Intervenção de Paula Santos, Presidente do Grupo Parlamentar e membro da Comissão Política do Comité Central

Conclusões das Jornadas Parlamentares do PCP na Serra da Estrela

Ver vídeo

''

Senhores jornalistas,

1. O Grupo Parlamentar do PCP realizou estas Jornadas Parlamentares na Serra da Estrela envolvendo os distritos de Castelo Branco e da Guarda. São territórios deprimidos e tragicamente desprotegidos, como demonstraram os incêndios em 2017 e 2022.

Cada um destes distritos perdeu, entre 2011 e 2021, mais de 18 mil habitantes, o que no distrito da Guarda corresponde a 11% da população.

O processo de desindustrialização teve efeitos nefastos na região. O tradicional sector têxtil viu encerrar muitas empresas e continua a sofrer encerramentos e dificuldades. Os dois distritos continuam a perder postos de trabalho. 

A persistência de portagens na A23 e A25 limita a acessibilidade à maioria da população e às pequenas empresas para favorecer o negócio ruinoso das parcerias público-privadas.  A falta de investimento em acessibilidades como o IC6, o IC7, o IC31 ou o IC37, a degradação do transporte ferroviário e a não reabertura da linha do Douro entre Pocinho e Barca d´Alva, o encerramento durante anos da Linha da Beira Baixa e agora o arrastamento das obras na Linha da Beira Alta, assim como a ausência de melhoria de oferta de transportes rodoviários e de passes sociais acessíveis, comprometem a mobilidade das populações.

As soluções para a região não passarão pelo incentivo ao teletrabalho no interior, nem pelos projetos predadores da natureza e exploradores de mão-de-obra, ou pelos megaprojectos turísticos na Serra da Estrela, enquanto prossegue o encerramento de escolas, serviços de saúde, estações dos CTT, agências bancárias, ou postos da GNR. 

A fusão e agregação de serviços de saúde conduziu à perda de capacidade e de valências que no Centro Hospitalar Universitário da Cova da Beira (CHUCB) se traduz na desvalorização do Hospital do Fundão.  São cada vez mais frequentes as notícias de dificuldades de funcionamento dos serviços no Centro Hospitalar Universitário da Cova da Beira, mais recentemente na urgência e no serviço de obstetrícia, invariavelmente relacionados com a falta de pessoal. Também o Hospital de Seia foi esvaziado de valências desde a criação da ULS da Guarda há quinze anos e dezenas de extensões de saúde encerraram, num caminho contrário às necessidades das populações. O desinvestimento no SNS tem sido acompanhado por mais transferências para os grupos privados que fazem investimentos a partir da predação de fundos públicos, multiplicando os anúncios de mais unidades hospitalares privadas na Covilhã e na Guarda, ou o da construção de uma  estrutura residencial para idosos por uma multinacional do sector, também na Covilhã. 

A extensão e gravidade dos problemas que os Distritos de Castelo Branco e da Guarda enfrentam exigem a adoção de uma política que rompa com a política de direita. É necessária outra política que avance com investimento público e apoio à produção nacional, apoio à agricultura familiar e às MPME, assim como é necessário um processo sério de descentralização, inseparável da criação das regiões administrativas. Só valorizando quem trabalha, valorizando as funções sociais do Estado e os serviços públicos será possível combater as assimetrias sociais e regionais.

Senhores Jornalistas,

2. No próximo dia 28 de junho, o Grupo Parlamentar do PCP vai realizar uma Interpelação ao Governo, que será centrada no agravamento das condições de vida, no combate às desigualdades e injustiças sociais, e na degradação do acesso a serviços públicos que asseguram o cumprimento de direitos fundamentais.

Neste debate pretendemos confrontar o Governo com as suas opções políticas, em especial com a falta de resposta aos problemas que se agravam todo os dias no País e que estão a empurrar as famílias para a pobreza,  e a criar crescentes desigualdades e injustiças num contexto económico e social em que salários e pensões perdem valor real, realidade que contrasta com a acumulação de lucros escandalosos pelos grupos económicos, sobretudo a banca, a grande distribuição, os setores energético, segurador e das telecomunicações.

Pretendemos também confrontar o Governo com as crescentes dificuldades das populações no acesso a serviços públicos que garantam, com qualidade e em condições de igualdade, a efetivação de direitos sociais fundamentais constitucionalmente consagrados. As dificuldades no acesso à saúde por falta de investimento no SNS e no acesso à habitação por falta de políticas públicas que o promovam, são áreas críticas em que o PCP não deixará de confrontar o Governo com as suas responsabilidades.

3. Nas matérias relativas ao acesso ao emprego e garantia dos direitos dos trabalhadores, a realidade que se vive desde há muito, é crítica. Uma realidade que se deve essencialmente à destruição do aparelho produtivo e dos serviços públicos com a consequente transferência das populações para os grandes centros urbanos ou para a emigração.

As opções políticas do Governo do PS não passam pela criação de mais emprego, de emprego com direitos e melhores condições de vida. Passam antes pela apresentação de um programa de atração de trabalhadores remotos para os territórios de baixa densidade que nada resolve, porque está completamente desligado da realidade local.

Das oportunidades de trabalho existentes, avulta um enorme recurso ao trabalho temporário e ao outsourcing em centros de contacto e, portanto, com recurso a formas precárias de contratação de trabalhadores, que não garantem o cumprimento dos seus direitos, a articulação da vida profissional com a vida pessoal e familiar, os horários de trabalho, a segurança e saúde dos trabalhadores. 

O trabalho executado nos centros de contacto é efetuado com recurso à utilização de visores, sendo na esmagadora maioria dos casos executado sem observância de pausas, sem instrumentos de trabalho ergonómicos e com estabelecimento de metas de produtividade praticamente inalcançáveis. A inobservância de regras de segurança e saúde no trabalho contribuem em larga medida para esgotamento dos trabalhadores e o aparecimento de doenças profissionais.

O PCP continuará a bater-se pela reposição e melhoria de direitos dos trabalhadores, e pela observância das regras de segurança e saúde no trabalho, e nesse sentido, apresentará um Projeto de Lei que atualiza as medidas de proteção aos trabalhadores que utilizam equipamentos com visor.

4. A defesa e promoção da produção nacional constitui fator de desenvolvimento, de criação e qualificação do emprego, de salvaguarda do ambiente e da soberania nacional.

A política de sucessivos Governos, de costas para os pequenos e médios produtores nacionais, vem desmantelando serviços do Ministério da Agricultura em função dos interesses dos grandes produtores e do agronegócio e está na origem da redução dos rendimentos dos agricultores em 11,2% em 2022 e do agravamento do défice da balança agroalimentar em 50%.

O PCP prossegue a defesa do setor produtivo primário, apresentando propostas concretas que respondam aos problemas que estes produtores enfrentam.

Assim, o PCP irá apresentar uma iniciativa legislativa para a revogação do Decreto-Lei n.º 36/2023, de 26 de maio, reconstituindo as Direções Regionais de Agricultura e Pescas, garantindo a manutenção dos seus núcleos de atendimento e restabelecendo os serviços de proximidade junto dos agricultores.

Na linha da valorização da produção nacional e da proteção dos rendimentos dos produtores, o PCP irá apresentar um Projeto de Resolução para que o Governo desenvolva uma estratégia de valorização da lã nacional e particularmente a proveniente de raças autóctones, em articulação com a valorização do leite e queijo de ovelha, envolvendo as estruturas representativas dos produtores.

E para responder às dificuldades impostas pelos mais frequentes cenários de seca, o PCP apresentará um Projeto de Resolução para que o Governo assegure, de forma célere, a requalificação e modernização do regadio da Cova da Beira, bem como a construção do regadio a sul da Gardunha de modo a melhorar as condições de produção agrícola e pecuária na região, salvaguardando água para consumo humano.

5. A vasta área do Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), ardida entre 2017 e 2022, requer a adoção de medidas estruturais que permitam a recuperação sustentada dos ecossistemas e habitats, dos valores naturais que se encontram na base da classificação desta área como protegida, e das atividades produtivas florestais, agrícolas e pecuárias, algumas das quais específicas desta região. Para isso é necessário dotar as estruturas públicas de meios materiais e humanos e capacidade de planificação, de gestão e de execução.

A realidade tem demonstrado um afastamento do Estado do cumprimento das suas tarefas em matéria de proteção e valorização do património natural, com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) cada vez mais ausente do território nacional que lhe cabe proteger e valorizar, faltando o reforço dos seus meios humanos e técnicos para responder a esta missão. Veja-se a situação do Parque Natural da Serra da Estrela, com mais de 19 mil hectares ardidos em 2017, a que se somaram os 26 mil hectares ardidos em 2022, naquele que foi o maior incêndio em 47 anos neste Parque Natural. 

Relativamente aos incêndios rurais, não faltaram avisos, da parte do PCP, da necessidade de cumprir as medidas de prevenção que já estavam em vigor antes de 2017, bem como as que foram decididas, entretanto.

Porém, continua em falta a constituição de cerca de 70 equipas de sapadores florestais, para cumprir os objetivos previstos na Estratégia Nacional para as Florestas de 2015 sendo que na área do PNSE, com quase 90 mil hectares, existiam, em 2022, apenas 24 equipas, das quais apenas sete constituídas desde 2018. 

A rede primária de faixas de gestão de combustível tem uma execução de apenas 50% do que foi estabelecido e no que respeita ao plano de fogo controlado muito continua por realizar, apesar de estar identificado como potencial de intervenção na Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela uma área de quase 40 mil hectares, dos quais 11 mil hectares considerados prioritários.

É urgente mobilizar recursos para a recuperação do PNSE e das demais áreas protegidas, para recuperação da sua diversidade e do seu bom estado ecológico, devolvendo às populações o seu património natural. 

O PCP, acompanhando com preocupação estas questões, irá requerer a audição do Ministro do Ambiente e da Ação Climática para se conhecer o planeamento e o estado de concretização do Programa de Revitalização do Parque Natural da Serra da Estrela (PRPNSE) e para obter esclarecimentos quanto à execução da medida inscrita no OE2023, por proposta do PCP, relativa à atualização do estado e dos planos de ordenamento das áreas protegidas.

De igual forma, considerando que uma das principais ameaças à biodiversidade e aos desígnios de conservação da natureza é a proliferação de espécies exóticas e invasoras, que provocam modificações significativas nos ecossistemas, o PCP irá apresentar um projeto de lei para a elaboração e concretização de um programa de identificação, controlo e erradicação de espécies exóticas invasoras, de espécies oportunistas e outras pragas nas áreas da Rede Nacional de Áreas Protegidas.

6. A proteção civil é uma questão central para a segurança das populações e para o desenvolvimento económico e social do país.

Não pelas melhores razões, a realidade tem demonstrado a crescente relevância da Proteção Civil, uma vez que são mais frequentes os fenómenos extremos e mais evidentes os diversos problemas ambientais.

Para o PCP, que tem vasta intervenção legislativa nesta matéria, há medidas que devem ser tomadas relativamente ao modelo, orgânica, missões e meios a colocar à disposição da proteção civil, uma vez que as falhas, insuficiências e contradições desta estrutura são cada vez mais evidentes.

Neste sentido, o Grupo Parlamentar do PCP apresentará de imediato um projeto de resolução para uma nova política de proteção civil, bem como um projeto de resolução para que o país seja dotado de meios aéreos próprios afetos às missões de proteção civil, incluindo busca, salvamento, evacuação de sinistrados e combate aos fogos rurais, de modo a pôr termo à situação existente em que para combate aos fogos rurais o país está sujeito às contingências do mercado para ter acesso aos meios aéreos de que necessita.  

7 – Nesta região da Serra da Estrela, as populações e as empresas de todos os setores são confrontadas com uma prática de abandono sistemático por parte dos grupos económicos e dos sucessivos governos, com a falta de investimento que seria necessário na dotação de infraestruturas fundamentais, desde logo nas telecomunicações. Para além da situação escandalosa e de elevado risco que é a falta de cobertura territorial em comunicações móveis, o acesso à rede de banda larga fixa é outro exemplo flagrante, que decorre do facto de os grupos económicos apenas investirem na procura que lhes garante o retorno desejado, mantendo assim mais de 450 mil habitações do país excluídas desse acesso. A “solução” do Governo passa por canalizar centenas de milhões de euros de fundos públicos para um setor onde são gerados 3,78 mil milhões de receitas anuais – opção essa que o PCP irá confrontar e questionar, a par de outras questões que afetam a população de que é também exemplo a falta de desenvolvimento da oferta de Televisão Digital Terrestre.

 

8 - O presente ano letivo foi sinónimo de ataque à Escola Pública, a quem nela trabalha e a quem nela estuda. Perante as reivindicações dos professores e educadores, técnicos especializados, dos auxiliares de ação educativa e assistentes administrativos, dos pais, e dos estudantes, o Governo insiste em não dar resposta aos problemas, sendo responsável pelo seu agravamento. 

O PCP considera que é necessário efetivar o direito à educação, garantindo as condições adequadas para o processo de ensino-aprendizagem numa visão de desenvolvimento integral do indivíduo, o que implica uma Ação Social Escolar que dê resposta às famílias, a garantia real de gratuitidade de acesso aos manuais escolares, a contratação de todos os trabalhadores necessários à garantia do serviço público de educação e a democracia nas escolas.

O PCP mantém-se solidário com a luta dos professores e educadores. A falta de professores com que hoje a Escola Pública se confronta e a necessidade de atratividade da profissão docente ganha-se respeitando os seus direitos, como o direito à greve, garantindo a sua estabilidade profissional, a valorização dos seus salários e a progressão natural, sem quotas, na carreira e repondo os 6 anos, 6 meses e 23 dias de tempo de serviço.

Dos 20 mil professores precários e com mais de 3 anos de serviço, o Ministério da Educação apenas se compromete a vincular 10.700. O PCP, reconhecendo a justeza da exigência dos professores e educadores, vai agendar em Comissão o seu Projeto de Resolução, onde defende a abertura das vagas necessárias para a vinculação de todos os docentes e educadores com três ou mais anos de serviço. 

9 - A precariedade tornou-se sistémica na investigação científica. Os investigadores vivem numa evidente ansiedade e angústia que têm impactos inevitáveis na produtividade e a excelência da sua atividade profissional. Da mesma forma, a precariedade toca também o Ensino Superior, no qual 53% dos docentes são precários, agredindo todos os princípios dos estatutos das carreiras docentes e a missão que o regime democrático estabeleceu há mais de 40 anos para o Ensino Superior.

Há muito que o PCP insiste em que o Governo deve reforçar o orçamento das instituições do ensino superior garantindo o correto funcionamento geral das mesmas e permitindo a integração dos milhares de investigadores precários que têm prestado um papel essencial no Sistema Científico e Tecnológico Nacional (STCN). 

Perante esta situação, o PCP irá requerer a audição urgente da Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior na Comissão de Educação e Ciência.

10 – No final destas Jornadas Parlamentares, que nos proporcionaram um conjunto muito valioso de informações obtidas nas diversas visitas e reuniões efetuadas, podemos afirmar que o Grupo Parlamentar do PCP sai em melhores condições para reforçar a sua intervenção na Assembleia da República em defesa dos direitos fundamentais do povo português e por uma política alternativa que contribua para a resolução dos problemas nacionais. 

  • Ambiente
  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Poder Local e Regiões Autónomas
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Castelo Branco
  • Guarda
  • Jornadas Parlamentares
  • Serra da Estrela