos assumidos com os trabalhadores e povo português, com esta iniciativa legislativa, com vista à revogação do Decreto-Lei n.º 69/2015, de 6 de maio, e de determinação da anulação dos passos dados na privatização da CP Carga.
Assim, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do número 1 do Artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei determina o cancelamento e a reversão do processo de privatização da empresa CP Carga – Logística e Transportes Ferroviários de Mercadorias, S.A..
Artigo 2.º
Norma revogatória
É revogado o Decreto-Lei n.º 69/2015, de 6 de maio.
Artigo 3.º
Disposição Transitória
O Governo deve, na estrita defesa do interesse público, utilizar todos os meios política e legalmente admissíveis para promover, consoante os casos, a declaração de nulidade ou a anulação dos contratos celebrados ao abrigo do decreto-lei referido no artigo anterior, no sentido de eliminar as eventuais perdas que lhes estejam associadas.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entre em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.