As intervenções que me precederam analisaram e evidenciaram algumas das dimensões mais importantes da actual crise económica e financeira internacional que é, pela sua natureza e amplitude, uma grave crise do próprio sistema capitalista. Crise que, como também aqui se evidenciou, revela não só o fracasso das políticas de direita, do fundamentalismo neoliberal dominante e do seu programa político e a sua incapacidade para responder aos problemas dos trabalhadores e dos povos, mas que se apresenta como um rude golpe na fábula do capitalismo triunfante dos últimos anos, capaz de dominar as suas contradições insanáveis e conter a acção predadora e destruidora inerente à evolução do próprio modo de produção capitalista. Acção que cíclica e sistematicamente se manifestou com pesadas e dramáticas consequências na vida da humanidade.
Rude golpe também nas fantasiosas construções ideológicas da tecnocracia neoliberal que, sob a capa de inquestionáveis soluções cientificas e técnicas, apresentava a globalização capitalista e os seus processos de liberalização planetária dos mercados e da livre circulação de capitais, sob o domínio da ditadura do capital financeiro e das grandes multinacionais, como a única solução dos problemas do desenvolvimento mundial, mas que não só trouxe o caos financeiro e a crise, como o aumento das desigualdades nacionais e sociais, incluindo no seio dos países mais desenvolvidos e a agudização dos problemas agro-alimentares, energéticos e ambientais.
Uma realidade que dá actualidade à luta pela construção do socialismo como única, real e necessária resposta à profunda crise do sistema.
Com a ampliação e a agudização da crise financeira e da sua crescente transposição para a economia real, temos vindo a assistir à mistificação quer das suas causas, quer das soluções e saídas para a crise que, como os próprios responsáveis o admitem, está longe de se manifestar em toda a sua plenitude e consequências.
Múltiplas operações de disfarce estão hoje em curso nos planos nacional e internacional procurando, por um lado ocultar os verdadeiros responsáveis pela crise e as suas verdadeiras causas, a interiorização e aceitação passiva pelas massas e sua inevitável participação no pagamento dos seus custos e dar uma nova legitimidade não apenas ao sistema sob a formula da criação de um novo e falso paradigma refundador, mas às próprias políticas que alimentaram a especulação e a exploração desenfreadas e que estão na origem da extraordinária amplitude que a crise assumiu e que no caso português conduziu o país à estagnação crónica da economia e à regressão social.
No que se refere às causas da crise, querem resumi-la ao rebentamento da bolha do crédito imobiliário nos Estados Unidos e à simplista e mistificadora explicação que remete a origem de todos os males para o deficiente funcionamento da regulação e para os comportamentos eticamente irresponsáveis de uma minoria instalada algures nos principais centros da actividade especulativa financeira.
Minoria que dizem dominada por uma incontrolável ganância, como se a busca do lucro máximo não fosse inerente à natureza e génese do próprio sistema, agora ainda mais exacerbado pelas práticas especulativas do grande capital financeiro que tudo domina e ao qual tudo passou a ser permitido.
Querem, com as suas mistificadoras explicações, esconder que uma das principais causas da crise está na crescente financeirização da economia mundial. Nas políticas que promoveram a desregulamentação financeira, as privatizações, a livre circulação de capitais e a economia de casino, em detrimento da produção real e das condições de vida dos trabalhadores e dos povos.
As políticas que de forma clara ou discreta deram alento às demolidoras propostas do chamado Compromisso Portugal, propagandeadas de forma avassaladora pela comunicação social dominante.
As mesmas políticas que conduziram em Portugal ao definhamento do seu aparelho produtivo, ao favorecimento dos grandes grupos económicos e das suas actividades, à concentração e acumulação capitalista, à acentuação da dependência do país face ao exterior, ao acumular de défices estruturais, ao sobre-endividamento das empresas e famílias que tornaram o país mais vulnerável face à crise do sistema capitalista, com dramáticos reflexos no aumento do desemprego, da precariedade, da pobreza e significativos recuos nas condições de vida dos trabalhadores e da população. É por isso que a actual crise internacional vem acrescentar crise à nossa própria crise que lhe é anterior.
Querem, mistificando as causas da crise, absolver não apenas o próprio sistema capitalista, mas também as suas próprias responsabilidades e dos governos que conduziram uma política que escancarou as portas ao empolamento das práticas especulativas do grande capital financeiro e às políticas monetaristas de redução das despesas públicas, nomeadamente sociais, ao mesmo tempo que impôs a crescente desvalorização dos salários e dos rendimentos das pequenas actividades e a sua substituição pelo incentivo ao endividamento e ao seu crescimento em espiral e que explicam, de forma decisiva, a actual crise do sistema financeiro e a grave crise económica em desenvolvimento.
É por isso também que esta é uma crise que tendo como epicentro o sistema financeiro é uma crise de sob-reprodução, perante as contracções dos mercados em resultado da diminuição da capacidade aquisitiva das massas.
Mas são os mesmos que diabolizaram a intervenção do Estado, para impor o dogma neoliberal do “menos Estado” e da “mão invisível do mercado” e das “reformas” ditas estruturais e de liberalização dos sistemas públicos e empresas de bens essenciais (energia, telecomunicações, água, entre outros) e que em Portugal foram assumidas pelos principais partidos com responsabilidades governativas, PSD e PS, que agora perante o descalabro da crise financeira se apresentam como os grandes defensores da intervenção do Estado e da nacionalização dos prejuízos, procurando assim passar a factura da crise para as populações em geral.
Mas mistificação das mistificações é, perante a gravidade e as consequências da crise, ver os seguidores aqui, em Portugal e na Europa, do programa neoliberal na sua versão radical ou social-democrata da protecção social mínima que vai do blairismo à esquerda moderna de José Sócrates, virem a público mostrar a sua indignação e demarcarem-se das políticas que eles próprios apoiam e vêm concretizando.
Não era apenas Manuela Ferreira Leite e o PSD que defendiam e agora disfarçam a defesa do Estado mínimo reduzido às funções de soberania, era também o PS e José Sócrates que assumindo a vulgata neoliberal sobre a economia capitalista, da competitividade como critério supremo da actividade económica e do “deixem o mercado funcionar”, criticava com arrogância desmedida todos os que se opunham a esta política de mãos rotas para o grande capital financeiro especulativo e permissiva ao seu absoluto domínio dos mercados.
É este mesmo José Sócrates e este PS que agora perante a crise e a perspectiva das eleições se empertiga nos comícios do seu partido contra a especulação bolsista e com o enlevo dos recém convertidos se passou a afirmar o mais socialista dos socialistas contra os abusos do mercado. Até aí vai ter de explicar o que fez e onde aplicou milhões do Fundo de Equilíbrio Financeiro da Segurança Social. Perguntado, o Ministro do Trabalho disse que o que interessa é o resultado.
Aí o temos a virar à esquerda em palavras e em promessas, mas na realidade a tomar as decisões para salvar o grande capital financeiro em várias frentes. Na Europa, a decidir no Conselho Europeu deste mês não apenas os planos de salvamento do sistema financeiro, mas a aceleração da retoma das reformas estruturais da neoliberal Estratégia de Lisboa das liberalizações, privatizações e da flexibilidade das relações laborais. Por cá, na mobilização e disponibilização de 20 mil milhões de euros do Estado em condições muito pouco transparentes, nomeadamente no que se refere às contrapartidas. Milhões que se recusam quando se trata de resolver os problemas dos portugueses ou as dificuldades das pequenas e médias empresas.
A recapitalização do sistema financeiro em curso terá, entre outros, efeitos penalizadores nas contas públicas e orçamentos de Estado, nas restrições e encarecimento do crédito para as pequenas empresas, autarquias e projectos públicos, no aprofundamento dos défices de investimento público e reflexos negativos nas políticas sociais que não podem ser subestimadas e precisavam de ter sido acauteladas e não há garantias que assim tenha acontecido com a fuga do governo à definição dos critérios e condições da cedência dos dinheiros públicos à banca privada, como o PCP justamente o exigia.
Não questionamos a necessidade de estabilizar o sistema financeiro, mas isso pressupõe regras e compromissos claros e uma justa remuneração dos dinheiros e a salvaguarda do interesse público. Tal como se exige a garantia da punição dos responsáveis pelas práticas fraudulentas e especulativas.
Mas vemo-lo também na ofensiva ideológica e na farsa que por cá e por essa Europa fora se encena com o inviável retorno ao velho mito do capitalismo regulado como solução para a crise, mas efectivamente prosseguir a velha política sob novas formas e dar cobertura a novos processos de usurpação de soberania ao Estado-nação para novas instâncias de concertação supranacional compatíveis com os processos de concentração do capital em desenvolvimento com a crise.
O que está em curso e o que se prepara não é nenhuma mudança de paradigma, ou seja, uma qualitativamente nova realidade no sistema de relações económicas e sociais, como se pretende anunciar com as noções de refundação do capitalismo, agora sobre a designação de “democrático” ou outra, mas o esforço dos mesmos responsáveis políticos que assumiram o essencial do programa neoliberal, para retomar a dinâmica especulativa e o processo de acumulação capitalista, no quadro de uma tentativa de concertação entre as grandes potências de partilha de poder e para promoverem uma nova rearrumação do sistema financeiro internacional.
Anunciam e prometem mais regulação e mais transparência, mas no que estão a pensar é salvar os infractores e o perverso sistema que os suporta e sustenta na versão neoliberal, aqui e na Europa do grande capital multinacional.
Nós temos visto o que tem sido a regulação no plano mundial e as promiscuas relações que se desenvolvem entre as instâncias reguladoras e os grandes interesses económicos.
Nós temos visto o que é a regulação e o que são as entidades reguladoras em Portugal.
Vimo-lo no controlo ao mercado dos combustíveis ainda há pouco tempo a assobiar para lado, enquanto os portugueses pagavam milhões de euros a mais na gasolina e no gasóleo. Vimo-lo no acompanhamento ao escândalo do BCP. Vê-se na regulação do mercado da energia com a ERSE que cada vez mais se comporta como agente dos grandes accionistas da EDP, em prejuízo dos consumidores e das pequenas e médias empresas.
É por isso que o Estado dito regulador, tão do agrado do PS de Sócrates, é uma farsa que apenas serve para isentar de responsabilidades o governo e deixar à mão invisível do grande capital económico e financeiro o domínio absoluto dos mercados. Falam de regulação, mas nada dizem sobre o que pensam fazer aos off-shores, esses paraísos fiscais onde predominam as actividades de fuga ao fisco e lavagem de dinheiro, tal como nada dizem sobre a livre circulação de capitais.
Não há operação de disfarce que possa iludir a identidade de valores, propósitos e objectivos da acção governativa do PS de José Sócrates com a parte mais substancial do programa neoliberal.
Sócrates põe-se na posição de quem olha a crise do lado de fora, tal como o PS, ensaiando uma inaceitável postura de desresponsabilização, ao mesmo tempo que aproveita a crise internacional para esconder o fracasso da sua política e o do sua responsabilidade no agravamento da crise no nosso país. Mas não pode pôr-se de fora nem desresponsabilizar-se quem, como o PS e os seus governos, tem dado força à fúria privatizadora das empresas estratégicas e dos serviços públicos, quem apoia e defende a política monetária neoliberal do Banco Central Europeu que secundariza o crescimento e o emprego ou quem faz do cumprimento do neoliberal Pacto de Estabilidade e Crescimento uma obsessão, com desastrosas consequências nas condições de vida dos portugueses.
Não se pode pôr do lado de fora quem durante os seus anos de governação desencadeou a mais feroz ofensiva ideológica de características marcadamente neoliberais, para a desacreditar e desclassificar a importância e valor das conquistas sociais da luta dos trabalhadores que depreciou e classificou como arcaica e os próprios direitos sociais adquiridos, como privilégios inaceitáveis.
Não se pode pôr de fora quem agiu no plano para atacar direitos e desequilibrar ainda mais a injusta distribuição do rendimento nacional com a sua política de desvalorização dos rendimentos do trabalho e que se prepara para culminar o seu mandato com um brutal ataque aos direitos históricos dos trabalhadores com a sua revisão do Código de Trabalho. E, se quisesse dar algum sinal concreto do seu arrependimento social-democrata suspendia as suas proposta que estão na Assembleia da República.
Tal como não se pode pôr de fora e desresponsabilizar-se pela evolução negativa da situação do país quem durante meses a fio, apesar dos alertas do PCP, negou e desvalorizou a crise e ocultou as suas previsíveis consequências.
Os últimos desenvolvimentos da situação nacional e internacional mostram que, apesar de se terem lançado milhões de euros e dólares para cima da crise para salvar o sistema financeiro, a crise continua e no horizonte se mantêm as negras perspectivas da recessão económica generalizada. Nem o anúncio da disponibilidade de novas e mais substanciais transferências dos estados nacionais se revelam capazes de conter a continua degradação da situação de crise.
A realidade está a demonstrar que não bastam medidas de recapitalização do sistema financeiro e que as soluções têm que ser encontradas no combate às causas que estão na origem da crise.
Os problemas de fundo exigem a superação da situação que mantém intocável o poder económico e político do grande capital económico e financeiro e profundas transformações de carácter antimonopolista.
No nosso país não há resposta à crise sem uma a ruptura com a política de direita e sem a afirmação e concretização de uma nova política de esquerda que tenha como objectivos a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e da população, a dinamização da actividade económica, a criação de emprego, o reforço do papel do Estado na economia, a dinamização do mercado interno e o estímulo à actividade das MPME, o reforço do investimento, o combate aos deficits estruturais do país e a defesa da soberania nacional.
Não há resposta eficaz à actual tendência de agravamento da crise e ao seu alastramento com mais falências e aumento do desemprego sem medidas que promovam o aumento do poder de compra das massas que estimulem a procura e com ela a dinamização das actividades económicas em termos globais. Medidas que visem repor o poder de compra perdido ao longo dos últimos anos e de combate ao endividamento das famílias e uma mais justa distribuição dos rendimentos nacionais que não é compatível com a alteração para pior do código do trabalho.
Não há resposta eficaz à superação da actual crise sem o reforço do papel e intervenção do Estado em sectores e áreas estratégicas e sem progredir a partir da CGD para a assumpção pelo Estado de uma posição dominante e determinante no sector financeiro e da tomada de posições do controlo accionista em grandes empresas dos sectores energéticos, de comunicações e transportes;
Não há resposta à crise sem uma política consequente de defesa dos sectores produtivos e da produção nacional, começando por se fazer uma avaliação prospectiva dos sectores mais vulneráveis à crise, concentrando e antecipando nesta direcção os fundos estruturais do QREN e a promoção de políticas de factores e meios de produção na energia, comunicações, água e crédito que assegurem níveis adequados de competitividade às empresas portuguesas;
Não há resposta à crise e à alteração da grave situação económica e social sem uma nova política de crédito, que no quadro da autonomia gestionária da CGD, responda com baixa da taxa de juro e dos spreads à situação das famílias endividadas com a compra de casa e às pequenas empresas e sem uma audaciosa política de investimento público e privado.
Não há resposta à crise e às suas consequências sem o reforço da rede pública de protecção social, nomeadamente com a revisão do valor e acessibilidade ao subsídio de desemprego.
Não há superação da crise, mas também dos nossos atrasos e das nossas debilidades sem uma firme e determinada defesa dos interesses e da soberania nacional perante as imposições da União Europeia, que compreenda a luta por: assegurar a direcção política do BCE pelos Estados membros e a revisão, desde já, da política monetária do euro forte a favor do crescimento económico e do emprego. Sem a imediata suspensão do Pacto de Estabilidade e a urgente revisão da Estratégia de Lisboa em todos os seus objectivos e dimensões privatizadoras e liberalizantes. Tal como sem a promoção de reformas urgentes das políticas comuns agrícola e das pescas que garantam a segurança e soberania alimentares de cada país, pondo fim também aos offshores e à livre circulação de capitais.
É nesta essencial direcção que se podem encontrar as resposta aos problemas do nosso desenvolvimento que assegurem a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo, com a consciência que a resposta é a luta pelo socialismo como alternativa e solução para a Humanidade. Luta que poderá conhecer perigos enormes à escala planetária mas que comporta potencialidades que os trabalhadores e os povos hão-de protagonizar!
É desta esperança que falamos!