Intervenção de Vasco Cardoso, Membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, Sessão Pública «As nacionalizações, o crime das privatizações, sectores estratégicos e o desenvolvimento do País»

As consequências de 35 anos de privatizações

As consequências de 35 anos de privatizações

Camaradas e amigos

“Portugal é hoje um país comandado pelo poder dos grupos económicos e das multinacionais. As dificuldades que marcam a sua vida e condicionam o seu desenvolvimento, a dimensão das desigualdades e injustiças que evidencia são, em grande medida, a expressão directa desse comando. A crescente intervenção do grande capital a partir dos instrumentos de dominação – em particular as grandes empresas em sectores estratégicos, o poder político, o aparelho do Estado e os meios de dominação ideológica – determina muito do curso da vida política nacional, das orientações da política económica, da inserção de Portugal no mundo e da configuração das instituições aos seus objectivos.”

A afirmação que aqui acabei de ler é o parágrafo de abertura do capítulo 2 sobre a evolução da situação nacional inscrito na Resolução Política do XXII Congresso do PCP que realizámos no passado mês de Novembro. 

O domínio do grande capital sobre a vida nacional teve como elemento chave o processo de privatizações. Da mesma forma que as nacionalizações foram característica central do processo revolucionário as privatizações foram um dos elementos centrais do processo contra-revolucionário.

A política de privatizações de sucessivos governos do PS, PSD e CDS, teve como objectivo central a reconstituição dos grupos económicos monopolistas, que foram um dos suportes da ditadura, liquidados pelo 25 de Abril e pelas nacionalizações. Falaram de racionalização económica, eficiência, modernização, desenvolvimento. Pois bem, foi tudo isso mas ao contrário. 

Conhecemos a modernização e a especialização entretanto feitas! Sabemos como esses grupos se especializaram na produção de bens e serviços não transaccionáveis, na exploração dos trabalhadores, na predação dos sectores produtivos e PMEmpresas.

Neste percurso procuraram confundir «reestruturação económica» com centralização e concentração de capitais, promovendo a liquidação de unidades e sectores, o desmantelamento da coerência e racionalidade de fileiras produtivas e áreas de actividade das empresas públicas, como aliás aconteceu na Quimigal, na Siderurgia, na Metalomecânica pesada, no sector agro-alimentar, nas indústrias extractivas, nos transportes, ou na energia.

Procuraram fazer vingar a ideia de que a lógica dos sectores empresariais privados seria idêntica, ou poderia ser confundida, com a lógica do sector público, a quem cabe garantir uma eficaz intervenção e dinamização dos sectores produtivos, e em particular das pequenas e médias empresas, e um eficiente abastecimento de bens e funcionamento de serviços essenciais, a preços controlados!

Procuraram justificar este percurso com uma dita eficiência, racionalidade económica, modernização, quando ao mesmo tempo se procedia à liquidação da coerência da fileira nas celuloses, da intermodalidade nos transportes, do papel chave de empresas como a EPAC no plano agrícola. Já para não falar da privatização e desmantelamento da EDP e da Portugal Telecom escondendo as consequências negativas que dai adviriam, para a indústria transformadora portuguesa, e para os consumidores! Aliás, quando muito falam da dita excelência da gestão privada, convém relembrar o descalabro do sector bancário português na 2ª década deste século , com  o BPP, o BPN, BES, e por aí fora.

Não. Os grupos económicos privados não foram nem serão «núcleos de racionalidade económica», a única racionalidade que conhecem é a do lucro, mesmo se há conta da especulação, da fuga ao fisco, do comprometimento dos interesses nacionais, da corrupção!

Camaradas

As consequências de 35 anos de privatizações são hoje, de facto conhecidas, mesmo se há quem não as queira ver. 

No tecido económico do país, o domínio de um número restrito de grupos (económico-financeiros) sobre a economia nacional, que acentuou uma estrutura monopolista em sectores de serviços e bens essenciais. Que reforçou uma hierarquia de relações desfavorável às pequenas, médias e até grandes empresas, e ao próprio Estado. São particularmente graves os efeitos da monopolização e oligopolização dos mercados, a jusante e a montante dos sectores produtivos, inclusive pelo papel desses Grupos na intermediação no mercado interno de bens e serviços estrangeiros! Não há, como a experiência abundantemente tem demonstrado, entidades reguladoras, que respondam a este problema. O papel, esse sim regulador, que empresas como a EDP, a PT, a GALP, ou até a ainda pública CGD, poderiam ter na regulação do comportamento económico, foi e está a ser destruído.

Quanto ao mercado da força de trabalho as privatizações significaram uma degradação geral do nível quantitativo e qualitativo da mão-de-obra. Com os baixos salários, a precariedade e desqualificação de estatutos profissionais, a subcontratação e externalização de serviços. Políticas laborais desvalorizantes, visando uma rápida recuperação dos capitais investidos na aquisição dos activos privatizados. Processos ainda com impactos na situação laboral dos restantes trabalhadores. 

Nas contas públicas o Estado perdeu as receitas dos dividendos que deixou de receber – tratava-se em muitos casos de empresas bastante lucrativas – e também perdeu e perde receitas fiscais, tão necessárias aos serviços e investimento Públicos. Contrariamente ao prometido não se resolveu o problema da Dívida Pública, pelo contrário, as vultuosas receitas das privatizações perderam-se num saco sem fundo. Agravou-se a Balança de Pagamentos pela crescente saída de rendimentos por exportação de dividendos decorrentes da forte presença do capital estrangeiro nas empresas privatizadas.

Os sectores produtivos, agricultura, pescas e indústria foram e continuam a ser fortemente atingidos pelas condições (fundamentalmente preços) de acesso a factores de produção tão diversos como a energia, os transportes, as comunicações e pelo agravamento dos efeitos, já referidos, da monopolização e oligopolização dos mercados. 

Agravou-se a dependência estrutural da economia portuguesa do capital transnacional e transferiu-se o comando de importantes sectores para o estrangeiro. Nalguns casos, privatizaram-se  actividades e infraestruturas que são elementos nucleares da soberania nacional – portos e aeroportos, telecomunicações, redes de transporte de energia, etc. As privatizações constituíram uma verdadeira “desnacionalização” de activos estratégicos da economia e não deixa de ser uma amarga ironia, que alguns dos promotores de um conhecido movimento de defesa de Centros de Decisão Nacionais, que depois de reclamarem para o efeito privatizações privilegiadas para o Capital Português (relembramos aqui os famosos Encontros do Beato) fossem os primeiros a alienar esses activos ao capital estrangeiro.   

No plano do ordenamento do território e do uso dos recursos naturais, pelo carácter estruturante de muitas das empresas públicas privatizadas, pela sua natureza de organização em rede, pela sua índole estratégica, aprofundou-se a incapacidade do Estado. O ordenamento do território e o uso dos recursos naturais ficou sujeito às lógica da maximização dos lucros, quase sempre pouco compatível com tais objectivos. O que é claramente evidenciado na liquidação de unidades, delegações, sucursais no interior do País dos CTT, EDP, Empresas Rodoviárias, etc e a ausência ou atrasos significativos na implantação nessas regiões de redes de telecomunicações de última geração, ou na garantia do Serviço Universal de serviços essenciais.

E uma importante e decisiva questão política, que constitui uma sólida tese do PCP.

Os processos e a política de privatizações levaram e estão a levar a uma situação em que quem determina a política nacional, é cada vez menos o povo português, mas os que ilegitimamente, ao arrepio da CRP, se apropriaram de mecanismos fundamentais da economia portuguesa.

A degradação do regime democrático de Abril é indissociável do processo de domínio dos grupos económicos sobre o País. A corrupção é indissociável da promiscuidade dos grandes negócios com o poder político. E é extraordinário que tantas boas almas, inclusive à esquerda, que tanto choram a degradação do regime democrático, nunca consigam ver a subversão concretizada pela submissão do poder político ao poder económico, que as privatizações aprofundaram.

Camaradas

Se aqui relembramos o crime das privatizações, temos também que assinalar os perigos que se colocam, não apenas ao que resta do sector empresarial do Estado, mas também a importantes funções sociais que estão a ser crescentemente mercantilizadas e privatizadas, como são os casos da saúde ou da educação. Empresas como a TAP, a Portugália, a CGD, a RTP, a Silopor, o Arsenal do Alfeite, a Companhia das Lezírias, entre muitas outras continuam na mira do grande capital que conta com um poder político disponível para as entregar. E se associamos a venda da propriedade das empresas como a forma mais clara de privatização, importa não esquecer, outros instrumentos que resultam no mesmo efeito, como é o caso das concessões ou das chamadas Parcerias Público Privadas.

O País não aguenta mais este assalto aos recursos nacionais. A situação exige a ruptura com as privatizações, exige o controlo público dos sectores estratégicos da economia

A Constituição da República Portuguesa estabelece como princípios fundamentais da organização económico-social «a subordinação do poder económico ao poder político democrático, a coexistência dos sectores público, privado, cooperativo e social da propriedade dos meios de produção e a liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista, o planeamento democrático do desenvolvimento económico e social».

Tal não é compatível com a política de privatizações. A incompatibilidade entre as privatizações e a CRP, é também uma das razões pelas quais PSD, IL e Chega querem colocar na agenda uma nova revisão constitucional.

Quando anunciamos que há que combater todas as tentativas de privatização, não deixamos de apontar a profunda necessidade de reforçar o Sector Empresarial do Estado. Há muita coisa que não está bem e tem que ser alterada. Muitas das actuais fragilidades do SEE são fruto de sabotagem, de uma acção consciente para reduzir a capacidade de resposta operacional e assim facilitar o projecto de transferência dessas empresas para os grupos económicos. Outras são derivadas de querer gerir as empresas públicas como se elas fossem empresas privadas, com os mesmos estreitos objectivos. Tudo isso tem que mudar.

É preciso eliminar as restrições abusivas ao funcionamento das empresas públicas. Nos salários, na contratação de serviços, no investimento, no endividamento, na celebração de contratos, na contratação de pessoal, no enquadramento legal, as empresas públicas estão cada vez mais apertadas num colete de forças que leva ou à sua privatização, ou à sua destruição.

Na gestão das empresas também muito tem que mudar. Desde logo os objectivos. Se uma empresa é pública pelo seu carácter estratégico, então os seus objectivos são necessariamente ligados a esse carácter estratégico, seja fornecendo energia o mais barato possível à economia e aos utentes, seja alargando a rede a todo o território nacional, seja pelo aumento da componente de produção nacional.        

A outra vertente da gestão onde é preciso melhorar muito é na sua transparência e autonomia. Também aqui é preciso combater a cópia ao que de pior se faz no sector privado: o peso crescente dos salários e das mordomias de gestores e conselhos de administração Para o PCP a gestão deve ser democrática e verdadeiramente transparente. 

A situação exige a ruptura com o domínio do capital monopolista.

O País precisa de impedir as privatizações que PSD, PS, CDS, IL e Chega querem impor, desde logo a TAP que constitui uma das mai importantes empresas nacionais, e precisa de recuperar o controlo público de sectores estratégicos como a Electricidade, a gestão de Aeroportos ou os Combustíveis, para dar alguns exemplos mais consensuais. Serviços Públicos como os transportes públicos, os correios, a água ou as telecomunicações necessitam de ser prestados por fortes empresas públicas. 

 

Chegados aqui, 50 anos depois do início do processo das nacionalizações, nós não atirámos nem atiramos a toalha ao chão. Resistimos, com os trabalhadores e o povo português, tudo o que foi possível resistir. E vamos continuar a resistir e a avançar por um Portugal com futuro.

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