Senhor Presidente Senhores Deputados:
É esta a terceira iniciativa legislativa que o PCP apresenta na Assembleia da República sobre o acesso ao Direito e aos Tribunais.
Para trás ficam os Projectos de Lei nºs 427/III e 342/IV que, dado o generalizado reconhecimento da importância de efectivar um direito fundamental previsto no artigo 20º da Constituição, suscitaram vivos e amplos debates. Salientando-se o debate e as conclusões do II Congresso dos Advogados Portugueses realizado em Dezembro de 1985, cerca de um ano após a apresentação do Projecto do PCP.
Para trás, fica também a iniciativa do PCP propondo em 1986, em sede de Orçamento do Estado, o reforço das verbas do Ministério da Justiça, com vista á realização de acções piloto em matéria de promoção de acesso ao direito, especialmente no domínio do patrocínio oficioso em processo penal. Proposta aprovada pela Assembleia da República.
A concretização do direito fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais é, na verdade, escopo fundamental do Estado de Direito Democrático. Tal como se assinalava no Projecto de Lei nº 342/IV, o artigo 20º da Constituição é uma importante garantia da igualdade dos cidadãos e uma expressão basilar do princípio democrático. O Estado de Direito democrático ficará por realizar enquanto existirem direitos definidos na lei sem que a maior parte dos cidadãos possam exercê-los ou sequer ter consciência deles. O princípio de que a ignorância da Lei não aproveita a ninguém revelar-se-á um princípio brutal se não for garantida a todos os cidadãos, independentemente dos recursos económicos, a informação jurídica. Mais brutal ainda se os cidadãos de parcos recursos não puderem ter acesso à consulta e apoio jurídicos gratuitos. Assinale-se, de resto, que os Advogados Portugueses, nomeadamente através da sua Ordem, tiveram sempre uma atenção especial relativamente à garantia do acesso ao direito.
Ainda no tempo do fascismo a Ordem dos Advogados quis implantar um serviço de ajuda jurídica.
Em 1983, aliás com base no Relatório da Comissão de Acesso ao Direito criada pelo Despacho nº 22/78 do então Ministro da Justiça, a Ordem dos Advogados publicaria no seu Boletim um aanteeprojecto de Acesso ao Direito, a que se seguiu um vivo debate entre os Advogados.
Em Dezembro de 1985 o II Congresso dos Advogados Portugueses aprovaria nas suas Conclusões sobre o Acesso ao Direito, o seguinte:
• O novo regime de acesso ao Direito deverá expressar a colaboração a estabelecer entre o Estado, a Ordem dos Advogados e outras entidades públicas e privadas, constituindo a Ordem a entidade determinante da sua efectiva concretização. • A consulta jurídica e o patrocínio judiciário que sejam prestados no domínio do novo regime do acesso ao direito deverão sê-lo por advogados e solicitadores em regime de profissão liberal, convencionada ou não, mas sempre no respeito de todas as regras fixadas nos respectivos Estatutos profissionais.
A verdade é que, durante longos anos, foi recaindo sobre o esforço e mesmo abnegação de advogados e advogados estagiários, a protecção jurídica dos cidadãos carenciados.
Mas a verdade também é que apesar de melhorias que se foram registando no regime de acesso ao direito, este não está ainda devidamente garantido.
A verdade é que, claramente quanto à defesa oficiosa, o sistema falha, por vezes estrondosamente.
A verdade é que a última reforma, retirando aos Magistrados a decisão sobre o apoio judiciário, para a colocar nos serviços da segurança social, se revelou burocratizante, e incapaz de garantir aos cidadãos mais carenciados a protecção jurídica. Torna-se, assim, imperioso, retomar a definição de um quadro que concretize a garantia constitucional.
O Projecto de lei do PCP não pretende regular até à exaustão, o quadro legal em que se processará o direito à informação e à protecção jurídica. Relativamente a isso fixa alguns princípios e normas, remetendo para a regulamentação o quadro restante.
E é assim que, por exemplo, a explicitação de que o direito ao apoio judiciário é concedido independentemente da posição na causa, que o Projecto não afasta, ficará para regulamentação.
E o certo é que o direito à protecção jurídica se aplica a todos as questões de processos de natureza cível, penal, laboral, administrativa, social, comercial, fiscal ou contra-ordenacional, conforme resulta do artigo 4º do Projecto de lei.
Continuando, aliás a responder a algumas observações do senhor Deputado Vitalino Canas, a verdade é que o direito à informação jurídica é, nos termos constitucionais, um direito de todos os cidadãos, e não apenas dos de mais fracos recursos. Pelo que não tem razão de ser aplicar as presunções de carência económica àquele direito. O direito à informação jurídica não é o direito à consulta e apoio jurídicos.
Continuando ainda na análise das observações do Relatório, impõe-se que se diga que o Projecto de Lei do PCP não exclui a sua aplicação a pessoas colectivas. Como claramente resulta do artigo 9º alínea c) do Projecto de Lei e do artigo 6º.
Relativamente ao inciso observado no Relatório, dir-se-á que com ele se pretendeu transpor a Directiva, e a Directiva apenas diz respeito ao apoio judiciário às pessoas singulares.
Não é, assim, verdade que o projecto de lei exclui quaisquer pessoas colectivas com excepção do Estado Português.
E relativamente a esta representação, não há qualquer colisão com as competências do Ministério Público, porquanto o Projecto de Lei é bem explícito, quando refere que tal acontecerá apenas quando necessário.
Isto é, quando o Ministério Público entender não dever representar o Estado. Porque, por exemplo, como defensor da legalidade democrática pode entender que não o deve fazer.
Importará agora frisar alguns dos traços mais importantes do Projecto de lei que, essencialmente se debruçou sobre a criação de um Instituto público que assegure o direito à informação e à protecção jurídicas.
Em 1º lugar, entendemos que esta é a melhor forma de cumprir o preceito constitucional de responsabilização do Estado. O Estado está nesse instituto, e é assim que, claramente, poderá ser responsabilizado pelas deficiências do regime de acesso ao direito.
Entendemos que os advogados portugueses e a sua Ordem, devem acautelar-se relativamente a soluções que somente a eles os responsabilizará perante a opinião pública. Temos uma larga experiência sobre a responsabilização de advogados, ainda por cima mal e tardiamente remunerados perante os serviços que prestam.
Mas se optamos pelo Instituto público, entendemos que a Ordem dos Advogados deve ter um peso determinante nesse Instituto. E isso acontece no nosso Projecto de Lei, tal como se assinala no Relatório aprovado pela Comissão.
Em 2º lugar, desiludam-se os que mal pensaram que a solução do Projecto de Lei do PCP seria uma solução estatizante.
Não o é. Os advogados, os advogados estagiários e os solicitadores do quadro do ISPAD exercem a sua actividade no regime de profissão liberal, sem obediência a quaisquer hierarquias, sujeitos aos Estatutos dos Advogados e dos Solicitadores, nomeadamente quanto à deontologia e à disciplina. E não estão sequer em regime de exclusividade.
Assim, quanto a algumas vozes que cedo de mais se levantaram, restará dizer como o povo diz, mas com a devida vénia : cadelas apressadas parem cães cegos.
Levámos em consideração no nosso Projecto de Lei todo o riquíssimo debate sobre o assunto, nomeadamente o que conduziu às conclusões do II Congresso dos Advogados Portugueses.
E é por isso que não esquecemos o papel importante, no regime de acesso ao direito de outras entidades, públicas e privadas, como o reconhecia na conclusão terceira o II Congresso da Ordem dos Advogados.
“ O novo regime de acesso ao direito deverá expressar a colaboração a estabelecer entre o Estado, a Ordem dos Advogados e outras entidades públicas e privadas, constituindo a Ordem a entidade determinante da sua efectiva concretização”.
É isso que fazemos no nosso Projecto de Lei. Não esquecendo, nomeadamente, o papel importante que até à data tem tido, o Ministério Público, mas também outras entidades públicas ou privadas como organizações sindicais, organizações de defesa dos consumidores, associações de inquilinos, e associações de protecção das vítimas de crimes.
Nomeadamente na área da consulta jurídica, tem-se revelado de grande importância a actividade de entidades como as referidas, pelo que, o que há que desenvolver é a cooperação para que tais entidades possam ainda aperfeiçoar a sua actividade. E nunca colocar obstáculos à sua actuação.
O Projecto de Lei é, sem dúvida, passível de melhorias. Mas contém as traves mestras de concretização do princípio democrático.