Projecto de Lei N.º 247/XI/1ª

Define o regime sócio-profissional aplicável aos trabalhadores das artes do espectáculo e do audiovisual

Define o regime sócio-profissional aplicável aos trabalhadores das artes do espectáculo e do audiovisual

Exposição de motivos

A situação de desprotecção laboral e social dos trabalhadores das artes do espectáculo foi objecto de um processo legislativo na X Legislatura desencadeado pelo Grupo Parlamentar do PCP e que culminou com a aprovação da Lei n.º 4/2008, de 7 de Fevereiro, unicamente com os votos favoráveis do PS.

Para esse processo contribuiu o PCP com o Projecto de Lei n.º 324/X, cujas propostas foram integralmente rejeitadas pela maioria absoluta de que o PS então dispunha na Assembleia da República.

Tal como o PCP então advertiu, a lei aprovada em nada resolveu os problemas sentidos pelos trabalhadores das artes do espectáculo, tendo mesmo criado dificuldades anteriormente inexistentes.

Posteriormente, perante a falta de regulamentação da matéria respeitante à protecção social destes trabalhadores, o PCP apresentou o Projecto de Lei n.º 650/X que definia um regime de protecção adequado às especificidades das suas actividades profissionais, particularmente à intermitência que as caracteriza.

Considerando que a situação é hoje em tudo idêntica à que se vivia há um ano atrás, o PCP apresenta duas novas iniciativas legislativas, uma destinada a definir o regime sócio-profissional aplicável aos trabalhadores das artes do espectáculo e do audiovisual, outra estabelecendo o regime de protecção social destes trabalhadores.
A presente iniciativa legislativa visa precisamente a definição do regime jurídico aplicável aos trabalhadores das artes do espectáculo no que respeita a acesso, certificação e qualificação profissional e relações laborais.

O PCP mantém a consideração de que a questão essencial é a consagração do contrato de trabalho como regime regra de contratação no sector das artes do espectáculo, sempre que existam relações de trabalho subordinado ou relações de exercício profissional que, pela sua integração numa estrutura organizacional, se caracterizem pela dependência económica do prestador do trabalho em face da entidade empregadora.

Estabelece-se que qualquer produção de natureza profissional deva incluir uma percentagem mínima de profissionais contratados não inferior a 70%, salvaguardadas as situações em que a natureza própria da produção não permita a aplicação dessa regra às profissões artísticas.

O controlo do cumprimento das regras de contratação exige a criação de um registo de profissionais das artes do espectáculo junto do Ministério do Trabalho, para onde as entidades promotoras de espectáculos e de conteúdos individuais devem enviar cópia dos contratos de trabalho dos trabalhadores que integrem. Essa obrigatoriedade implicará a necessidade de redução a escrito dos contratos de trabalho celebrados, sem prejuízo da presunção da existência de contrato de trabalho, independentemente da forma, para defesa do trabalhador, sempre que este esteja inserido na estrutura organizativa e se encontre numa situação de dependência económica face à entidade patronal.

Prevê-se ainda a existência de um processo de reconversão profissional, a desenvolver sempre que o trabalhador se veja impossibilitado de desenvolver a sua actividade profissional em resultado do desgaste próprio imposto pela mesma.
Nestas situações, particularmente evidentes no caso dos bailarinos, a resposta não pode ser a caducidade dos contratos de trabalho e o consequente desemprego, como se estabelece no artigo 19.º da Lei n.º 4/2008.

Para o PCP, a solução a definir deve ser uma solução que, por um lado, garanta a manutenção do posto de trabalho e os direitos do trabalhador e, por outro, permita o aproveitamento da sua experiência profissional em benefício da mesma organização mas num outro quadro funcional.
Fora do presente Projecto de Lei ficam muitas matérias certamente importantes para os trabalhadores das artes do espectáculo e do audiovisual, designadamente em matéria fiscal ou em matérias específicas de alguns subsectores, cuja consideração deve no entanto ser concretizada em sede de debate orçamental.

Constatado o fracasso da Lei n.º 4/2008, o objectivo central deste projecto de lei é dar resposta aos aspectos do estatuto sócio-profissional dos trabalhadores das artes do espectáculo e do audiovisual que os penalizam em relação aos demais trabalhadores por inexistência ou desadequação de legislação específica que tenha em conta a intermitência e a precariedade das suas actividades.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º

Objecto

A presente lei define o regime jurídico aplicável aos trabalhadores das artes do espectáculo e audiovisual no que respeita a:

a) acesso, certificação e qualificação profissional;

b) relações laborais;

c) reconversão profissional.

Artigo 2.º

Definição

Para os efeitos da presente lei entende-se por:

a) Espectáculo - toda a apresentação pública de manifestações artísticas destinadas à fruição pelo público de actividades ligadas à criação, execução e interpretação, que envolva uma ou várias áreas artísticas e a actuação de intérpretes “ao vivo” em espaços físicos tecnicamente preparados para a especificidade de cada produção;

b) Audiovisual - todo o produto de comunicação expresso com a utilização conjunta de componentes visuais e sonoros que envolva uma ou várias áreas artísticas ligadas à criação, execução e interpretação e que seja destinado à fruição pelo público através do Cinema, Vídeo, Televisão, Rádio ou Multimédia.

c) Profissões de natureza estritamente artística - profissões ligadas à criação, execução e interpretação de obras;

d) Profissões de natureza técnico-artística - profissões ligadas aos materiais, equipamentos e processos produtivos;

e) Profissões de mediação - profissões relacionadas com a organização, a gestão e a venda de bens e serviços, com a valorização, divulgação e classificação das obras e dos artistas, bem como com a pedagogia das artes e a animação cultural e urbana.

Artigo 3.º

Âmbito material

1 - O regime definido na presente lei é aplicável às profissões artísticas, técnico-artísticas e de mediação das artes do espectáculo e do audiovisual que constituam modalidades de trabalho subordinado organizadas, no tempo e no espaço, de acordo com a programação artística, a produção e a apresentação pública dos espectáculos.

2 - O disposto no número anterior não exclui do âmbito de aplicação da presente lei as profissões que, embora se caracterizem por regimes de trabalho independente, se encontrem inseridas, no caso concreto, em relações de exercício profissional que, pela sua integração numa estrutura organizacional, se caracterizem pela dependência económica do prestador do trabalho em face da entidade empregadora.

Artigo 4.º

Âmbito pessoal

1 - A presente lei é aplicável aos profissionais e estagiários das artes do espectáculo e do audiovisual.

2 - Para os efeitos da presente lei, consideram-se profissionais os indivíduos que dediquem o seu tempo, exclusiva ou predominantemente, ao exercício de uma actividade ligada às artes do espectáculo e do audiovisual, ou da qual dependa a sua subsistência.

3 - A presente lei é aplicável aos trabalhadores das artes do espectáculo e do audiovisual que se encontrem em regime de contrato individual de trabalho, sem prejuízo de regime mais favorável decorrente de lei especial ou de instrumento de regulação colectiva que lhes seja aplicável.

Artigo 5.º

Acesso às profissões

Consideram-se profissionais das artes do espectáculo e do audiovisual para efeitos da aplicação do regime específico previsto na presente lei:

a) Os detentores de diploma de curso superior ou de curso profissional habilitantes para o exercício de profissão no âmbito das artes do espectáculo que sejam oficialmente reconhecidos ou certificados nos termos aplicáveis aos respectivos graus de ensino ou de formação.

b) Os cidadãos que tenham exercido profissão no âmbito das artes do espectáculo e do audiovisual de forma exclusiva ou predominante, ou da qual tenha dependido a sua subsistência, por mais de um ano;

c) Os cidadãos que tenham exercido profissão no âmbito das artes do espectáculo e do audiovisual por um período mínimo de 240 dias no último ano;

Artigo 6.º

Estagiários

Para os efeitos da presente lei, consideram-se estagiários os cidadãos que exerçam profissão no âmbito das artes do espectáculo sem que cumpram os requisitos previstos no artigo anterior.

Artigo 7.º

Regras de contratação

1 - O número de profissionais contratados para qualquer produção de natureza profissional não pode ser inferior a 70% do número total de trabalhadores de cada uma das profissões envolvidas.

2 - O regime estabelecido no número anterior pode não ser aplicado às profissões artísticas quando a natureza da produção assim o exigir.

3 - As entidades promotoras de espectáculos e conteúdos audiovisuais de natureza profissional devem enviar ao Ministério do Trabalho e Solidariedade uma relação dos trabalhadores envolvidos em cada produção, juntando cópia dos respectivos contratos de trabalho, e, se for caso disso, a fundamentação do uso da faculdade prevista no n.º 2.

Artigo 8.º

Registo

1 - A prova da qualidade de trabalhador das artes do espectáculo e do audiovisual efectua-se mediante a inscrição em registo próprio existente no Ministério do Trabalho e Solidariedade.

2 - A inscrição no registo é obrigatória para todos os profissionais das artes do espectáculo e do audiovisual e confere um título profissional emitido pelo Ministério do Trabalho e Solidariedade.

3 - O registo efectua-se mediante a apresentação de diploma, de contrato de trabalho ou outro meio de prova do exercício de profissão no âmbito das artes do espectáculo e do audiovisual.

Artigo 9.º

Contrato de trabalho

Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que o trabalhador esteja inserido na estrutura organizativa e se encontre numa situação de dependência económica face à entidade promotora do espectáculo.

Artigo 10.º

Duração e organização do tempo de trabalho

Os contratos de trabalho celebrados no âmbito das artes do espectáculo e do audiovisual podem prever regimes específicos de duração e organização do tempo de trabalho, tendo em conta a natureza específica da produção em causa, desde que no período de duração do contrato seja respeitado o limite máximo de duração média do trabalho semanal de 40 horas.

Artigo 11.º

Retribuição

1 - Considera-se retribuição tudo aquilo a que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

2 - Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.

3 - Presume-se que constitui retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.

Artigo 12.º

Reconversão profissional

1 - Sempre que o trabalhador não possa continuar a exercer a sua actividade profissional por motivo relacionado com o desgaste próprio resultante da profissão é promovido um processo de reconversão profissional.

2 - Da reconversão profissional não pode resultar diminuição de direitos para o trabalhador.

3 - O processo de reconversão profissional é definido num plano de reconversão, a estabelecer por acordo entre a entidade patronal e o trabalhador, representado ou não pelo respectivo sindicato, contendo os termos da reconversão, designadamente:

a) a confirmação da impossibilidade de desempenho da actividade profissional que vinha sendo desempenhada por motivo decorrente do desgaste próprio que da mesma resulta;

b) a opção, devidamente fundamentada, em relação à profissão para o desempenho da qual o trabalhador deve ser reconvertido;

c) as necessidades de formação profissional, académica ou outras identificadas como indispensáveis à reconversão;

d) a definição do calendário para concretização das várias etapas do plano de reconversão.
4 - Os encargos decorrentes da reconversão profissional são suportados pela entidade patronal.

Artigo 13.º

Direito subsidiário

Aos casos omissos no presente diploma aplicam-se supletivamente, as normas da legislação geral que regula as relações laborais.

Artigo 14.º

Norma revogatória

É revogada a Lei n.º 4/2008, de 7 de Fevereiro.

Artigo 15º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, 29 de Abril de 2010

Os Deputados,
JOÃO OLIVEIRA; BERNARDINO SOARES

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